Nova reforma trabalhista à vista?

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Julia Tavares Braga
Valor Econômico
16/08/2019

A aprovação do novo texto da Medida Provisória 881/2019 pela Câmara dos Deputados, na última quarta-feira, reacendeu os debates do mês passado quando da votação do texto pela comissão mista do Senado. Organizações de magistrados do trabalho, advogados, sindicalistas e setores da sociedade civil vêm se mobilizando contra o que passaram a chamar de uma “nova reforma trabalhista”.

Do ponto de vista trabalhista, o texto original da MP 881 não trazia alteração significativa, prevendo apenas (i.) a liberdade para desenvolver atividade econômica em qualquer horário ou dia da semana, observada a legislação trabalhista; e (ii.) a redução de exigências administrativas para empresas que exercessem atividades de baixo risco. Além disso, a MP 881/2019 regulava alguns parâmetros acerca da desconsideração da personalidade jurídica, para garantir maior previsibilidade.

Ocorre que, diante das mais de 300 emendas apresentadas ao texto original da MPV 881/2019, os parlamentares optaram pela criação de um projeto de lei de conversão, com a inclusão de inúmeras alterações em matérias trabalhistas. Foi possível observar diversas mudanças na CLT, como a alteração na redação de 33 dispositivos, a criação de três novos artigos e 20 revogações.

Deve-se viabilizar um maior diálogo com os segmentos interessados, de modo a legitimar as alterações propostas

A exemplo da Reforma Trabalhista, o governo buscava aprovar as mudanças de forma precipitada e sem o necessário debate com a sociedade, o que inevitavelmente gera reações extremadas, obrigando o governo a recuar.

O novo texto aprovado pela Câmara é mais razoável, na medida em que afastou pontos mais controversos, como a extinção da Cipa (art. 163) para micro e pequenas empresas, a criação de nova categoria de empregado regido prioritariamente pelo Código Civil, e a criação do “Carf Trabalhista”.

As alterações mantidas pela Câmara, referem-se em sua maioria à criação da Carteira de Trabalho e Previdência Social eletrônica, que moderniza e facilita registros, além de outras mudanças que visam simplificar procedimentos, como a autorização de trabalho aos domingos e feriados sem a necessidade de permissão prévia do Poder Público. Essa autorização não é uma carta branca ao empresariado, sendo restrita a determinados segmentos, como já é praticado desde 1949 (Lei 605/1949). O que se objetiva agora é o estabelecimento de critérios objetivos e automáticos para obtenção permanente da referida autorização.

Além disso, o novo texto dispõe que o repouso semanal remunerado deverá coincidir com o domingo pelo menos uma vez no período máximo de quatro semanas para homens e mulheres, acabando com a diferenciação entre gêneros até então existente. Não nos parece haver maiores prejuízos para o trabalhador na questão afeta à duração da jornada. Em verdade, o legislador simplificou e consolidou a matéria em poucos dispositivos.

A criação de um conselho julgador em substituição às decisões monocráticas atualmente praticadas pelos auditores fiscais trabalhistas, o chamado Carf Trabalhista, era medida razoável, considerando a ocorrência de eventuais arbitrariedades cometidas em determinadas fases administrativas.

O “Carf Trabalhista” e algumas outras propostas, excluídas do texto aprovado pela Câmara, representavam mudanças profundas na estrutura dos órgãos de fiscalização trabalhistas, mas era razoáveis e bem-vindas, para reduzir arbitrariedades e garantir maior diálogo entre os órgãos fiscalizadores e as empresas. Entre as medidas excluídas estão a previsão de que a interdição e embargo em condição de grave risco aos trabalhadores seja praticada pelo superintendente regional em cada Estado, a possibilidade de atribuição de efeito suspensivo em recursos de autuações administrativas e a ampliação do rol de critérios para a dupla visita nas inspeções trabalhistas.

Apesar de ser possível que parte dessas proposições sejam reincluídas pelo Senado na próxima semana, não nos parece ser este o cenário mais provável, já que o governo objetiva a promulgação da Lei de Conversão o mais rapidamente possível.

Independente do desfecho final pelo Congresso, é importante que se afaste a ideia de que temos uma nova reforma trabalhista. Apesar do grande número de propostas de alteração, em grande parte há apenas a positivação de medidas já adotadas na prática, como a anotação do ponto por exceção à jornada regular de trabalho e a concessão de folga compensatória em outro dia da mesma semana, sem o pagamento em dobro.

Sabe-se da importância da atualização das regras trabalhistas, de modo a acompanhar as mudanças sociais. A intenção de desburocratizar e modernizar os procedimentos, garantindo uma intervenção menor nas relações entre particulares é salutar. Por outro lado, deve-se viabilizar um maior diálogo com os segmentos interessados, de modo a legitimar as alterações propostas, afastando-se do sentimento de arbitrariedade gerado pela reforma trabalhista.

Julia de Castro Tavares Braga é mestranda em Direito do Trabalho pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ; Pós-Graduada em Direito Empresarial pela PUC-Rio; Presidente da Comissão de Arbitragem Trabalhista do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA) e Sócia de Souto Correa Advogados.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

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