Novas regras, novas usinas?

Livia Amorim
Brasil Energia
08/06/2018

Depois do leilão A-6 de dezembro estabelecer a geração térmica de base, governo muda diretrizes sobre fornecimento de combustível, gerando dúvidas sobre o efeito na rodada de agosto.
O governo decidiu fazer modificações na lista de exigências para a participação de termelétricas a gás natural cadastradas no leilão de energia nova A-6, previsto para ocorrer no em de agosto.
As modificações feitas em alguns itens e passadas aos empreendedores teriam como objetivo deixar as regras mais claras para quem pretende participar da concorrência. Mas há quem julgue que esses novos parâmetros podem afugentar investidores e trazer mais dificuldades, justo no momento em que se discute a geração das termelétricas na base – além da possibilidade de que as negociações para os contratos de fornecimento de gás possam se tornar mais extensas.
Divulgadas na primeira semana de abril, as regras confirmaram a inflexibilidade média anual de 50% para as térmicas – inovação introduzida no leilão do ano passado e que foi considerada bem-sucedida como estratégia de formação de preços.
Para este próximo leilão, as térmicas precisam apresentar à ANP um documento que comprove o compromisso de compra e venda do combustível ou um contrato preliminar celebrado entre o agente, o fornecedor e a concessionária de gás natural.
A novidade é que a ANP tem de emitir para o empreendedor um documento que ateste a viabilidade da entrega do gás natural de modo que contemple toda a cadeia, desde a origem do insumo até a chegada à termelétrica.
Há ainda a exigência da comprovação da disponibilidade do gás por, no mínimo, dez anos para operação contínua, mas ainda pode entrar um prazo adicional de cinco anos e outro prazo remanescente – tudo vai depender do contrato firmado com a usina.
A EPE verificou o cadastramento de 1.090 empreendimentos, que totalizam 59.116 MW de capacidade instalada. Desse total, 39 são térmicas a gás, que somam 28.655 MW de potência. Estão previstas usinas em estados que não possuem litoral, como Tocantins e Mato Grosso do Sul.
Especialistas ouvidos pela Brasil Energia estimam que essa mudança é mínima, mas pode representar uma tentativa de deixar as regras do jogo mais claras para os participantes.
Tentativa de assegurar fornecimento
Segundo o superintendente de Projetos de Geração da EPE, Bernardo Aguiar, a ideia é dar mais eficiência à ANP, de forma que ela possa analisar os documentos para o leilão. Com isso, espera-se que a agência faça um trabalho mais direcionado e obtenha uma melhoria dos processos de avaliação, pontuou o especialista.
A especialista em Energia, Petróleo e Gás pelo escritório de advocacia Souto Correa Advogados e pesquisadora no Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura (Ceri) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Lívia Amorim, ressalta que as regras não têm o objetivo de tornar proibitiva a participação de novos entrantes no setor, mas visam ampliar a segurança no fornecimento de gás natural às novas usinas.
Aguiar ressalta que no leilão A-6 do ano passado, teriam ocorrido atrasos na avaliação dos documentos, mas agora se pretende buscar uma otimização por meio de um viés de eficiência administrativa.
Já a garantia do fornecimento do gás natural ao longo de dez anos evita a participação de agentes que não tenham comprovada a disponibilidade de gás para atender à demanda. Com isso, pode-se evitar uma série de problemas relacionados à entrega do insumo, de acordo com o superintendente da EPE.
Nesse sentido, o presidente da divisão de Power e Gás da Siemens, Armando Juliani, vê uma evolução do quadro quando o governo pede fornecimento por dez anos, levando-se em conta a regra anterior, que era uma garantia de fornecimento por quinze anos. “Não é o ideal, mas melhorou bastante em relação ao que era”, afirmou Juliani.
Lívia, da FGV, cita problemas ocorridos com usinas de outros leilões, como as térmicas da Bertin, que acabaram adquiridas pela Eneva e foram reestruturadas. Ou os problemas que envolveram as usinas do grupo Bolognesi – Novo Tempo e Rio Grande. A primeira pôde ser viabilizada graças a um acordo com a Prumo Logística, que decidiu adquiri-la para integrá-la a seu hub de gás no Porto do Açu. A segunda ainda é uma incógnita, pois no ano passado a Aneel havia cassado a outorga da usina.
A Bolognesi havia entrado em acordo para que a norte-ameicana New Fortress Energy assumisse o empreendimento e impetrou recurso na agência reguladora para que a decisão possa ser revertida. Até o fechamento desta edição, a Aneel não havia ainda dado um parecer sobre o recurso.
Embora não veja problemas do ponto de vista das exigências administrativas, a advogada avalia que usinas que eventualmente utilizem gás importado (GNL) podem enfrentar dificuldades. Isso porque, de acordo com ela, a escala de transporte de um navio funciona com uma dinâmica diferente da que seria se o insumo fosse entregue via malha de gasodutos.
Para a diretora da Exergia Consultoria e Projetos, Cynthia Silveira, o tempo de negociação dos contratos pode se tornar mais extenso e dificultar a participação térmica no leilão. Na visão dela, as diretrizes exigirão dos participantes um esforço para demonstrar contratos que levem em conta toda a cadeia de fornecimento dos projetos e não apenas acordos relativos ao suprimento.
“De todo modo, muitos projetos se cadastram até sem ter a licençaambiental, na expectativa de conseguir a licença às vésperas do leilão”, disse ela.
O governo deveria ser mais assertivo ao expor nas regras da concorrência a geração de térmicas na base, avalia Cyntia. Essa medida tem o caminho aberto graças à inflexibilidade de 50%, que já foi adotada no leilão A-6 do ano passado. A experiência fez o governo optar por repetir a receita, mas, para ela, essa deveria ser uma diretriz que poderia ser abordada de forma mais direta.
Nessa linha, prossegue Juliani, da Siemens, as diretrizes são uma tentativa do governo de garantir o fornecimento do gás para as usinas, ao acompanhar de perto o andamento do fornecimento do insumo. Segundo ele, são válidas as mudanças, mas diz que as multas no caso da indisponibilidade do combustível precisam ser adequadas ao momento atual do mercado, quando há uma perspectiva da entrada de uma oferta maior do insumo proveniente dos campos do pré-sal.
Diz ainda que a oferta esperada do gás do pré-sal ajudará os agentes a darem essa garantia do fornecimento, uma vez que pode contribuir para elevar a demanda por contratação de equipamentos para as usinas, principalmente turbinas.
Menos aventureiros
Juliani, da Siemens, salienta que as normas criam um “funil”, no sentido de selecionar melhor aqueles que têm condições mais próximas do ideal para participar dos leilões. Dessa forma, diz ele, evita-se o surgimento de “aventureiros”, no setor. Com isso, espera-se que os contratos sejam fechados com empresas mais capacitadas a tocar empreendimentos de geração térmica dentro dos prazos previstos, conforme avalia o executivo.
O presidente da Abraget, Xisto Vieira Filho, no entanto, vê as novas regras com outro olhar, mais crítico. Ele disse que a entidade está descontente com as regras porque surgem “em cima da hora” da realização da concorrência, podendo gerar insegurança jurídica. Disse ainda que o governo tomou a decisão supostamente sem ouvir os agentes do setor e comentou que a entidade negocia um acordo com o governo sobre as normas. Até o fechamento desta edição, nenhum acordo havia sido divulgado. “[A mudança] Pode afugentar investidores. Mudar em cima do laço é sempre algo desastroso”, frisou Vieira.
Sem térmicas?
O sócio do escritório Tomanik Martiniano, Cid Tomanik Pompeu, foi além. Para ele, não era o momento de o governo incluir térmicas a gás no leilão. Isso porque o setor está em meio a incertezas relacionadas ao substitutivo do projeto de lei 6.407/13, o chamado PL do Gás, que prevê uma mudança no marco legal. Tomanik explicou que contratos serão assinados em um contexto que pode mudar, inviabilizando alguns contratos devido a eventuais novas regras.
Isso porque o texto ainda se encontra parado na Comissão de Minas e Energia da Câmara dos
Deputados, à espera de uma análise. Mas o presidente do colegiado, deputado Marcelo Squassoni (PRBSP), já avisou que só pautará a matéria para análise depois que governo e agentes chegarem a um acordo sobre o tema. Algo que ainda não ocorreu até o fechamento desta edição.
E ainda há a questão da importação do insumo da Bolívia, que termina no próximo ano, mas com volume ainda passível de ser retirado até 2021 – o chamado make up. Isso significa que os contratos de compra de energia de fonte térmica serão assinados sob determinadas regras que podem vir a mudar em um futuro não tão distante.
“Estamos navegando em um mar agitado. Deveriam separar a térmica, continuar a concorrência para usinas a óleo combustível e tirar a questão do gás neste leilão”, defendeu ele.
De acordo com o consultor, há risco de ocorrer judicialização caso saiam as novas regras do marco legal. Ele cita, por exemplo, que as usinas precisam necessariamente estar conectadas a uma distribuidora, como prevê a constituição. Se surgir uma norma contrária, o contrato pode ser contestado e até invalidado.
Tomanik ressalta que hoje o envio de gás em alta pressão para as térmicas poderia ser feito diretamente do gasoduto, visto que as distribuidoras operam com uma pressão diferente. Assinala, no entanto, que essa medida é impedida por força do artigo 25 da Constituição Federal, que prevê a distribuição do gás como atividade que necessariamente precisa ser prestada pelo estado – diretamente – ou por meio de suas distribuidoras, estatais ou não.

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