A Lei nº 14.297/22 e as novas relações de trabalho

[:pt]17/01/2022 – ESTADÃO

 

Recentemente, foi sancionada a Lei nº 14.297/22, visando a proteção dos entregadores que prestam serviços intermediados por empresas de aplicativo de entrega. Trouxe obrigações a serem observadas pelas empresas intermediadoras e pelas fornecedoras dos produtos transportados durante o período de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin), em decorrência da infecção humana pelo coronavírus Sars-CoV-2.

 

De acordo com a Lei, as empresas de aplicativo de entrega ficam obrigadas a contratar um seguro contra acidentes, em benefício dos entregadores. O seguro deve cobrir acidentes pessoais, invalidez temporária ou permanente e morte, quando ocorridos entre a retirada e a entrega de produtos e serviços.

 

Essas empresas também deverão oferecer assistência financeira – calculada de acordo com a média dos três últimos pagamentos mensais recebidos – ao entregador diagnosticado com Covid-19 durante o período de 15 dias, prorrogável por mais dois períodos de 15 dias, mediante a apresentação de laudo médico que ateste condição que justifique a impossibilidade de trabalho. Ainda, elas deverão disponibilizar máscaras, álcool em gel ou outro material higienizante para a proteção dos entregadores, bem como fornecer informações sobre cuidados e riscos relacionados à Covid-19.

 

As empresas fornecedoras do produto ou serviço, como os restaurantes, por sua vez, deverão permitir o uso de banheiros e instalações sanitárias dos seus estabelecimentos, além de garantir o acesso à água potável. O descumprimento das obrigações previstas na Lei poderá resultar em advertência e aplicação de multa
administrativa no valor de R$ 5.000,00 por infração, em caso de reincidência.

 

Sabidamente, a pandemia afetou fortemente o convívio social e, consequentemente, provocou dificuldades e desafios para empresas de todos os segmentos econômicos. Muitas tiveram que se reinventar. Porém, em direção contrária, a mudança de hábitos da população beneficiou as empresas de aplicativos de compras e entrega de produtos, em razão do expressivo aumento da demanda. Assim, muitas pessoas migraram para essas atividades, como uma forma complementar ou mesmo principal de renda.

 

Nota-se, portanto, que a intenção da Lei não foi regulamentar a forma de contratação dos trabalhadores que prestam serviços através de aplicativos de entrega, mas sim oferecer certo amparo a estes profissionais que, por conta da natureza de suas atividades, permanecem mais expostos ao risco de contágio. De todo modo, percebe-se, ainda que indiretamente, que a norma reconhece a existência de uma relação autônoma de prestação de serviços.

 

Independentemente da sua motivação, a Lei chega em um momento no qual a existência de vínculo de emprego entre entregadores e plataformas que intermedeiam a prestação de seus serviços está em debate. Mais recentemente vieram sendo divulgadas decisões em que empresas foram condenadas ao reconhecimento do
vínculo de emprego. No entanto, a ampla maioria dos julgados não vêm presentes os requisitos da relação de vínculo de emprego. No entanto, a ampla maioria dos julgados não vêm presentes os requisitos da relação de emprego, absolvendo as empresas nas reclamatórias trabalhistas.

 

De um lado, pondera-se que os avanços tecnológicos estão transformando a dinâmica das relações de trabalho que acabam, em tese, por acarretar problemas que poderiam ser mitigados pela adoção de medidas protetivas. De outro lado, sabe-se que os avanços tecnológicos se desenvolvem de forma exponencial e cada vez mais surgirão novas alternativas de trabalho.

 

Para que tenhamos segurança jurídica, é necessário que se compreenda com profundidade a natureza das atividades e o interesse da maioria das pessoas. Pesquisas do Ibope[1] e do Instituto Locomotiva[2] apontam que os próprios entregadores, em sua maioria, não pretendem ter carteira assinada, pois preferem um modelo de
trabalho flexível e de maior autonomia. Ora, se o entregador tem plena liberdade de escolha sobre quando e quais entregas deseja fazer, não há como admitir a existência de subordinação e habitualidade nessa relação.

 

De qualquer sorte, na ausência de lei expressa sobre o assunto, a discussão centrada na natureza da relação existente entre essas empresas de tecnologia e os profissionais que utilizam as suas plataformas ainda passará por muitos debates nas principais Cortes do país.[:]

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