O princípio da igualdade e o cálculo da multa do Procon

[:pt]Recentemente, a Fundação Procon-SP realizou alterações na portaria que estabelece a forma de cálculo do valor das multas administrativas, chamando atenção à utilização de diferentes instrumentos para aferir a condição econômica do fornecedor e quantificar a multa.

O Código de Defesa do Consumidor prevê os critérios para a quantificação da multa por infração, pelo fornecedor, às normas de defesa do consumidor. Segundo o seu artigo 57, a multa deve ser graduada de acordo com a gravidade da infração, a vantagem auferida e a condição econômica do fornecedor.

É comum que os órgãos de defesa do consumidor prevejam uma fórmula matemática para atribuição do valor da multa administrativa. Embora a fórmula garanta certa objetividade, ela pode se mostrar inadequada em uma série de casos, inclusive com desconsideração dos critérios legais (ilegalidade), como já tivemos oportunidade de demonstrar[1].

Um dos pontos que recentemente tem despertado atenção é da alta variação do valor das multas para infrações bastante semelhantes. A diferenciação do tratamento de fornecedores em uma situação aparentemente igual sugere uma avaliação sob o prisma do Princípio da Igualdade.

Imaginemos os seguintes casos de fornecedores que, notificados para prestarem informações ao Procon, deixam de responder à notificação, ensejando a possível infração ao artigo 55, § 4º, do CDC:

Caso 1. O fornecedor é um grande varejista, com estabelecimento filial de loja localizado no Município de São Paulo, onde recebeu a notificação. Em razão da infração, foi-lhe imputada multa no valor de R$ 1x.

Caso 2. O fornecedor é um grande fabricante, com um único estabelecimento, onde recebeu a notificação. Em razão da infração, foi-lhe imputada multa no valor de R$ 100x.

O que justifica a atribuição de valores diferentes nesses casos?

No caso 1, o valor da multa é menor, porque a condição econômica do fornecedor, um grande varejista, é tomada levando em conta a “receita bruta” do estabelecimento filial supostamente infrator. Já no caso 2, o valor da multa é muito maior, porque a condição econômica do fornecedor é tomada levando em conta a “receita bruta” de toda a operação do fabricante.

 

Nos dois casos, contudo, há uma infração idêntica que é praticada por um grande fornecedor. O que diferencia os dois casos é o fato de que o Procon não utiliza um mesmo elemento indicador da condição econômica do fornecedor para diferenciar o valor da multa.

 

O Procon utiliza diferentes elementos indicadores (“receita bruta” do estabelecimento filial vs. “receita bruta” total) para aferir (e quantificar) um mesmo critério legal: a condição econômica do fornecedor. Ao assim fazer, o Procon viola o Princípio da Igualdade.

Para que esse princípio seja respeitado, a diferenciação entre duas situações, dois fornecedores, deve ser feita levando em conta um critério diferenciador, que seja pertinente a uma finalidade legítima. E a diferenciação segundo esse critério diferenciador deverá ocorrer a partir de um indicador que se mostre congruente.

No caso da diferenciação das multas administrativas, a alternância dos elementos indicadores para aferir o critério diferenciador (a condição econômica) viola o Princípio da Igualdade, pois ela acaba por discriminar a própria metodologia para aferir e quantificar o critério diferenciador. Com isso, a aplicação dos critérios do CDC não é igualitária para os dois casos.

Ao fim e ao cabo, a diferença no tratamento dos fornecedores não se dá em razão da condição econômica – “critério diferenciador” estabelecido no CDC, que deveria ser medido por meio de um “elemento indicador” adequado para os diversos casos. O Procon acaba por diferenciar os casos em razão da forma com que os fornecedores se organizam societariamente – forma de organização essa, que não corresponde ao “critério diferenciador” eleito pelo CDC.

Conclui-se, assim, que não é em razão do estabelecimento de uma fórmula matemática que a atribuição do valor da multa administrativa passa a ser legítima ou objetiva. A matemática é uma ciência exata, nem por isso sempre será exata e objetiva a sua aplicação ao direito.

 

[1] https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/ilegalidade-matematica-das-multas-do-procon-29012018[:]

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