Imposto de Transmissão de Bens Imóveis e o limite do capital social

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André Luiz Gomes e Valter Tremarin Junior

13/10/20 – Jornal do Comércio

 

No final de agosto passado, o Município de Porto Alegre publicou a Instrução Normativa SRM nº 3 de 25 de agosto de 2020 (IN), para tratar da cobrança do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) sobre o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado. A razão foi o julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 796.376/SC (tema 796), que fixou a tese “[a] imunidade em relação ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.
Em apenas três artigos, a referida Instrução Normativa apresenta pelo menos três pontos para discussão: a forma de aplicação, na prática, das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em sede de repercussão geral (art. 1º); a revisão de lançamento tributário (art. 2º); e a retroatividade de normas tributárias (art. 3º). Aqui trataremos apenas da discussão do art. 1º.
O art. 1º da IN simplesmente replica, ipsis litteris, o texto da tese fixada, sem esclarecer o que a tese efetivamente significa e a quais situações ela deve ser aplicada. Lembremo-nos que estamos tratando de uma instrução normativa, ato infralegal com finalidade precípua de disciplinar ou esclarecer – sem inovação no ordenamento jurídico – a aplicação de normas de hierarquia superior, de modo que seria natural que a IN esclarecesse a que situações a tese deveria ser aplicada. Porém, não o fez.
O caso analisado pelo Supremo Tribunal Federal tratava da integralização de capital social de R$ 24.000,00 com a transferência de um imóvel cujo valor atribuído pelos sócios à operação foi de R$ 802,724,00, sendo que o valor excedente aquele utilizado para tal integralização seria contabilizado como reserva de capital. Para essa situação, o contribuinte buscava o reconhecimento da imunidade do ITBI sobre o valor do imóvel atribuído à operação (R$ 802,724,00), e não somente sobre aquela parcela de integralização do capital social (R$ 24.000,00).
O que o Supremo Tribunal Federal concluiu, porém, com base no voto do ministro Alexandre de Moraes, é que não haveria imunidade em valor além daquele que está sendo integralizado. Apenas os R$ 24.000,00 seriam imunes do ITBI. Sobre o restante do valor atribuído e entregue a pessoa jurídica receptora do imóvel (diferença entre R$ 802,724,00 e R$ 24.000,00), haveria incidência do ITBI.
Ou seja, a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 796.376/SC não dá suporte para que os municípios atribuam, para fins fiscais locais, valor distinto daquele utilizado, de acordo com a legislação comercial, ao imóvel que está sendo transferido a pessoa jurídica a título de integralização de capital social.
Se o valor de um determinado imóvel “A” registrado na declaração do Imposto de Renda de seu proprietário for de R$ 100 mil e esse imóvel for transferido a pessoa jurídica para integralização de capital social também de R$ 100 mil, haverá imunidade do ITBI sobre a integralidade do seu valor.
Não poderá o município, alegando estar seguindo a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 796.376/SC, atribuir a esse imóvel “A” um valor, por exemplo, de R$ 120 mil e cobrar ITBI sobre os R$ 20 mil que excederiam o valor do capital integralizado no exemplo dado. Veja-se que esses R$ 20 mil não são qualquer excesso, pois eles simplesmente não existem, na forma da legislação comercial, na valoração da operação, ao contrário do caso analisado pelo STF.
Para haver similaridade com o caso analisado pelo STF, o valor de R$ 120 mil deveria ter sido atribuído pelo contribuinte à operação, mas apenas R$ 100 mil seriam destinados à integralização de capital social, de modo que, nesta situação, incidiria ITBI sobre a diferença de R$ 20 mil (= R$ 120 mil atribuído pelo contribuinte à operação menos os R$ 100 mil destinados à integralização do capital social).
Parece-nos que essas linhas gerais sobre a aplicação da tese fixada pelo STF no Recurso Extraordinário nº 796.376/SC deveriam ser dadas na Instrução Normativa SRM nº 3 de 25 de agosto de 2020, a fim de evitar uma aplicação distorcida da decisão. Como se vê, a Instrução Normativa SRM nº 3 de 25/08/2020 acabou dizendo muito pouco sobre o julgamento do Recurso Extraordinário nº 796.376/SC que declaradamente motivou sua edição. Acompanhemos com atenção a sua aplicação.

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