Empregos ou direitos: chegou a hora da escolha?

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Flavio Sirangelo e João Antônio Marimon

Estadão

21/11/2019

 

A MP nº 905/2019, publicada no último dia 12, instituiu o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, nova modalidade de contratação que fez muitos rememorarem a frase de campanha do presidente Jair Bolsonaro de que, em seu governo, seria necessária uma escolha entre mais empregos e menos direitos ou mais direitos e menos empregos. A proposta, focada no objetivo de criar oportunidades de primeiro emprego para os jovens entre 18 e 29 anos – a parcela da população mais brutalmente afetada pelo desemprego – possui seus pontos positivos e negativos, e a pergunta que se impõe neste momento é: a nova modalidade de contratos de emprego efetivamente implica em renúncia a direitos?

O tema é delicado e envolve, num primeiro momento, um entendimento sobre o que é efetivamente o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, a partir da leitura dos seus diversos requisitos e limitações.

De início, destaca-se que a proposta não permite, como era de se esperar, a substituição de contratos de trabalho vigentes atualmente pela nova modalidade dos contratos verde e amarelo. Esse tipo de contratação é reservado exclusivamente para novos postos de trabalho. Além disso, tal contratação é válida apenas para situações comprovadas de primeiro emprego dos jovens entre 18 e 29 anos a que a medida se destina. Ela é limitada ao prazo de 24 meses de contrato, podendo ser praticada em período definido de tempo, a partir de 1º de janeiro de 2020 e até 31 de dezembro de 2022.

Vale dizer: a desoneração trazida como incentivo aos empregadores que lançarem mão da nova modalidade de contratação não será permanente. Ela se justifica pela finalidade de ampliar o número de ocupações de jovens trabalhadores, mas, ao contrário do que aconteceu no passado recente, é contida ao não permitir a eternização dos incentivos que criou, atendendo a critérios adequados de responsabilidade fiscal.

Por outro lado, é fato que, apesar de garantir todos os direitos constitucionais aos empregados, a MP propõe um marco regulador diferenciado em relação às normas comuns da CLT e a eventuais normas coletivas que lhe forem contrárias. Ainda, dispõe alíquota de FGTS de apenas um quarto da normal, possibilita o pagamento de adicional de periculosidade de apenas 5% do salário-base e a redução da multa rescisória de FGTS pela metade, desde que o pagamento seja antecipado e acordado entre as partes, em uma negociação que sabidamente não acontece de forma paritária, em regra. Mas é certo também, como afirma o governo, que a medida tende a favorecer a população mais vulnerável, com baixa formalização e alta rotatividade.

Com base nisto, no lugar de repetir a mera simplificação de que são reduzidos direitos para se criar empregos, parece mais sensato considerar que a medida traz uma regulação possível para atingir o resultado buscado, seguindo a máxima de que, por vezes, é válido e necessário imprimir tratamento desigual quando se trata de criar disciplina jurídica para pessoas que se encontram em situações desiguais.  Basta verificar, por exemplo, que a modalidade de contratação, no caso, traz impacto apenas e tão somente para vagas de trabalho que hoje não existem e para pessoas que nunca fizeram parte do mercado de trabalho, não havendo, portanto, qualquer renúncia a direitos por parte deles.

Igualmente, analisando de forma mais ampla, quando se verifica que o mercado já possibilita, por exemplo, a estudantes, o ingresso em ocupações por contratos de estágio e lhes garante oportunidades iniciais com prazo determinado, baixa remuneração e sem qualquer direito trabalhista garantido, tem-se que a nova proposição do Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, assegurando direitos proporcionalmente adequados às suas finalidades, acaba por viabilizar oportunidades à parcela da população jovem menos favorecida. Ou seja: se é justo e juridicamente aceitável manter oportunidades para jovens com maior grau de instrução, por via dos estágios e de olho em efetivações futuras, é evidentemente válido que se pense em possibilidades semelhantes para a população jovem com menor escolaridade, permitindo-lhe buscar suas primeiras oportunidades no mercado de trabalho, mesmo que o seja com remuneração limitada e com direitos trabalhistas diferenciados, visando a propiciar futuras efetivações.

É isto que o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo faz, não se tratando de escolha entre direitos ou emprego, e sim de possibilidade de jovens com menor grau de instrução receberem suas primeiras oportunidades para que conquistem futuros empregos efetivos, sem qualquer direito a menos.

*Flavio Sirangelo e João Antônio Marimon, sócios do escritório Souto Correa Advogados

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