Multas pesadas nos Procons

Multas pesadas nos Procons

No ano de 2019, foram publicados dois novos conjuntos de normas dos Procons Estaduais acerca do exercício do poder de polícia e de aplicação das sanções administrativas pelos respectivos órgãos. Trata-se da Resolução do Ministério Público de Minas Gerais relativa ao Procon daquele Estado (PGJ nº 14/2019) e da Portaria do Procon de São Paulo nº 55/2019.

Dentre as principais mudanças dessas Resoluções/Portarias, encontra-se relevante alteração quanto à utilização da receita das empresas fiscalizadas no cálculo das multas arbitradas nos processos administrativos.

Explica-se: nos cálculos das multas dos processos administrativos, a dosimetria da pena da multa é calculada levando-se em consideração alguns fatores, dentre os quais a utilização da receita da empresa como base de cálculo. Em síntese: a receita da empresa pode impactar no valor da multa arbitrada: quanto maior a receita, maior o valor da multa arbitrado.

A Portaria do Procon de São Paulo nº 55/2019 manteve a disposição de que a condição do autuado será estimada pelo órgão “com base na média mensal da receita bruta”, porém deixou de replicar um parágrafo (existente na Portaria anterior), que destacava que a “receita considerada será referente a do estabelecimento onde ocorrer a infração” (art. 32, §3º da Portaria do Procon de São Paulo nº 45/2015). De outro lado, no entanto, provavelmente em função do incremento da penalidade que isso acarreta, a nova Portaria alterou outro fator do cálculo da multa, reduzindo o multiplicador utilizado (de 0,01 para 0,005).

Assim, a fórmula de cálculo que, na Portaria anterior do Procon de São Paulo, multiplicava a Receita por 0,01, como um dos elementos da equação para se chegar à pena base, agora multiplica a Receita por 0,005 (ou seja, a metade), para se chegar ao valor final. Em tese, essa alteração no cálculo diminuiria o valor da multa pela metade. No entanto, essa redução do multiplicador tem efeito muito pequeno de redução, comparado ao incremento que a apuração da receita total da empresa (e não apenas do estabelecimento onde ocorreu a infração) acarreta para o valor final. Pense-se em redes com inúmeras lojas, por exemplo. Como se sabe, nesse caso, o incremento derivado da utilização da receita global é infinitamente maior do que a redução pela metade do fator multiplicador.

Nesse mesmo sentido, a Resolução do Procon de Minas Gerais nº 14/2019, passou a dispor, em seu artigo 24, §4º, que, em se tratando de sociedade anônima, será considerado o “faturamento global” publicado no DRE. A exemplo do que ocorreu em São Paulo, também em Minas Gerais deixou-se de reproduzir norma (constante da Resolução revogada), que determinada a apuração com base na receita líquida do estabelecimento onde ocorreu a infração, apenas para as sociedades anônimas, mantendo regra similar à anterior para as demais sociedades.

Há, contudo, uma ressalva nesta Resolução quanto à utilização do faturamento global. O artigo 26 dispõe que caso se verifique que (i.) a prática infrativa tem repercussão adstrita à determinada localidade e/ou unidade da empresa; (ii.) a natureza da infração se enquadrar nos grupos I e II da Resolução; e desde que (iii.) a comprovação do faturamento seja efetuada de forma legal pela sociedade empresária; “poderá a autoridade administrativa, fundamentadamente, valendo-se dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, adotar o faturamento bruto obtido pelo fornecedor no local em que verificada a infração”.

Desconsiderando essas ressalvas, tem-se que essa alteração de entendimento – passando-se a utilizar os faturamentos globais das empresas – parece ser uma tendência, a qual gerará um aumento nos valores das multas aplicadas pelos referidos órgãos, multas estas, que antes das alterações, já eram arbitradas em valores bem consideráveis. O peso da mão do Procon passa a ser maior, inclusive mediante criação de critério de distinção entre as sociedades anônimas e as demais. Assim, a mudança que, pelas Portarias/Resoluções parece sutil, gera um impacto enorme às companhias, que precisam estar ainda mais atentas às solicitações, autuações dos Procons Estaduais – principalmente, Procon de Minas Gerais e Procon de São Paulo -.

É verdade que a Portaria do Procon de São Paulo se aplica somente aos autos de infração lavrados a partir da data de sua publicação – 13/11/2019 –, e portanto, não se aplica aos processos administrativos que já estavam tramitando. No entanto, a Resolução de Minas Gerais já vem sendo aplicada aos processos administrativos em trâmite, desde a data de sua publicação (19/08/2019), pelo entendimento de que a sua vigência, ao não excetuar os autos de infração lavrados anteriormente, afetaria inclusive os processos em curso.

Por essa razão, há de se fazer uma importante ressalva: deve-se ter cuidado na interposição de Recursos Administrativos em face de decisões que aplicaram multa em consonância com a Resolução do Procon de Minas Gerais anteriormente vigente (Resolução nº 11, de 2011), porque há risco (já verificado em alguns casos) de que decisões proferidas em grau recursal venham a aumentar significativamente os valores das multas. Isso ocorre inclusive em julgamentos de recursos interpostos apenas pelas empresas autuadas, simplesmente por conta da alteração no cálculo da multa, no qual substituiu-se a receita da filial autuada pela receita global da empresa. Sabe-se de casos nos quais as multas foram aumentadas, por conta da utilização da receita global em substituição ao da receita da filial autuada, em um percentual de 264 vezes o valor da multa inicial. É uma alteração significativamente expressiva.

Ademais, o Procon de Minas Gerais tem afastado a tese de que esse aumento do valor da multa em julgamento de recurso administrativo interposto apenas pela autuada gera a reformatio in pejus, embora seja princípio vigente em nossa ordem jurídica para processos administrativos e judiciais, de todas as ordens.
É tempo, portanto, de observar o desenvolvimento e aplicação dos novos marcos legais, para verificar se as multas aplicadas – em patamares cada vez maiores – serão mantidas pelo Judiciário, ou se serão reduzidas, em observância aos postulados da razoabilidade, da proporcionalidade e, inclusive, da regra que veda a reforma para pior.

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