Petrobras pode ter limite no mercado de gás

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Livia Amorim
Valor Econômico
27/06/2019

Além da saída integral da Petrobras da distribuição e transporte de gás natural, o governo também avalia impor limites aos volumes ofertados pela estatal ao mercado. A resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) que trata das diretrizes para aumentar a concorrência no setor abre um caminho formal para que o governo implemente um programa de desconcentração da oferta.

Atualmente, a Petrobras responde por 77% do volume de gás produzido no país. A estatal é praticamente a única fornecedora relevante do mercado, já que as demais empresas, muitas delas sócias da Petrobras nos campos do pré-sal (como Shell, Repsol e Petrogal), vendem suas parcelas de gás para a própria estatal, a preços baixos, porque enxergam dificuldades no acesso ao mercado consumidor.

“A resolução [do CNPE] sinaliza para a redução da concentração na oferta. Temos 77% de concentração na oferta associada a esse agente dominante [Petrobras] e há que se trazer limites para essa participação”, disse ontem o secretário-executivoadjunto do Ministério de Minas e Energia (MME), Bruno Eustáquio, durante apresentação sobre o Novo Mercado de Gás, na Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados.

Segundo duas fontes consultadas pelo Valor, ainda não há uma decisão final sobre a implementação desse programa de desconcentração – nem sobre o modelo como seria operacionalizado. A resolução do CNPE, porém, abre a possibilidade de que ele venha a ser adotado sob a supervisão da Agência Nacional de Petróleo (ANP), em conjunto com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

O órgão antitruste e a Petrobras negociam um termo de compromisso de cessação (TCC), segundo o qual a estatal se comprometeria a sair da distribuição e do transporte, em troca do encerramento de processo que investigava a atuação anticompetitiva da petroleira no mercado de gás. O plano original do Novo Mercado de Gás propunha, contudo, que a estatal se comprometesse também a deixar de comprar gás de terceiros e reduzisse sua participação de mercado a patamares próximos de 50%.

A resolução do CNPE diz que a transição para um mercado concorrencial de gás natural observará a implantação de programas de liberação de gás natural para redução de concentração do mercado”.

A ANP já se mostrou favorável à medida, quando, em janeiro, encaminhou ao Cade um ofício defendendo um programa para obrigar a estatal a vender parte do volume ofertado hoje por ela. A agência alegou que a iniciativa “proporcionaria mais ofertas, aumentando a concorrência e desconcentrando o mercado, hoje controlado inteiramente por um único agente”.

O chamado “gas release” (liberação de gás) consiste numa iniciativa de desverticalização na qual o agente dominante cede, compulsoriamente, volumes de gás (e capacidades de transporte nos gasodutos, por meio do “capacity release”) para concorrentes, como outros produtores e comercializadores.

O mesmo sistema já foi adotado no Reino Unido, nos anos 1990, e replicado na Espanha e na Itália na década de 2000. Em geral, nesse tipo de programa, são feitos leilões sucessivos forçando o agente dominante a vender parcelas de sua produção para a concorrência, a preços determinados. Assim, outros agentes ganham escala em seus portfólios de suprimento ao mercado.

Para Lívia Amorim, especialista em gás e energia do escritório Souto Correa Advogados, após a publicação das diretrizes do CNPE sobre a abertura do mercado, o governo precisa se concentrar na definição das regras de acesso aos gasodutos de transporte. Segundo ela, sem isso, a abertura não se estrutura.

“É a principal forma de diversificar risco e criar portfólio. Deve estar no topo de agenda”, disse Lívia, que também chama a atenção para a necessidade de criação – seja por iniciativa do governo, seja do mercado – de uma plataforma de negociação entre os agentes, para permitir o encontro entre a oferta e a demanda.

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