Dúvidas sobre a recém-criada sociedade limitada unipessoal

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EIRELI e limitada unipessoal buscam atingir o mesmo objetivo e a existência de ambas criará diversas dúvidas

Crédito: Pexels

Clarissa Yokomizo

JOTA

29/07/2019

Em abril foi adotada a Medida Provisória 881 (MP da Liberdade Econômica), cujo objetivo é facilitar o exercício da atividade econômica. Uma das relevantes alterações trazidas pela MP foi a inclusão de um parágrafo ao Código Civil, permitindo expressamente a constituição de sociedade limitada por uma ou mais pessoas, uma grande inovação já que, até então, a sociedade limitada deveria necessariamente ter ao menos dois sócios.

Mas qual será o impacto desta nova regra?

O requisito de pluralidade de sócios fazia com que a sociedade limitada somente pudesse permanecer com um único sócio pelo prazo máximo de 180 dias, após o qual deveria ser dissolvida, ou o sócio remanescente responderia de forma solidária e ilimitada por quaisquer passivos da sociedade, caso não a transformasse. Isso fazia com que, na prática, diversas sociedades tivessem um sócio meramente figurativo, com participação societária ínfima e que não participava de fato da sociedade (mas que, juridicamente, poderia ser responsabilizado por ela).

Justamente para evitar esse tipo de situação é que, em 2011, foi promulgada a Lei 12.441, que criou a EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. A EIRELI, ainda que se possa discutir sobre sua natureza jurídica, na prática não era nada mais do que “a limitada de um sócio só”, e o próprio Código Civil determina a aplicação, no que couber, das regras previstas para as sociedades limitadas. Talvez as duas únicas particularidades sobre a EIRELI sejam a previsão de capital social mínimo de 100 salários mínimos, que deve ser integralizado à vista, e que uma pessoa física somente poderá ser sócia de uma única EIRELI; no caso das limitadas, não há capital mínimo, obrigatoriedade de realização à vista nem restrição à quantidade de sociedades de que seu sócio venha a fazer parte.

Ainda, por algum tempo houve grande discussão sobre a possibilidade de uma pessoa jurídica ser sócia de EIRELI, uma vez que o Manual de Atos de Registro de EIRELI, aprovado por instrução normativa do então DNRC (atual DREI) impedia expressamente a constituição de EIRELI por pessoa jurídica, apesar de não haver impedimento legal para tanto; tal discussão foi pacificada e o atual Manual não traz qualquer óbice à titularidade de EIRELIs por pessoa jurídica.

Após a adoção da MP da Liberdade Econômica, e antes mesmo de sua conversão em lei, o DREI publicou, em 11/06/2019, a instrução normativa 63, alterando o Manual de Atos de Registro de EIRELI para prever especificidades do registro da sociedade limitada unipessoal. Isso significa que as Juntas Comerciais já têm instruções detalhadas sobre como proceder ao arquivamento de atos relativos a estas sociedades (o que parece estranho, uma vez que o texto final da MP convertida em lei pode ainda ser alterado).

Tanto a EIRELI quanto a sociedade limitada unipessoal objetivam, na prática, incentivar o empreendedorismo – particularmente dos pequenos empreendedores – com a possibilidade de limitação da responsabilidade (o que também pressupõe não só o seu bônus, mas também o ônus da adequada capitalização).

 

Contudo, infelizmente, o legislador não parece ter acertado na forma. A EIRELI, desde sua criação, trouxe dúvidas e incertezas sobre sua aplicação, requisitos e natureza jurídica. Muito mais fácil teria sido, em 2011, ter-se admitido a sociedade limitada unipessoal. Mas somente agora, oito anos depois, esta figura foi inserida no Código Civil, e por meio de uma MP!

Qual a lógica em manter-se os dois institutos?

Ainda que se possa buscar razões jurídicas, na prática a EIRELI e a limitada unipessoal buscam atingir o mesmo objetivo e a existência de ambas criará diversas dúvidas.

Se a constituição da sociedade/EIRELI nos dois casos for apenas para efeitos de limitação da responsabilidade do empreendedor, estaria o credor da limitada menos protegido se a EIRELI prevê capital social mínimo e a sociedade limitada unipessoal não? Haveria motivos para se manter uma EIRELI ou teria o empresário incentivos para transformar sua EIRELI em sociedade limitada unipessoal? Ainda, qual seria o incentivo para a criação de novas EIRELIs se se poderia constituir uma limitada unipessoal, sem limite de uma EIRELI por pessoa física?

Tais dúvidas certamente se multiplicarão.

Portanto, será necessário verificar, na prática, qual será a aceitação e utilização deste novo tipo de sociedade e o impacto que ela terá na manutenção e constituição de EIRELIs.

 

Por enquanto, deve-se acompanhar a tramitação da MP na Câmara dos Deputados e no Senado para ver se haverá alguma alteração relevante na versão final da lei – ou mesmo se ela será aprovada. Até a conversão da MP em lei, não parece que empresários adotarão o novo instituto, apesar de as juntas comerciais já estarem aptas a registrá-lo.

Finalmente, espera-se que o Poder Legislativo possa corrigir estas distorções que afetam o sistema societário e a vida dos empreendedores.

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