STJ manda TJSP esclarecer pontos em decisão sobre massacre do Carandiru

Antonio Tovo
JOTA
10/04/2018

Entendimento não invalida decisão que anulou condenação de policiais militares pelas mortes de 111 presos

O ministro do STJ Joel Ilan Paciornik determinou que o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) realize novo julgamento dos embargos de declaração apresentados pelo Ministério Público paulista no caso da morte de 111 presos durante repressão policial a rebelião no antigo Complexo Penitenciário do Carandiru, em 1992. A decisão, tomada na última sexta-feira (6/4), não invalida o acórdão do TJSP que anulou a condenação de policiais militares pelos assassinatos.

Depois que o tribunal anulou o julgamento do tribunal do júri, o MP entrou com embargos de declaração pedindo alguns esclarecimentos. Alegou que o TJSP não poderia invalidar a condenação dos jurados “simplesmente por discordar do juízo de valor resultado da interpretação das provas”.

Quando os embargos foram julgados, a corte paulista entendeu que não houve omissão ou contradições no acórdão. E que “o julgador não está obrigado a pronunciar-se sobre tudo quanto colocado pelas partes ou dispositivos por elas referidos, quando já encontrou as razões de seu convencimento”.

Foi esse acórdão – o dos embargos de declaração – que o STJ anulou e determinou o retorno dos autos para que seja realizado novo julgamento, com a efetiva apreciação dos pontos levantados pelo MP. Trata-se do Recurso Especial 1.716.928 /SP, de autoria do MP de São Paulo.

Segundo Paciornik, o TJSP deverá apreciar efetivamente os pontos indicados como omissos e contraditórios pelo MP. O recurso especial analisado pelo ministro teve origem em ação penal instaurada para apurar a responsabilidade dos policiais militares acusados pelas mortes e lesões corporais ocorridas na tentativa de conter a rebelião no presídio.

“Na hipótese dos autos, o esclarecimento dos pontos apontados como omissos e contraditórios – especialmente no que tocam à possibilidade de condenação por outros elementos produzidos na instrução processual, ante o reconhecimento da inviabilidade de realização de perícia quando o delito deixa vestígios, bem como dos limites dessa condenação em função do concurso de pessoas – é fundamental para o deslinde da causa e para o prequestionamento da matéria”, afirmou o ministro, em decisão monocrática.

Com a decisão do STJ, o tribunal estadual fica obrigado a analisar os embargos de declaração.

“Na verdade, o que o STJ disse nesse julgamento foi que o TJSP violou o artigo 619, que o tribunal tinha que ter suprido as omissões e não supriu. Agora, do que o TJSP decidir o MP deve subir com outro recurso especial para daí dizer que o TJSP não poderia ter anulado o júri”, explica o professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP) Gustavo Badaró.

Na avaliação de Badaró, o MP quer, através de um recurso especial, invalidar a decisão que anulou a condenação. “O Tribunal do Júri condenou, a defesa apelou e o TJSP anulou a condenação e determinou novo júri. O MP está querendo reverter o julgamento desta apelação que anulou o júri que condenou e mandou os réus a novo júri”.

Para a professora titular da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) Janaína Penalva, o entendimento do STJ sinaliza que “quem comete excessos são os desembargadores do TJSP”.

“Seja porque se excederam ao julgar algo para o qual são incompetentes, seja pq excederam prazo de julgamento dos recursos, seja porque excederam em sua liberdade de manifestação em redes sociais, seja pelo excesso nas acusações sobre a relação entre a imprensa e o crime organizado. A palavra para o que os policiais fizeram no Carandiru não é excesso, é homicídio”, aponta Penalva.

A professora afirma que a decisão do TJSP que cassou a condenação pelo tribunal do júri reforça “o que já sabemos sobre a seletividade e perversidade do sistema prisional”. “É preciso lembrar que, por mais que o TJSP não acredite no valor da vida dessas 111 pessoas assassinadas, as prisões ainda são instituições do Estado de Direito e os presos, ainda que muitas vezes apenas formalmente, são cidadãos”.

O advogado especialista em direito penal Antônio Tovo, do Souto Correa Advogados, diz concordar com as alegações do Ministério Público. “O que se está tentando dizer é que houve concurso de agentes, e essa decisão não foi contrária à prova dos autos, como entendeu o TJSP. Me parece que o tribunal não apreciou esta matéria e embargos. Por isso, a necessidade desse novo julgamento.”

“A dúvida que fica é como o tribunal irá se pronunciar. Se eles foram audaciosos o suficiente para cassar a decisão do júri, não sei se o que o STJ determinou pode efetivamente modificar ou de alguma forma sensibilizá-los. Mas eles terão que enfrentar os argumentos apresentados pelo MP”, esclarece Tovo, que é doutor em Direito Penal.

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