A recuperação extrajudicial e a reforma da LREF

Luis Felipe Spinelli
Revista Conceito Jurídico
16/08/2018

A recuperação extrajudicial é interessante instrumento trazido pela Lei nº 11.101/05 (LREF) para empresas viáveis que não conseguem superar cenário de crise por meio de soluções de mercado, embora não precisem se socorrer de mecanismo tão forte quanto a recuperação judicial.

Tal instituto traz vantagens quando comparada com a recuperação judicial, especialmente (I) flexibilidade, (II) quóruns simplificados, (III) celeridade, (IV) menor custo, (V) menor desgaste de imagem e (VI) menor risco. O devedor negocia diretamente com seus credores e, sendo livre para formatar as classes de credores, pode postular a homologação do plano e impô-lo aos credores não aderentes, desde que assinado por credores titulares de 3/5 dos créditos de cada classe.

Apesar disso, a recuperação extrajudicial possui algumas deficiências que inibem o seu maior desenvolvimento. Nesse sentido, em comparação com a recuperação judicial, tem (I) alcance mais restrito (não abarca os credores trabalhistas, os credores proprietários – alienação fiduciária, v.g. –, os decorrentes de adiantamento de contrato de câmbio e o Fisco), (II) não há, a princípio, o stay period (continuando todas as ações contra o devedor bem como sem suspensão do curso da prescrição) bem como (III) inexistem estímulos aos fornecedores (não há qualquer benefício em caso de decretação da falência).

Ademais, no que tange à alienação de ativos, não se tem como aliená-los sem o risco de sucessão do passivo, sem contar que há possibilidade de ineficácia ou revogação de atos previstos no plano em caso de decretação de falência do devedor. Finalmente, não se pode desconsiderar a possibilidade de cometimento de crimes falimentares (a sentença que homologa a recuperação extrajudicial é condição objetiva de punibilidade).

Referidas limitações, todavia, não tem impedido o uso de tal instrumento por conta, especialmente, da criatividade dos assessores (embora, por exemplo, as alternativas dos meios de recuperação ainda sejam restritas, em função do regime vigente) e da relevante contribuição dos tribunais (como ao suspender, em diversos casos, o curso das execuções quando da distribuição do pedido de recuperação extrajudicial).

De qualquer sorte, por conta de tais dificuldades – e outras adaptações necessárias da LREF à realidade do País –, o Grupo de Trabalho criado para propor modificações à referida lei trouxe relevantes sugestões de aperfeiçoamento, como (I) conferir o mesmo tratamento dado aos credores na recuperação judicial, inclusive trabalhistas e Fisco, (II) suspensão do curso da prescrição e das ações com a distribuição do pedido de recuperação extrajudicial, (III) possibilidade de nomeação de mediador para auxiliar nas negociações (a pedido do devedor ou de credores que representem 2/5 dos créditos sujeitos), (IV) possibilidade de ajuizamento de pedido prévio de suspensão das ações, desde que com a adesão de 2/5 dos créditos sujeitos, com o objetivo de negociar o plano de recuperação extrajudicial, (V) viabilidade todos os créditos de cada classe ou de 3/5 do total de créditos por ele abrangidos, sob a condição de, no prazo de 90 dias do ajuizamento do pedido, obter as assinaturas faltantes, (VI) previsão de publicação de editais eletrônicos e não mais em jornal e no Diário Oficial, bem como de correspondência por meio eletrônico e não mais necessariamente por carta, e (VII) proteção aos atos realizados de acordo com o plano em caso de falência do devedor. Além disso, o Grupo de Trabalho tornou a redação mais precisa, deixando clara a possibilidade de o plano classificar os credores desde que respeitados critérios de homogeneidade de interesses.

Entretanto, a tão esperada reforma da LREF, cujo projeto foi encaminhado recentemente pelo Planalto ao Congresso Nacional (PL 10220/2018), não foi tão feliz no tratamento dado à matéria. Isso porque incorpora algumas sugestões do Grupo de Trabalho mas (I) exclui expressamente a sua aplicação aos créditos fiscais e FGTS e (II) não protege os atos realizados de acordo com o plano, em caso de falência, além de (III) não permitir o requerimento de homologação com adesão parcial de credores e (IV) exigir a apresentação de certidões negativas de débitos fiscais para a alienação judicial de bens e direitos.

Parece que o Governo, um dos maiores interessados na reforma da LREF, crê, diferentemente do que Shakespeare já dizia, que palavras pagam dívidas. O PL traz como um dos grandes beneficiários o próprio Fisco – inclusive ao autorizar que as próprias Fazendas Públicas requeiram a quebra do devedor, entre outros benefícios –, apesar de repetir práticas que, até o momento, não vêm funcionando: em detrimento de todo o sistema, tutela o crédito fiscal sem que, na prática, consiga recuperar de modo minimante satisfatório tais quantias.

Roga-se que o Congresso promova as alterações necessárias ao PL e não ratifique o célebre dito do Barão de Itararé, de que “de onde menos se espera é que não sai nada mesmo”.

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