A inconstitucionalidade de um IBS sem benefícios fiscais

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Henry Lummertz

02/11/2019 – JOTA

 

É preciso alterar a redação da PEC 45/2019

A proposta de Reforma Tributária que tramita na Câmara dos Deputados (PEC 45/2019) prevê que o Imposto sobre Bens e Serviços – IBS “não será objeto de concessão de isenções, incentivos ou benefícios tributários ou financeiros, inclusive de redução de base de cálculo ou de crédito presumido ou outorgado, ou sob qualquer outra forma que resulte, direta ou indiretamente, em carga tributária menor que a decorrente da aplicação das alíquotas nominais1.

Segundo a justificativa da PEC 45/2019, “a vedação a benefícios fiscais busca evitar o risco de que setores específicos busquem um tratamento diferenciado no âmbito do IBS, o que inevitavelmente leva a distorções competitivas e alocativas”.

Além disso, a vedação da concessão de qualquer tipo de benefício em relação ao IBS favoreceria “a discussão democrática entre os consumidores/eleitores e o governo, pois torna absolutamente transparente o custo de financiamento das ações do poder público”.

“A questão que se coloca diante dessa previsão é: seria constitucional vedar a concessão de todo e qualquer benefício fiscal em relação ao IBS?”

 

E entende-se que a resposta a esse questionamento deve ser negativa. Da forma como está redigida, a PEC 45/2019 não se revela compatível com o ordenamento jurídico construído a partir da Constituição Federal de 1988.

Com efeito, a Constituição Federal erige a redução das desigualdades regionais como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil2 e como um dos princípios norteadores da ordem econômica3, elegendo os incentivos fiscais como um dos instrumentos da ação do Estado para reduzir as desigualdades regionais4.

Assim, pode-se afirmar que o pacto federativo brasileiro é caracterizado pela busca da redução das desigualdades regionais, inclusive por meio da concessão de benefícios fiscais.

Esse entendimento foi recentemente adotado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 592.891 – SP, em sede de repercussão geral, no qual se reconheceu que os incentivos fiscais que visam à redução das desigualdades sociais constituem “manifestação do pacto federativo” e contribuem para sua realização, sendo instituídos “em prol do federalismo”, que “enquanto unidade nacional, determina a equalização das assimetrias”5.

Exemplo dos benefícios fiscais destinados a corrigir desigualdades regionais são os benefícios fiscais que caracterizam a Zona Franca de Manaus6, que são instituídos em razão da necessidade de se criar um diferencial em favor da Região, para atrair e aí fixar investimentos, como reiteradamente reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal7.

Isso porque, como afirma a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a Região Amazônica possui uma série de fatores desigualadores, como extensa área de fronteira com baixa densidade populacional, áreas de florestas, áreas de reservas indígenas e grande distância em relação aos fornecedores e aos centros de consumo. Para fazer frente a essas desvantagens, na busca da correção das desigualdades regionais, aplicam-se incentivos fiscais.

Nesse contexto, proibir a concessão de todo e qualquer benefício fiscal em relação ao IBS significa reduzir o instrumental para a consecução de um dos objetivos fundamentais da Federação brasileira, atingindo a própria estrutura da forma federativa de Estado desenhada pela Constituição Federal de 1988.

E veja-se que esse nem é o objetivo perseguido pela PEC 45/2019, que busca evitar que “setores específicos busquem um tratamento diferenciado no âmbito do IBS, o que inevitavelmente leva a distorções competitivas e alocativas”, para o que, evidentemente, não é necessário vedar a concessão de benefícios que visem à redução das desigualdades regionais.

Ocorre que, como a forma federativa de Estado, tal como desenhada pela Constituição Federal de 1988, constitui cláusula pétrea (CF. art. 60, § 4º, inc. I), nem mesmo por Emenda Constitucional pode ser alterada. Daí a inconstitucionalidade da atual redação da PEC 45/2019.

Para se corrigir a inconstitucionalidade que hoje macula a redação da PEC 45/2019, será necessário que se altere a redação da PEC 45/2019, para que ela passe a admitir, pelo menos, a concessão de benefícios fiscais que visem à redução das desigualdades regionais, entre os quais aqueles que caracterizam a Zona Franca de Manaus. Essa será uma das missões do Congresso Nacional na tramitação da Reforma Tributária.


1 Art. 152-A, § 1º, inc. IV.

2 CF, art. 3º, inc. III.

3 CF, art. 170, inc. VII.

4 CF, arts. 43, § 2º, inc. III, e 151, inc. I.

5 Recurso Extraordinário nº 592.891 – SP, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Rosa Weber, j. 25-04-2019, DJe 19-09-2019. Voto da Min. Rosa Weber.

6 ADCT, arts. 40, 92 e 92-A.

7 ADIN nº 310 – DF, ADIN nº 2.348 – DF, ADIN MC nº 2.399 – DF, por exemplo.

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