Eleições: Expectativas versus Promessas

Canal Energia
Rômulo Mariani
24/09/2018

“Independente do presidente que venha a ser eleito, espero que ele não deixe de aprender com os erros do passado. Esses erros tiveram um custo político e social, provocaram aumento de tarifa, afugentou investidores e prejudicou a qualidade dos serviços. Espero que ele entenda que vale a pena nomear bons quadros técnicos. E que além de trabalhar para consertar o setor elétrico, pavimente um futuro melhor.” A declaração do advogado Rômulo Mariani, do escritório Souto Correa, resume bem o desejo dos agentes do setor elétrico.

Para Mariani, a prioridade zero do próximo presidente será encontrar solução para as ações judiciais que impedem o funcionamento normal do mercado de eletricidade. A inadimplência ia no mercado de curto prazo (MCP)        somou R$ 9,17 bilhões na liquidação financeira de julho, de um total contabilizado de R$ 11,58 bilhões, de acordo com os dados mais recentes divulgados pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Desse total, R$ 7,84 bilhões não podem ser cobrados porque decisões judiciais protegem os geradores hidrelétricos com contratos no mercado livre de arcarem com os custos de baixa produção de energia.

Em evento em Brasília nesta semana, a conselheira da CCEE Talita Porto disse que os débitos do GSF podem atingir R$ 13 bilhões ao final de 2018. Esse dinheiro é equivalente ao volume de recurso s necessários para concluir a usina nuclear Angra 3, por exemplo, cujas obras estão paralisadas desde setembro de 2015 (com 62% de avanço físico). A obra já consumiu R$ 7 bilhões e o total previsto para o investimento em Angra 3 é de aproximadamente R$ 21 bilhões, de acordo com a Eletronuclear.

Segundo a CCEE, foram movidas 313 ações judiciais questionando o GSF, sendo que 160 liminares estão vigentes. A solução para o imbróglio está no PLC 77/18. O projeto de lei cria condições para aumentar a competitividade da privatização da Amazonas Energia e também propõe a renegociação dos débitos dos geradores hidrelétricos no MCP, em troca da extensão dos prazos de outorga dos empreendimentos.

O Senado empurrou a votação do PLC 77 para a segunda semana de outubro, depois do primeiro turno das eleições. Após a aprovação, a regulamentação do PLC 77 deverá levar mais cinco meses. Além do GSF, são questionados judicialmente a cobrança de encargos setoriais (Contra de Desenvolvimento Energético) e o pagamento de indenização a transmissoras de energia (RBSE), apenas para citar os mais polêmicos.

Mário Menel, presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico (FASE), lembra que a litigância do MCP compromete, entre outros, o funcionamento do mecanismo de resposta da demanda, bem como inibe a produção de bioenergia no país. “Um governo recém-eleito terá mais legitimidade para promover esse pacto”, aposta.

Menel revelou que tem encontrado dificuldade para promover reuniões com os representantes da área de energia das campanhas. “Por incrível eu parece os candidatos não têm representantes para área de energia”. Para ele, isso demonstra que a energia não está na agenda de prioridades dos candidatos, pelo menos nesse primeiro turno. “É preocupante porque você não vê uma proposta concreta para o setor”, alerta.

Na opinião de Mariani, também seria muito importante que a pauta das privatizações tivesse continuidade num próximo governo. O Governo do presidente Michel Temer foi capaz de privatizar cinco distribuidoras do grupo Eletrobrás nos últimos dois anos, restando destravar a venda da Amazonas Energia e da Ceal, no Alagoas. Também tramita no Congresso uma proposta (PL 9.463/18) para pulverização da participação do governo na holding Eletrobrás.

A Associação Brasileira de Grandes Consumidores Indústrias de Energia (Abrace) defende a continuidade do processo de privatização e não vê como um obstáculo passar essa tarefa para o próximo presidente. “A privatização da Eletrobrás está aumentando muito os custos para o consumidor na partida, porque o governo precisa negociar com o Congresso. Um governo mais forte pode fazer isso com um custo menor”, desse Edvaldo Santana, presidente da entidade.

Na avaliação do professor Nivalde de Castro, coordenador do grupo de estudos do setor elétrico da Universidade Federal do Rio de JANEIRO (Gesel/UFRJ), além da inadimplência do MCP e da privatização, o próximo governo terá que enfrentar o problema da explosão tarifária no mercado regulado. Desde 2015 as tarifas de energia em todos país entraram em uma trajetória de crescimento de dois dígitos.

A Abrace argumenta que a redução das tarifas de energia será alcançada com a redução das intervenções do Governo e com a racionalidade de custos, que inclui o fim d alguns subsídios presentes na conta de luz. “Acho que a principal guinada de um novo governo é dar mais poder ao regulador. O setor piorou muito quando as decisões deixaram de ser técnicas para se tornarem políticas”, diz Santana.

A diretora do Centro de Regulação em Infraestrutura na FGV, Joisa Campanher Dutra, afirma que a litigância excessiva provoca perda de competividade do setor. E a raiz desse problema está no aumento da intervenção do estado a partir de 2012. “Entendo que a gente tem que ser capaz de reavaliar o funcionamento do setor, aumentando o uso de mecanismos de mercado.”

Para ela, o próximo presidente não terá como deixar de enfrentar os problemas da judicialização e dos subsídios. Sua maior preocupação é com a continuidade do processo de modernização das regras do setor iniciadas na gestão do ministro Fernando Coelho Filho. A Consulta Pública 33 reunião um conjunto enorme de contribuições dos agentes que aponta para um novo desenho de mercado. Essas contribuições foram incorporadas no PL 1.917/15, em tramitação no Congresso. “Entendo que a CP 33 não pode ser abandonada”, diz a diretoria da FGV.

Joísa, que já foi diretora da Agência Nacional de Energia Eétrica (Aneel), entende que a independência e a governança da agência reguladora estão asseguradas. “Aneel é uma instituição de 20 anos e ela tem um corpo técnico forte.” Por outro lado, ela defende que há espaço para melhorar a governança de instituições como a CCEE e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e das empresas estatais federais estaduais. “A gente precisa revisitar a governança dessas entidades”, recomendou. Ela também acredita que o Tribunal de Contas da União (TCU) terá mais relevância em qualquer cenário eleitoral.

Castro acredita que as instituições do setor elétrico terão capacidade de dar continuidade aos aperfeiçoamentos necessários independente da política que venha a ser feita a partir de 2019. “O setor é de certa maneira blindado, pois tem um marco institucional consolidado que garante certa estabilidade ao mercado”, argumenta o professor.

Para ele, a transição energética provocada pelas novas tecnologias não deveria ser uma preocupação para o Brasil. “Somos um país subdesenvolvido e não temos a obrigação ou pretensão de estar na ponta do desenvolvimento tecnológico. Vamos esperar a redução de custos desses equipamentos e ir incorporando-os de acordo com a competitividade. Essa transição abre oportunidade de negócios, mas não precisa estar na mesma velocidade de países europeus ou dos Estados Unidos. “

A continuidade das reformas do setor também é uma preocupação do presidente da Associação Brasileira de Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel), Reginaldo Medeiros. Ele espera que o próximo governo encerre a pratica de repassar todos os custos para o consumidor de energia elétrica. “A gente espera que o próximo governo transforme o setor elétrico, olhando para o futuro e deixe de discutir o passado”, dispara.

Medeiros afirma que o modelo comercial do setor elétrico está falido. Segundo ele, o setor é vítima de um lobby de instituições que resistem bravamente a qualquer tipo de mudança. “O melhor caminho para um novo governo é pegar o que já foi feito na CP33 e implementar as reformas necessárias.”

Medeiros defende a racionalização dos subsídios, direito de escolha do fornecedor de energia, separação de lastro e energia, rediscussão do modelo de negócio da geração distribuída e a criação do mercado latino-americano de eletricidade.

Já Santana é cético quando a CP33, embora entenda que é uma boa iniciativa. Para ele, as propostas presentes na consulta resolvem apenas 30% dos problemas do setor elétrico. “Um dos principais problemas de ineficiências estão na estrutura de governança e nada disso é tocado na CP33”.

Segundo o presidente da Abrace, pouco vai adiantar resolver os problemas macroeconômicos sem resolver os problemas de infraestrutura. “Quando olhamos para os planos dos presidenciáveis, não vemos nenhuma preocupação com o setor elétrico. Isso cria um cenário incerto”, disse. “Se a estratégia para resolver os problemas do Brasil é essa que está sendo apresentada por todos os candidatos, acho que não sairemos disso. Acho que não teve nenhuma proposta capaz de tirar o Brasil do caos econômico e social que estamos”, completou.

O QUE DIZEM OS PRESIDENCIÁVEIS

As eleições 2018 conta com 13 concorrentes a presidência da República. A reportagem analisou os planos de governo de casa candidato, com base nos documentos entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A maioria dos candidatos faz menções genéricas ou não faz nenhuma menção ao setor elétrico.

Álvaro Dias (Podemos) fala em estimular os investimentos em infraestrutura sem negligenciar o meio ambiente.

Ciro Gomes (PDT) propõe recuperar e modernizar a infraestrutura de uma forma geral, para geral empregos e qualidade de vida da população e aumentar a competitividade do país. Fala em investir R$ 300 bilhões em infraestrutura por ano, através de investimento público ou estimulando o setor privado a fazê-los. Fala na realização de um pacote de investimentos voltados às fontes renováveis e no controle nacional dos recursos naturais (petróleo, gás e sistema hídrico).

Geraldo Alckmin (PSDB) diz que vai priorizar politicas que permitam às regiões Norte e Nordeste desenvolverem as suas potencialidades, como em energias renováveis.

Jair Bolsonaro (PSL) promete transformar o setor elétrico, do atual quadro de judicialização generalizada, para um dos principais vetores de crescimento e desenvolvimento do Brasil. Prometeu que o licenciamento de PCHs será avaliado em um prazo máximo de três meses. Disse que o gás natural excederá papel fundamental na matriz elétrica e enérgica nacional, propiciando qualidade e segurança para a expansão das energias fotovoltaicas e eólicas. Também disse que vai rediscutir os tributos federais, inclusive dos combustíveis, com o objetivo de não sobrecarregar o consumidor de energia.

Henrique Meirelles (MDB) diz que seguirá com os objetivos do Acordo de Paris, elevando a participação de bioenergia em sua matriz energética, incentivando o reflorestamento e estimulando o investimento em energias renováveis.

João Amoedo (NOVO) diz que vai ampliar a infraestrutura nacional, incluindo energia.

José Maria Eymael (DC)diz que vai priorizar a ação do Governo Federal no adensamento da infraestrutura nacional, incluindo entre as prioridades energia, estradas, ferrovias e o sistema portuário.

Guilherme Boulos (PSOL) fala em reduzir as emissões de GEE e diz que para isso é preciso de uma mudança no modelo energético, com uma transição para energias renováveis e de baixo carbono (solar e eólica). Fala em democratizar as agencias reguladoras para eliminar a influencia das empresas reguladas. Quanto às usinas nucleares, diz que vai manter Angra 1 e 2 até o fim de sua vida útil e rediscutir com a participação da sociedade civil a continuidade do projeto de Angra 3. Sobre as hidrelétricas, diz que essas usinas não são ambientalmente sustentáveis e tem um impacto devastador sobre os territórios, populações e biomas.  Entende que não é necessária a construção de novas hidrelétricas nesse momento.

Marina Silva (Rede) é uma das poucas candidatas que tem explorado em sua campanha o setor elétrico. Em seu plano de governo, consta que a privatização em sua campanha o setor elétrico. Em seu plano de governo, consta que a privatização não será tratada com posições dogmáticas. Diz que o Brasil possui 168 estatais que merecem ser analisadas a partir dos critérios de custo para a sociedade, eficiência do serviço público, questões estratégicas para o Estado e a não fragilização de setores desfavorecidos. Afirma que não privatizará a Petrobrás, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Fiz que a privatização da Eletrobrás será analisada no contexto da política energética nacional, mas concorda que suas distribuidoras devem passar para a iniciativa privada.

Marina também fala que vai investir no estabelecimento de um ambiente de segurança jurídica para atrair investidores e consolidar uma matriz elétrica sustentável que incorpore suas externalidades e produza o menor custo de investimento e de operação possível. Diz que concentrará os esforços e recursos para investimentos em energias renováveis. Nesse sentido, o seu governo a Petrobrás deverá assumir um papel de liderança em energias limpas, se beneficiando do enorme potencial brasileiro.

Marina também propõe o estabelecimento de incentivos e metas para melhoria da eficiência energética em toda cadeia do mercado de energia. Diz que criará um programa de massificação da instalação de geração de energia solar fotovoltaica distribuída nas cidades e comunidades vulneráveis. Essa politica vai gerar novas oportunidades de emprego na produção e instalação dos painéis solares e a possibilidade de geração de renda, com a venda do excedente de energia produzida. A meta é atingir 1,5 milhão de telhados solares de pequeno e médio porte até 2022, representando 3,5 GW de potência. Serão realizadas parcerias com instituições de pesquisa para fomentar o desenvolvimento de novas tecnologias visando a redução de custos e o aumento da eficiência energética.

Marina também assume o compromisso de implementar o RenovaBio, visando criar 1,4 milhões de empregos. Diz que vai estimular a integração da agricultura energética com a agricultura alimentar, com o objetivo de capitalizar a agricultura alimentar e atender a demanda crescente por bioenergia e biocombustíveis, contribuindo para a redução do consumo de combustíveis fósseis.

Fernando Haddad (PT) fala em fortalecer a Petrobras, a integração de regiões e produção em grande escala de energia a partir de fontes limpas. Diz que vai interromper as privatizações, afirmando que a Eletrobrás vai retomar seu papel estratégico no sistema elétrico brasileiro, contribuindo para a expansão da geração e transmissão de energia no país. Também diz que vai direcionar os investimentos para expandir a geração solar, eólica e biomassa. Diz ainda que será perseguida a meta de instalar kits fotovoltaicos em 500 mil residências por ano. A micro e minigeração de energia renovável serão impulsionadas pela venda do excedente de energia gerada por residências, comercio e indústria.

Promete compensar a população afetada pelos empreendimentos hidrelétricos, não só, como também poderão se tornar sócios dos empreendimentos, recebendo, por exemplo, royalties. Promete também modernizar o sistema elétrico (usinas e transmissão), além de perseguir no aumento da eficiência energética. Diz que vai fortalecer o Programa Reluz, e agilizará a expansão do Programa Luz para Todos para as localidades isoladas na Amazônia.

O governo Haddad diz que devolverá à Petrobrás sua função de agente estratégico do desenvolvimento brasileiro, garantindo-a como empresa petrolífera verticalizada – atuando exploração, produção, transporte refino, distribuição e revenda de combustíveis – e como empresa integrada de energia, presente no ramo de petróleo e em biocombustíveis, energia elétrica, fertilizantes, gás natural e, sobretudo, petroquímica. Diz que vai interromper a alienação em curso de ativos estratégicos da empresa, ao tempo em que a política de conteúdo local será retomada e aprimorada. A politica de preços de combustíveis da Petrobras será reorientada.

O governo Haddad promete criar o Programa Gás a Preço Justo, que garantirá que o preço do gás caiba no bolso das famílias. Para assegurar cidades mais iluminadas, o Haddad promete apoiar, por meio de PPP, os municípios de todo país a troca da iluminação pública por iluminação a LED, que, além de reduzir drasticamente o consumo de energia, contribui para a segurança e mobilidade das pessoas.

Os candidatos Cabo Daciolo (Patriotas) e Vera Lúcia (PSTU) não fazem qualquer menção ao setor de energia.

CENÁRIO ELEITORAL

A pesquisa eleitoral DataFolha para presidente divulgada na ultima quinta-feira, 20 de setembro, mostra o candidato Jair Bolsonaro liderando a corrida ao Planalto com 28% das intenções de votos e Fernando Haddad, em segundo lugar, com 16%. Ciro Gomes segue logo atrás em 13%.

A Agência CanalEnergia procurou a Dominium Consultoria, especializada em relações governamentais e institucionais – e com constante acompanhamento das matérias sobre o setor elétrico – para nos ajudar a analisar o cenário eleitoral.

De acordo com Marcelo Morais, sócio da consultoria, o cenário indica que o próximo presidente será eleito com uma votação muito baixa em numero absolutos, com um numero alto de votos brancos, nulos e abstenções. A expectativa é que o presidente seja eleito com algo entre 30% e 35% dos votos totais, ou seja, algo entre 45 e 50 milhões de votos. Isso fará com que o presidente eleito tenha um “capital politico reduzido”.

Morais também vê uma baixa renovação nos quadros da Câmara dos Deputados e do Senado, algo entre 20% e 30%. “O presidente eleito vai ter um Congresso muito parecido com o atual e não há nenhum fato que nos faça acreditar que o Congresso eleito será muito diferente do Congresso atual na sua forma de negociar.” Ou seja, o Legislativo ainda terá uma influência muito grande perante ao Poder Executivo.

Segundo o especialista, nesse cenário onde o setor elétrico possui varias demandas que dependem d Congresso, a escolha do ministro de Minas e Energia passa a ser extremamente relevante. “A figura do ministro passa a ser uma questão central. Se tivermos um ministro que conduza esse processo de reforma, a nossa chance de êxito e maior. Se tivermos um ministro que não esteja interessado em resolver os problemas estruturais do setor, já é um cenário que vai nos colocar numa situação difícil”, analisa Morais.

Os meses de novembro e dezembro serão essenciais na composição da base que dará sustentação ao novo governo nos próximos quatro anos.

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