Programa federal Floresta + Carbono: avanço em políticas para a sustentabilidade?

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Fabiana Figueiró e Juliana Stangherlin

29/10/20 – ESTADÃO

 

As discussões em torno de questões ambientais têm recebido especial atenção nos últimos meses. A pandemia causada pelo novo coronavírus, sem precedentes na história recente e possivelmente relacionada ao consumo de animais silvestres, trouxe reflexões sobre as consequências da forma como o homem se relaciona com a natureza. No início deste ano, as declarações do presidente da BlackRock, maior gestora de ativos do mundo, anunciando que a sustentabilidade será o centro da estratégia de investimentos da empresa incrementou a atenção do setor empresarial para os princípios ESG, sigla que se refere a aspectos sociais, ambientais e de governança. Na mesma linha, o Fórum Econômico Mundial, em Davos, incluiu na pauta central ações para um mundo mais coeso e sustentável, com forte preocupação quanto às mudanças do clima e suas repercussões no desenvolvimento.

No Brasil, a população assistiu, atônita, queimadas sem proporções causarem possivelmente a maior devastação já vista no Pantanal, em um dos mais ricos biomas do planeta, além dos avanços do desmatamento na Amazônia. Como reação a essa situação, dirigentes de companhias nacionais, multinacionais e instituições financeiras manifestaram-se em carta dirigida ao Vice-Presidente da República, coordenador do Conselho da Amazônia, rogando pelo controle do desmatamento. No documento, ressaltam prejuízos econômicos da percepção negativa do Brasil no exterior quanto ao trato com o patrimônio ambiental nacional.

Esse cenário deixa clara não apenas a relevância da temática ambiental e a concretização da visão indissociável entre meio ambiente e economia, mas também leva à reflexão sobre a necessidade de reinvenção do modelo das políticas públicas na área, notadamente em nível nacional. Historicamente, o Brasil evoluiu de uma legislação que notadamente regulava o aproveitamento dos recursos naturais para normas abrangentes e relevantes, com forte viés de proteção. Muitas, porém, sem efetividade na aplicação, conduzidas por um poder público focado em ações de comando e controle nem sempre eficientes para garantir preservação e desenvolvimento.

No atual contexto, é premente que o poder público se volte à construção de políticas de incentivo a práticas ambientais positivas, envolvendo o setor produtivo e promovendo ferramentas capazes tanto de preservar os recursos naturais quanto recompor os prejuízos já havidos tanto sob o prisma ambiental quanto social e econômico. Algumas ações, ainda que tímidas, vêm sendo estabelecidas em âmbito federal em temas que são bastante estratégicos e envolvem uma das maiores riquezas nacionais, a vegetação e florestas nativas.

Um avanço foi a publicação da Portaria nº 288 do Ministério do Meio Ambiente (MMA), em julho deste ano, instituindo o Programa Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais – Floresta+ com diretrizes para criar, fomentar e consolidar o mercado de serviços ambientais com foco na preservação e conservação da vegetação nativa brasileira, no intuito de reconhecer e valorizar as atividades ambientais realizadas, incentivando a sua retribuição monetária e não monetária. Conforme o Código Florestal Federal, o incentivo ou pagamento por serviços ambientais é a retribuição, monetária ou não, às atividades de conservação e melhoria dos ecossistemas e que gerem serviços ambientais, tais como o sequestro, a conservação, a manutenção e o aumento do estoque e a diminuição do fluxo de carbono; a conservação da biodiversidade; a regulação do clima e a manutenção de Áreas de Preservação Permanente. Nessa linha, nos objetivos do Floresta+ estão o fomento a acordos setoriais para a geração de demanda por serviços ambientais e a captação de recursos internacionais para fomento de políticas públicas visando o fortalecimento do mercado de pagamento por serviços ambientais. Embora a iniciativa do Programa seja positiva, questões essenciais à sua implementação, como prazos e condições, ainda serão definidos em regramento.

Mais recentemente, no mês de outubro, a Portaria nº 518 do MMA instituiu a modalidade “Floresta+ Carbono” no âmbito do citado programa Floresta+, com o intuito de incentivar o mercado voluntário, seja público ou privado, de créditos de carbono de florestas nativas. Neste caso, o objetivo específico é propiciar um ambiente de negócios para quem quer conservar vegetação nativa e compensar suas emissões. A normativa ressalta que o mercado voluntário de créditos de carbono por redução de emissões provenientes de desmatamento e degradação florestal não possui correlação com os compromissos assumidos pelo Brasil, não havendo contabilização, ajuste ou registro no inventário nacional de emissões do Governo Federal, o que tem sido alvo de críticas pelo receio da dupla contabilidade da redução de emissões. Ademais, é fato que a Portaria não traz metas ou instrumentos específicos à sua implementação. Não obstante, trata-se de um estímulo ao mercado de carbono como ferramenta apta a atrair investimentos mais do que bem-vindos à conservação e restauração das florestas brasileiras.  A expectativa do MMA é destinar por meio do Floresta+ Carbono, em um primeiro momento, cerca de R$ 500 milhões para atividades de conservação e recuperação ambiental na região amazônica.

Ainda que possam ser consideradas tímidas as iniciativas apresentadas pelo poder público há esperança de que constituam um importante passo na consolidação de políticas de incentivo e fomento a uma economia de baixo carbono. O Brasil tem uma grande oportunidade de protagonizar tal economia, com seu incomparável potencial para gerar ativos econômicos a partir de suas florestas. Necessária se faz, de pronto, a consolidação de um bom ambiente de investimentos para mobilização de recursos tais como os oriundos dos mercados de carbono e do pagamento por serviços ambientais que propiciem o desenvolvimento sustentável.[:]

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