A figura do árbitro de emergência: novidade do Regulamento da CAM-CCBC

Vitória Campos
JOTA
02/10/2018

Mudança direciona o país para as práticas mais atualizadas adotadas internacionalmente

O Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC) publicou, em 20 de julho de 2018, a resolução administrativa nº 32/2018, que prevê a possibilidade de atuação de árbitro de emergência na resolução de questões urgentes e de natureza cautelar que possam surgir antes da formação do Tribunal Arbitral. A mudança de uma das maiores câmaras de arbitragem do Brasil[1] direciona o país para as práticas mais atualizadas adotadas internacionalmente[2].

A figura do árbitro de emergência preenche uma lacuna deixada pela jurisdição privada até a formação do Tribunal Arbitral. Antes de qualquer previsão institucional que possibilitasse a indicação de um árbitro específico para a apreciação de questões preliminares ao procedimento principal, as partes eram obrigadas a recorrer à jurisdição estatal para resolver essas mesmas questões.

Para afastar a intervenção estatal do procedimento arbitral e manter o julgamento do caso dentro do mesmo tipo de foro, instituições arbitrais internacionais passaram a oferecer aos seus contratantes a opção do árbitro de emergência, uma alternativa de jurisdição cognitiva, sumária e privada destinada a sanar questões urgentes que o Tribunal Arbitral não poderia apreciar pois sequer estaria constituído.

No caso do árbitro de emergência previsto pela CAM-CCBC, sua constituição no cargo e a regulação da sua atividade em muito se assemelham às disposições adotadas pela prática internacional.  Uma vez apresentado o requerimento de medidas urgentes (artigo 3º da resolução nº 32/2018), o presidente da CAM-CCBC será o responsável por admitir (ou não) o prosseguimento do procedimento, observadas as condições estabelecidas no artigo 5º.

Nesse particular, a existência de um Tribunal Arbitral já constituído para o julgamento das controvérsias entre as partes impede a convocação de um árbitro de emergência (artigo 5º, item “a”). De fato, não haveria sentido em onerar as partes com a constituição de mais um agente de jurisdição privada para analisar matéria cautelar e urgente que já se encontra, por força de lei[3] e de regulamento[4], compreendida na competência do Tribunal Arbitral. Não há, nesse caso, a referida lacuna de jurisdição que deixaria as partes contratantes da arbitragem desamparadas de tutela jurisdicional.

A CAM-CCBC exige, ainda, que as partes prevejam expressamente, na redação da sua cláusula compromissória, a sua vontade de eleger árbitro de emergência na análise das questões urgentes do futuro procedimento arbitral. Trata-se da necessidade de manifestação de vontade específica para que esse mecanismo possa acionado pelas partes (opção “opt-in”), utilizada também pela CCI no seu primeiro Regulamento de Procedimento Cautelar Pré-arbitral, datado da última década.

Ocorre que, em razão de o “opt-in” representar verdadeiro engessamento das partes, que deveriam prever, já na data da redação do contrato, quais das opções disponíveis pela câmara iriam utilizar em conflito futuro hipotético, o sistema foi substituído pela CCI, em 2012, na atualização do regulamento, pelo sistema “opt-out”. Nesse caso, o silêncio é considerado anuência para a possibilidade de uso do árbitro de emergência, sendo necessária a expressa exclusão de seus serviços para que este seja proibido de atuar.

A escolha da CAM-CCBC, portanto, vai de encontro ao aprimoramento da opção pelo árbitro de emergência, impondo condições precedentes à necessidade de requerimento de qualquer medida de urgência que apenas limitam as escolhas das partes dentro do seu próprio Regulamento.

Por fim, temos outro detalhe na Resolução Administrativa que merece atenção. O tempo de escolha do árbitro de emergência e o prazo dado para que ele apresente decisão sobre as questões colocadas pelas partes compreendem quase 20 dias de tramitação. Sabemos que a demora na atribuição regular de jurisdição ao ente privado faz parte da arbitragem; o mesmo se aplica na instauração do procedimento de tutela de urgência arbitral.

De fato, ainda que a celeridade seja um aspecto fundamental do procedimento arbitral e uma das características que o diferencia da justiça estatal, a constituição do Tribunal Arbitral não pode ser considerada rápida. Isso porque depende de alguns fatores, como (i) a manifestação de vontade das partes, por meio do pedido de instauração da requerente e a intimação da requerida e (ii) a aceitação dos árbitros do seu encargo[5], superadas as fases de indicação e eventuais impugnações dos árbitros indicados, além da escolha, pelos dois primeiros árbitros, do presidente do Tribunal, e da aceitação deste da posição.

No caso do árbitro de emergência da CAM-CCBC, o cenário não é diferente. Em primeiro lugar, não há prazo definido para o presidente da Câmara analisar o requerimento de medida cautelar em juízo prévio. Uma vez concedido o processamento da medida, há a indicação do profissional responsável por atuar como árbitro de emergência, o qual tem dois dias para responder. Na hipótese de impugnação, haverá mais dois dias para que as razoes sejam apresentadas pelas partes. Constituído o árbitro e recebendo ele os autos do procedimento, lhe é concedido prazo de 15 dias para produção de decisão sobre as medidas apresentadas. Temos um intervalo de tempo próximo de vinte dias entre o pedido de tutela jurisdicional e a efetivação de tal tutela.

Enquanto isso, no juízo estatal, por não haver necessidade de processo de constituição e verificação de conflitos de interesse, recorre-se ao prazo legal de 10 dias para produção de decisões interlocutórias[6], sendo comum o juiz proferir entendimento antes deste período. Assim, é delicado afirmar que o árbitro de emergência consegue agir de acordo com a urgência de eventual pedido das partes, dados os formalismos que circundam a sua atuação.

De todo o exposto, sustentamos que a criação do árbitro de emergência e o seu emprego para a concessão de tutela de urgência mostram-se, por si só, sinais (i) do crescimento da arbitragem como método de resolução de conflitos utilizado no Brasil e no mundo e (ii) da intenção das partes de ampliar a jurisdição privada para momentos antes não alcançados pelo instituto. É questionável, entretanto, o quanto a sua presença é capaz de atender as necessidades das partes para a concessão desse tipo de medida, tendo em vista limitações regulamentares sobre a sua constituição e atividade.

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[1] Conforme dados do site oficial da Câmara: http://www.ccbc.org.br/Materia/1095/estat%C3%ADstica. Cumpre registrar que a Câmara de Mediação e Arbitragem do Paraná (CMA-PR) e a Câmara de Mediação e Arbitragem das Eurocâmaras (CAE), entre outras, já previam nos seus regulamentos a utilização do árbitro de urgência

[2] Podemos listar: AAA – American Association Arbitration; ICC – International Chamber of Commerce; ICDR – International Center of Dispute Resolutio; LCIA –l London Court of International Arbitration; Centro Internacional de Arbitragem de Singapura e HKIAC – Centro de Arbitragem Internacional de Hong Kong

[3] Lei 9.307/1996 – Art. 22-B.  Instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário.

Parágrafo único.  Estando já instituída a arbitragem, a medida cautelar ou de urgência será requerida diretamente aos árbitros.

[4] Regulamento de Arbitragem da CAM-CCBC – Artigo 8, item 8.1-  A menos que tenha sido convencionado de outra forma pelas partes, o Tribunal Arbitral poderá determinar medidas cautelares, coercitivas e antecipatórias, que poderão, a critério do Tribunal, ser subordinadas à apresentação de garantias pela parte solicitante.

[5] Lei 9.307/1996 – Artigo 19 (caput): “Considera-se instituída a arbitragem quando aceita a nomeação pelo árbitro, se for único, ou por todos, se forem vários.” Comenta Carmona que “A Lei de Arbitragem não exige formalidade alguma para marcar a aceitação […]. Competirá às partes (e, nas arbitragens institucionais, aos entes encarregados de administrar o desenvolvimento da arbitragem) zelar para que se tenha demonstração segura da aceitação pelos árbitros do encargo que se lhes atribui […]. ”  (CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à lei nº 9.307/96. 3ª edição. São Paulo: Atlas, 2009, p. 279).

[6] CPC – Artigo 266, inciso II: “O juiz proferirá: […] II – as decisões interlocutórias no prazo de 10 (dez) dias; III – as sentenças no prazo de 30 (trinta) dias.”

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