A negociação antecedente na recuperação judicial

A negociação antecedente na recuperação judicial

A Lei 11.101/2005 (LREF) representou um importante marco para o Direito Concursal brasileiro e tem prestado importante serviço ao País. Todavia, é evidente que diante dos desafios enfrentados nos últimos anos e da complexidade das relações econômico-financeiras, a LREF não deu resposta a todos os problemas. Aqui, a doutrina e a jurisprudência prestaram importante serviço, mas é inegável que merece a legislação uma reforma a fim de incorporar aspectos importantes e aos quais nem sempre se consegue dar uma resposta à altura, como a questão do financiamento DIP e dos processos transnacionais de insolvência.

Nesse contexto, em boa hora chega o Projeto de Lei 6.229/2005, aprovado pela Câmara dos Deputados e enviado ao Senado Federal, tramitando, agora, sob o nº 4.458/2020.

De qualquer sorte, nem todas as medidas propostas, entendemos, são adequadas. E nesse contexto encontra-se a inserção de dispositivos relacionados às conciliações e mediações antecedentes ou incidentais aos processos de recuperação judicial. Não que tais mecanismos de resolução alternativa de disputas não sejam úteis e não possam nem devam ser utilizados em processos concursais – em que pese, não raro, devedores se valham disso com o único intuito de ganhar tempo. Contudo, da forma como proposto, o regime tende a ser ineficiente.

Isso porque a conciliação e mediação antecedente, incorporada no Projeto de Lei advinda das proposições que não vingaram para um regime provisório de combate à crise causada pela pandemia do coronavírus, pode ensejar, em primeiro lugar, a suspensão dos prazos por consenso entre as partes ou por determinação judicial. Assim, não há qualquer parâmetro para a determinação da suspensão dos prazos, podendo ser suspensos pelo simples argumento da necessidade de negociação com credores combativos (como se isso fosse algo ruim) e tudo à luz do recorrentemente invocado princípio da preservação da empresa (como sói acontecer).

Em segundo lugar, o devedor que preencha os requisitos legais para requerer recuperação judicial pode obter tutela de urgência, nos termos da legislação processual, para que sejam suspensas as execuções propostas pelo prazo de até 60 dias com o objetivo de buscar a composição com seus credores em procedimento de mediação ou conciliação – sendo que, se houver pedido de recuperação judicial ou extrajudicial, o período de suspensão seria deduzido do prazo do stay period. Ora, se existe a necessidade de preenchimento dos requisitos para que seja obtida a tutela de urgência de acordo com o Código de Processo Civil, qual a necessidade de tal alteração legislativa? Mais: por qual motivo incentivar a judicialização de medidas de conciliação e mediação? E, ainda, é um tanto quanto irreal entender que o período de suspensão será descontado do prazo do stay period se, atualmente, o que se observa é que a suspensão é usualmente prorrogada sem qualquer cuidado, apesar de a LREF dispor que em hipótese nenhuma o stay period excederá o prazo improrrogável de 180 dias; parece que isso evidentemente também ocorrerá quando o devedor, sob os auspícios da preservação da empresa e da tentativa realizada de conciliação e mediação, postular a prorrogação dos prazos.

Finalmente, entendemos que o regime gera um incentivo à judicialização da negociação entre credores e devedor – determinando, ainda, que o juiz competente deve homologar o acordo realizado por meio de conciliação ou de mediação de acordo com o procedimento previsto. Ora, parece um contrassenso querer que o Poder Judiciário assuma mais esta obrigação, disponibilizando recursos humanos e técnicos para viabilizar tais negociações, enquanto que há questões ainda mais importantes que sequer encontram uma resposta adequada e enquanto o que mais se busca é a especialização dos juízos recuperacionais. Parece, assim, evidente que o incentivo dado deveria ser à conciliação e mediação na esfera extrajudicial.

Em suma, em boa hora vem a proposta de reforma da LREF. Entretanto, parece que algumas das propostas devem ser melhor debatidas e refletidas, sob pena de congestionarmos ainda mais o Poder Judiciário, convivermos com processos que se arrastam por muito mais tempo e, então, maior dificuldade na recuperação do crédito. O magistrado não dá dinheiro ao devedor e mais processos não repercutem em um maior índice de recuperação da empresa.

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