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O plano de cargos e salários impulsiona o desempenho das empresas. Com a adoção de uma política de valorização dos colaboradores, as companhias conseguem reduzir a rotatividade, melhorar o ambiente de trabalho e aumentar o faturamento

Fernando Soares

GRUPO RANDON/DIVULGAÇÃO/JC

Novello começou a carreira como office boy, 25 anos atrás, e agora é um dos principais executivos da
Novello começou a carreira como office boy, 25 anos atrás, e agora é um dos principais executivos da

Em um momento no qual o mercado de trabalho se mostra aquecido, com baixo nível de desemprego, as empresas brasileiras começam a investir na criação de planos de cargos e salários (PCS) para atrair profissionais e reter talentos. Quem saiu na frente e elaborou uma estratégia do gênero já colhe os frutos da decisão. Queda nos índices de rotatividade, melhora no clima entre os funcionários e crescimento no faturamento se tornaram situações comuns entre as companhias que decidiram apostar na valorização de seus colaboradores.

“As pessoas querem entrar na empresa e saber até onde podem chegar. Com uma boa estrutura, o profissional se sente motivado para batalhar e subir de posição”, afirma Luiz Antonio Fioravanso, diretor da Associação Brasileira de Recursos Humanos no Estado (ABRH-RS). O dirigente enfatiza que a competitividade das empresas médias e grandes está diretamente relacionada à adoção de políticas de reconhecimento dos trabalhadores, como o PCS. “A partir de 15 cargos, já é válido fazer. Imagina uma empresa com centenas de funcionários em dezenas de funções diferentes e sem uma estrutura desse tipo, como o dono vai saber quem é quem?”, exemplifica.

O primeiro passo para a criação do plano consiste no mapeamento de todos os cargos existentes na organização. Assim, é possível definir os parâmetros exigidos para cada função, como, por exemplo, a formação e o domínio de outros idiomas. A partir daí, é necessário fazer uma pesquisa de salários perante o mercado, compatibilizando a remuneração com o que o segmento tradicionalmente oferece.

O desempenho no passado, o de momento e o potencial futuro do trabalhador são quesitos fundamentais. “O tempo de casa já não é o principal fator, isso é coisa do passado. No caso da iniciativa privada, é preciso levar em consideração a entrega e a capacidade que o funcionário tem para assumir responsabilidades”, aponta Marco Túlio Zanini, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (Ebape-FGV).

Segundo Zanini, essas aptidões podem ser verificadas por meio de dois aspectos: competências técnicas e humanas. As primeiras se referem aos conhecimentos da pessoa e se o grau de capacitação é adequado para exercer determinada função. Já as habilidades humanas dizem respeito a características como motivação e capacidade de liderança.

A consultora de recursos humanos da Kienbaum Ana Nodari salienta que é preciso estabelecer critérios claros para que se evite eventuais problemas judiciais. Pela legislação trabalhista, dois funcionários que fazem o mesmo trabalho não podem ter remunerações distintas sem uma justificativa. Por isso, na visão de Ana, as empresas, por meio dos seus departamentos de recursos humanos, precisam adotar um sistema de avaliação interno para embasar as promoções e os incrementos remuneratórios.

Além disso, o plano de cargos e salários não pode ser visto como uma medida isolada. “Ele precisa estar vinculado ao negócio, sendo inserido dentro de uma política de gestão de pessoas mais ampla”, esclarece Ana. Para a especialista, as companhias precisam enxergar o PCS como uma espécie de plano de sucessão. “Ele deve ser encarado como um plano que visa ao futuro da organização.”

Perspectiva de carreira é sinônimo de expansão acelerada

Quando bem articulado, o plano de cargos e salários (PCS) pode impulsionar o desempenho de uma empresa. Que o diga o Grupo Randon, de Caxias do Sul. Desde o início dos anos 1990, a organização adota o PCS como uma de suas principais políticas de atração de mão de obra e retenção de talentos. Com o passar do tempo, a medida só trouxe benefícios. O faturamento anual no período nunca cresceu abaixo dos dois dígitos. Além disso, das nove companhias que integram o grupo, quatro surgiram após a execução da estratégia.Com um faturamento de R$ 6 bilhões em 2012, a Randon se firmou entre as maiores companhias do Brasil. Hoje, possui quase 13 mil funcionários. “Sem um plano de cargos e salários, a situação seria caótica. É necessário haver uma definição dos cargos e ter uma política salarial para reconhecer os méritos das pessoas”, aponta Vanderlei Novello, diretor corporativo de recursos humanos da Randon. Nesse sentido, ele lembra que diversos profissionais saltaram dos escalões iniciais para cargos de chefia. Novello cita o próprio exemplo. Ele começou sua carreira como office boy, 25 anos atrás, e agora é um dos principais executivos da organização.

O dirigente ressalta que, atualmente, a rotatividade média das nove companhias da Randon não passa de 2,2% ao mês, um bom resultado em tempos de mercado de trabalho aquecido. “O plano é fundamental para administrarmos as empresas. Isso ajuda a manter o clima favorável, pois as pessoas sabem quais requisitos elas vão precisar preencher para ocupar cada cargo.” Segundo ele, o plano de cargos e salários funciona como receita de bolo. “Sem a receita, é possível misturar os ingredientes, como ovos e farinha, mas vai ser muito difícil acertar o ponto”, compara.

O PCS e os demais benefícios oferecidos pelas companhias do grupo auxiliam na hora de contratar e também para blindar os principais funcionários contra propostas dos concorrentes. “Um dos principais elementos levados em consideração pelas pessoas na hora de continuar em um emprego é a perspectiva de desenvolvimento dentro da organização”, justifica Novello.

Política de valorização ajuda a turbinar resultados

Em geral, uma empresa só começa a ter retorno financeiro após alguns anos de atuação no mercado. Mas já diz o ditado que toda regra tem sua exceção. O escritório de advocacia Souto Correa, de Porto Alegre, é um desses casos. Criada em fevereiro deste ano, a companhia, que conta com 60 funcionários, fechou seu semestre inicial com saldo positivo no caixa. E, em retribuição ao esforço dos colaboradores, fez sua primeira distribuição de participação de lucros e resultados.O fato de a empresa ter nascido com uma política de recursos humanos que abrange um plano de cargos e salários é tido como fundamental para a rápida ascensão. “Foi um fator determinante, porque as pessoas têm uma ideia clara, desde o início, de como as coisas funcionam (em relação à perspectiva de carreira dentro da empresa)”, aponta um dos sócios da companhia, o advogado Jorge Cesa.

O escritório resolveu adotar um modelo de hierarquia horizontal para realizar as promoções. Nesse sistema, as funções administrativas passaram a ser subdivididas em três níveis. Conforme o desempenho, uma secretária, por exemplo, sobe de patamar e passa a receber um salário melhor. O modelo de remuneração dos advogados é diferente, mas também contempla medidas de estímulo. Não existe uma segmentação do cargo. No entanto, de tempos em tempos, se as metas forem alcançadas, o valor da hora trabalhada é incrementado.

Um dos principais critérios utilizados no momento de contemplar um colaborador é a capacitação. Para possibilitar que todos se qualifiquem, o Souto Correa resolveu criar um fundo. “Temos um orçamento semestral para cada uma das seis áreas do escritório. Um advogado que quiser fazer um curso ou ir a uma palestra realizada em outra cidade, por exemplo, pode recorrer a esses recursos”, destaca Cesa. A expectativa é de que, no futuro, a iniciativa possa financiar cursos de mestrado ou doutorado para os funcionários.

Rotatividade em queda

Uma diminuição pela metade no índice de rotatividade. Essa foi uma das principais mudanças percebidas no Hospital Banco de Olhos, situado em Porto Alegre, após a adoção de um programa de gestão por competências, que inclui um plano de cargos e salários.

A média de desligamentos e admissões, que era de 6% ao mês, despencou para 3%. “As pessoas têm possibilidades de carreira e isso ajuda a diminuir a rotatividade”, comemora Mario Fernandes, coordenador de RH da Rede Verzeri, instituição ligada à Associação de Literatura e Beneficência (ASLB), que é a mantenedora do hospital.

A estratégia começou a ser executada no início de 2012 e já traz benefícios. Fernandes lembra que os processos seletivos da instituição passaram a despertar atenção dobrada. Quando abre uma vaga, mais candidatos aparecem interessados em preencher o posto. De quebra, o ambiente de trabalho passou a ser mais bem avaliado pelos colaboradores. Isso tudo em um ano de existência do programa de valorização.

O plano do Hospital Banco de Olhos prevê uma divisão em dez categorias. Todos os 240 profissionais da instituição, que ocupam mais de 40 cargos distintos, estão abrangidos pela iniciativa. “Fizemos um ranking dos cargos com uma faixa salarial para cada nível. Além disso, o colaborador pode permanecer no mesmo cargo e ter aumento salarial”, explica Fernandes.

Para embasar o sistema de promoções, o hospital mapeou todos os cargos e traçou o perfil necessário para cada um deles. “Esse perfil contempla as responsabilidades, habilidades e a formação necessárias para cada posição”, diz. De forma paralela, são realizadas avaliações uma vez ao ano. Conforme o desempenho do profissional, ele recebe valorização e tem a possibilidade de subir de patamar dentro da organização.

Brasil ainda deixa a desejar na comparação com outros países

Uma pesquisa feita pela Michael Page, consultoria especializada em recrutamento de executivos, mostra que o Brasil está atrás de outras nações latino-americanas em relação à implementação de planos de cargos e salários (PCS) nas empresas. No País, 32% das companhias analisadas no levantamento sequer possuem uma iniciativa do gênero, enquanto 26% têm seus PCS considerados ruins. Os números são muito distintos das realidades constatadas em Argentina, Chile, Colômbia e México.

“As companhias brasileiras estão em um nível de desenvolvimento aquém dos outros países da América Latina, que são mais estáveis e conseguem adotar com mais facilidade planos de cargos e salários. No Brasil, essa ainda não é uma pauta estratégica de curto prazo”, lamenta Marcelo De Lucca, diretor da Michael Page. O dirigente constata que as multinacionais vivem uma situação diferenciada. Em geral, elas possuem os planos mais bem avaliados pelos executivos brasileiros. “Na multinacional, é mais fácil fazer um plano de cargos e salários, porque esse modelo vem de fora e é replicado aqui. Nas empresas nacionais, percebe-se que a dificuldade é maior”, complementa.

O perfil tradicional do brasileiro é encarado como uma das justificativas para o cenário atual. “Estamos falando de características extremamente positivas, como a capacidade de comunicação, mas, por outro lado, falta organização. A cultura brasileira não preza pelo planejamento, basta ver que muitas empresas sequer possuem um plano de cargos e salários estruturado”, menciona De Lucca. Ao todo, o levantamento da consultoria ouviu mais de 900 profissionais, 60% deles oriundos do Brasil.

Na opinião do diretor da Michael Page, não basta apenas criar um PCS, é preciso atualizá-lo de tempos em tempos. “É necessário reavaliar, com frequência, a remuneração conforme o desempenho do mercado e também os interesses estratégicos da companhia. Caso não haja atualização, todo o esforço que você fez para a construção do plano se perde em dois ou três anos”, justifica.

Apesar de a situação do País ainda não ser a ideal se comparada com a de outros países, a consultora de recursos humanos da Kienbaum Ana Nodari nota um processo de evolução na cultura corporativa brasileira. “O colaborador precisa ser o principal interessado no desenvolvimento da sua carreira. Mas cabe à empresa, que precisa desse profissional para crescer, oferecer as ferramentas necessárias para que ele possa contribuir. E, nos últimos anos, tem havido um movimento das empresas nesse sentido para enfrentar a alta rotatividade”, destaca.

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