Entenda o conflito da Lava Jato com o judiciário brasileiro

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Antonio Tovo
Vocativo
27/03/2019

A prisão do ex-presidente Michel Temer no último dia 21 de março escancarou a relação conflituosa entre o judiciário brasileiro e os procuradores da república que comandam a Operação Lava Jato, em Curitiba. Juristas de todo o resto do país e autoridades de instâncias superiores, que já vinham criticando atos da equipe de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol subiram o tom após os eventos de semana passada.

Antonio Tovo, especialista em Direito Penal Empresarial do escritório Souto Correa analisou e criticou a decisão de prisão preventiva do ex-Presidente Temer. “Ela possui dois pontos de crítica: o primeiro é que não descrevem os motivos excepcionais que autorizariam a prisão preventiva, limitando-se a reproduzir os termos do Art. 312 e, segundo, os fatos que autorizariam a prisão são pretéritos, não há motivo atual a justificar a prisão preventiva. Não é demais recordar que a regra no processo penal brasileiro é a liberdade, a prisão antes da condenação é medida reservada para evitar riscos”, afirma.

A opinião do jurista se confirmou, uma vez que o desembargador Antonio Ivan Athié, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, deferiu pedido de liminar para soltar o ex-presidente Michel Temer e mais seis alvos da Operação Descontaminação baseado nestes argumentos. “Todavia, mesmo que se admita existirem indícios que podem incriminar os envolvidos, não servem para justificar prisão preventiva, no caso, eis que, além de serem antigos, não está demonstrado que os pacientes atentam contra a ordem pública, que estariam ocultando provas, que estariam embaraçando, ou tentando embaraçar eventual, e até agora inexistente instrução criminal, eis que nem ação penal há, sendo absolutamente contrária às normas legais prisão antecipatória de possível pena, inexistente em nosso ordenamento, característica que tem, e inescondível, o decreto impugnado”, afirmou nas páginas da decisão.

E ao contrário do que se imaginava, a prisão de Temer não foi comemorada pelos seus opositores. Um dos seus maiores críticos, o ex-ministro e senador Ciro Gomes, deixou claro que não concordava com o ato. “Eu poderia estar comemorando essa prisão. Entretanto, minha consciência de cidadão e minha formação jurídica me obrigam a afirmar que esta prisão, feita como foi, viola a Constituição, porque a regra é a liberdade. O Brasil não pode comemorar a violação da lei, mesmo que seja para fazer aquilo que se alega ser justiça. O nome disso é justiçamento”, disse em entrevista.

Risco para todos

De acordo com Antonio Tovo, quando ocorre a decretação de uma prisão preventiva que não possui o respectivo lastro jurídico, há um risco para toda a cidadania. “O Estado de Direito funda-se no pressuposto que as autoridades pautarão suas condutas pelos ditames legais. Prender preventivamente alguém simplesmente pelo efeito simbólico do espetáculo, para atender à sanha punitiva do senso comum, ou pior, com a expectativa de pressionar para que o imputado delate, é um acinte a nossos valiosos preceitos constitucionais”, pondera o advogado.

Atrito com o STF

O ponto alto da crise aconteceu no último dia 14 de março, quando por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em favor da competência da Justiça Eleitoral para investigar casos de corrupção quando envolverem simultaneamente caixa 2 de campanha e outros crimes comuns, como lavagem de dinheiro, que são investigados na Operação Lava Jato.

Com o fim do julgamento, os processos contra políticos investigados na Lava Jato e outras apurações que envolvam simultaneamente esses tipos de crimes deverão ser enviados da Justiça Federal, onde tramitam atualmente, para a Justiça Eleitoral, que tem estrutura menor para supervisionar a investigação, que pode terminar em condenações mais leves.

De acordo com procuradores da força-tarefa do Ministério Púbico Federal (MPF) que participam das investigações da Lava Jato, o resultado terá efeito nas investigações e nos processos que estão em andamento nos desdobramentos da operação, que ocorrem em São Paulo e no Rio de Janeiro, além do Paraná. Cerca de 160 condenações poderão ser anuladas a partir de agora, segundo os investigadores. Para a Lava Jato, o resultado negativo poderá “acabar com as investigações”.

A resposta de Gilmar Mendes foi contundente. “Quem encoraja esse tipo de coisa? Quem é capaz de encorajar esse tipo de gente, gentalha, despreparada, não tem condições de integrar um órgão como o Ministério Público”, afirmou.

Abuso de poder

O saldo do conflito parece ter sido extremamente negativo para os representantes da Lava Jato. “Os Procuradores de Curitiba, surfando na onda da popularidade adquirida com a Operação Lava Jato, imaginam que estão acima da lei e da Constituição da República”, afirma Marcelo Aith, especialista em Direito Criminal e Direito Público .

“Entendo que a imagem da Procuradoria da República como instituição permanente e independente não foi atingida com a conduta dos seus representantes de Curitiba. Todavia tornou ainda mais evidente que não estão preocupados em seguir regramentos constitucionais e legais para alcançar seus objetivos, uma temeridade ao Estado Democrático de Direito para dizer o menos”, pondera.

Para Antonio Tovo, embora a Operação Lava Jato tenha muitos méritos, estes não autorizam que seus protagonistas transformem suas visões em duelos maniqueístas. “Assim, os integrantes da Força-Tarefa não podem pretender condicionar os entendimentos do Supremo, como ocorreu no debate sobre a competência da Justiça Eleitoral, por exemplo. O Supremo Tribunal Federal ainda é a última trincheira das liberdades e garantias individuais. Cada um tem seu lugar e suas atribuições em um Estado Democrático de Direito”, afirma.

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