Legislação que permite a terceirização em todas as atividades de trabalho traz segurança jurídica e tende a reduzir a informalidade

Flávio Sirangelo
Revista – SINFAC-RS
20/10/2017

Atividade foi regulamentada no País em março, por meio da Lei da Terceirização, e complementada na Reforma Trabalhista, em julho.

Prática comum nas relações de trabalho desde a década de 1980, a terceirização não possuía regramento específico no País, o que dava margem a muitos casos de abusos nas relações laborais e aumento dos litígios trabalhistas. Neste ano, no entanto, duas leis passaram a normatizar essa prática, dando segurança jurídica às partes envolvidas, contribuindo para reduzir os índices de informalidade e permitindo a terceirização em todas as atividades, meio e fim.

Ex-ministro do Tribunal Regional do Trabalho e especialista em Direito Trabalhista, o advogado Flavio Portinha Sirangelo, do escritório Souto Correa, destaca que antes dos regramentos de março (Lei da Terceirização) e julho {Reforma Trabalhista) acerca do tema, o que se tinha era uma jurisprudência rest ritiva da Justiça do Trabalho, de 1993, estabelecendo a distinção entre atividade meio e atividade fim. A Lei da Terceirização afastou essa dicotomia entre as atividades e permitiu a terceirização na atividade fim. “Então, antes era ilegal, não podia terceirizar tudo que fosse atividade fim. E quando isso acontecia, o juiz reconhecia o vínculo de emprego direto entre a empresa que terceirizou e o empregado da terceirizada. Grandes empresas como bancos, companhias aéreas e grandes corporações que terceirizaram, por exemplo, seus callcenters e serviços de atendimento ao cliente, como não tinha uma regulação legal, muitas vezes contratavam empresas aventureiras, que estabeleciam o negócio sem muitos recursos e começavam a contratar gente desqualificada, como acontece até hoje”, aponta o advogado.

Com a normatização, Sirangelo acredita no avanço dessas relações de trabalho, já que a licitude da terceirização garante os direitos dos empregados das empresas terceirizadas, determinando maior rigor para o funcionamento da prestadora de serviço e para a fiscalização do cumprimento de suas obrigações, pontos considerados fundamentais da Lei de março. “A Lei estabelece toda uma regulação legal para a terceirização, finalmente. Isso é positivo porque elimina, em primeiro lugar, a insegurança jurídica que havia”, complementa.

A Reforma Trabalhista, por sua vez, alterou pontos que vinham gerando controvérsia na Lei da Terceirização, como o fato de permitir a prática apenas em serviços específicos e determinados, estendendo a terceirização para qualquer atividade da empresa, inclusive a fim. “Esse é o ponto principal que foi alterado de março pra julho. Então, hoje, se entende que a terceirização será possível em qualquer atividade da empresa, mas a Lei também estabelece requisitos para o funcionamento da atividade de prestação de serviço terceirizado. Por exemplo, exige que a empresa de
prestação de serviço tenha capital social proporcional ao número de empregados e que o trabalhadorterceirizado passe a ter direitos de empregado efetivo, porém com vínculo empregatício com a empresa prestadora”, destaca o jurista.

O segundo ponto mais importante da nova legislação é o fato de que no caso de a empresa de terceirização não pagar os direitos dos empregados que
contrata, a contratante terá de fazê-lo e assumir a responsabilidade trabalhista, o que vai obrigar as empresas que contratam esse tipo de serviço a fiscalizarem a prestadora. “E isso vai qualificar essa relação de trabalho, porque ninguém vai querer contratar e depois sofrer o efeito de um passivo trabalhista que não é dela, o que acontecia muito. Esse é o cenário legal e ideal, que se espera que aconteça, e a
Justiça do Trabalho vai exercer o seu papel de mediar os conflitos que eventualmente aconteçam”, completa Sirangelo.

Além de exigir da prestadora de serviço um capital social compatível ao número de empregados, a lei impõe à empresa que contrata o serviço terceirizado a responsabilidade sobre o meio ambiente de trabalho, controlando a segurança, prevenção de acidentes, entre outras, o que antes gerava muito conflito na relação laboral. Também passou a ser obrigatório estender aos funcionários terceirizados todos os benefícios que a
empresa que contrata a terceirização concede a seus empregados efetivos, como refeitório e serviço médico.

O mesmo não ocorre com as vantagens econômicas, sobre as quais a legislação determina que a contratante possa negociar com a terceirizada a extensão dessas vantagens, mas não as torna obrigatórias, dando margem às negociações. Para evitar fraudes, a lei também estipulou prazo de quarentena de 18 meses para contratação de empresas terceirizadas cujo titular ou sócio tenha sido empregado dela nos últimos 18
meses. “Era um fenômeno que acontecia na prática, a empresa pegava um funcionário muito qualificado, fazia um acordo, demitia e o ajudava a constituir empresa, que contratava como terceirizada. Para evitar isso, se estabeleceu a quarentena de um ano e meio. O mesmo para empregados da empresa terceirizada, não pode trabalhar alguém que foi empregado dela nos últimos 18 meses”, atenta Sirangelo.

Embora no País não haja um consenso sobre o tema, o especialista destaca que a mudança também deve ser cultural em relação ao mundo do trabalho, que tinha regras muito rígidas anteriormente. No caso específico da terceirização, ele reforça o benefício da segurança jurídica. “O Brasil tem que experimentar essa situação nova, porque ela acontece no mundo inteiro e funciona, é uma questão de adequação. Essa mudança é arejadora, ela precisa ser experimentada e o tempo vai dizer o que estava certo ou errado”, diz.

Sirangelo enfatiza ainda que a Reforma Trabalhista foi muito bem elaborada e não suprime direitos dos trabalhadores. “Ela retira bastante a rigidez que havia, para qualificar a relação e permitir que haja mais negociação, não só para assegurar direitos dos trabalhadores, mas também para preservar as empresas”.

O advogado ressalta ainda que, como ocorre em toda a mudança em implantação, há um tempo de maturação sobre a legislação da terceirização, mas a tendência é de que o regramento tenda a reduzir bastante a litigiosidade trabalhista. Segundo pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), divulgada no ano passado, 46% dos processos da Justiça do Trabalho eram relacionados à terceirização, justamente porque não havia uma regulação adequada.

TERCEIRIZAÇÃO
• Confira os principais aspectos e inovações regulamentados este ano pela Lei da Terceirização e Reforma Trabalhista:

• Acaba com a controvérsia que havia entre atividade-meio e atividade-fim.

• Permite às empresas a possibilidade legal de terceirizar quaisquer de suas atividades, inclusive a principal (atividade-fim).

• Estabelece que a empresa contratante das serviços terceirizados seja subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas da empresa terceirizada que contratou.

• Se a empresa prestadora de serviço (terceirizada) se tornar inadimplente com seus empregados e não tiver patrimônio para garantir as dívidas trabalhistas, a empresa contratante será chamada a responder por esses pagamentos, em relação aos períodos em que esses empregados lhe prestaram serviços como terceirizados.

• Exige capital social da empresa de terceirização compatível ao número de empregados que tem (ex: empresas com mais de 50 e até 100 empregados deve ter capital mínimo de R$100 mil).

• Impõe responsabilidade à empresa que contrata o serviço terceirizado em questões de meio-ambiente do trabalho (segurança, limpeza, condições sanitárias, instalações adequadas, etc.).

• Impõe ainda a obrigação de estender aos empregados terceirizados os mesmos benefícios dos seus empregados efetivos, tais como alimentação oferecida em refeitórios, direito de utilizar os serviços de transporte, atendimento médico ou ambulatorial, treinamento adequado, fornecido pela contratada, quando a atividade o exigir.

• Prevê que as empresas contratante e terceirizada poderão estabelecer que os empregados da contratada façam jus a salário equivalente ao pago aos empregados da contratante, além de outros direitos.

• Proíbe a utilização dos trabalhadores em atividades não previstas no contrato de prestação de serviços.

• Estipula a quarentena para contratações, nos seguintes termos: empresas cujos titulares ou sócios mantiveram relação de trabalho nos últimos 18 meses com a contratante, salvo se aposentados e para empregada demitido no prazo de 18 meses, a contar da demissão.

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