Arbitragem e seguro – Valor Econômico

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Diogo Squeff Fries

23/07/20 – Valor Econômico

 

É em momento como este que fica clara a importância do STJ enquanto uniformizador da jurisprudência nacional.

O litígio deve ser sempre evitado. A renegociação dos contratos é, sem dúvida, o melhor caminho. Se é verdade que mais vale um mau acordo que uma boa briga, com ainda mais razão em tempos difíceis como o que vivemos. Mas, por vezes, a disputa é inevitável.  

 

Os impactos da pandemia na economia perdurarão por muito tempo. Haverá um aumento de litígios comerciais relacionados apagamento de coberturas securitárias. Alguns envolvem a discussão sobre o pagamento de coberturas para empresas obrigadas a suspender temporariamente as suas atividades por restrições governamentais; outros, objeto desta reflexão, relacionam-se com contratos celebrados nos quais há previsão de cláusula compromissória arbitral 

 

Imagine-se determinada empresa (“Contratante”) que contrata outra (“Contratada”) para a construção de uma usina hidrelétrica e, além da construção, a Contratada obriga-se a instalar turbinas e geradores por ela fabricados. Contratante e Contratada acordam que eventuais disputas serão decididas por arbitragem. Paralelamente, a Contratante, sem o conhecimento da Contratada, celebra um contrato de seguro. Contratante e Seguradora preveêm como objeto do seguro a garantia do bom funcionamento das turbinas e geradores. E acordam que quaisquer disputas serão resolvidas na Justiça Comum. 

 

Em razão de problemas no funcionamento dos equipamentos, a Contratante notifica a Contratada para solucionar o impasse. Esta, por sua vez, pelos mais variados motivos – e, dentre os quais, alguns que possam decorrer da pandemia, tais como a falta de recursos financeiros ou, até mesmo, o ingresso com pedido de recuperação judicial – não consegue cumprir com aquilo que havia se comprometido, ou entende que não deve ser responsabilizada. A Contratante então aciona a Seguradora que, por sua vez, realiza o pagamento da cobertura. 

 

A demanda de regresso da Seguradora contra a Contratada deve ser proposta perante o Juízo Comum ou Arbitral?  

Muito se discutiu isso, sem consenso, nos últimos anos, e ainda se discute. As posições, no âmbito do TJSP e TJRJ, são extremamente divididas. E isso gera incertezas às partes, advogados, juízes e árbitros.  

 

Quem defende que a discussão seja na Justiça Comum alega que a Seguradora não assinou o contrato onde consta a cláusula compromissória arbitral e, consequentemente, que tal previsão não poderia ser imposta a ela. De outro lado, aqueles que alegam que a Seguradora subrogou-se nos ônus e deveres da Contratante, de forma que deveria observar a cláusula compromissória arbitral. 

 

A primeira vez em que o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) analisou tal controvérsia, e o fez por intermédio da sua Corte Especial, foi em maio de 2019 (“leading case”). Quando do julgamento do pedido de homologação de sentença arbitral estrangeira nº 14.930  – caso no qual a discussão central é similar ao exemplo acima , o entendimento que, por maioria (9 x 3), saiu vencedor, foi no sentido da homologação da sentença arbitral estrangeira. Manteve, assim, no Brasil, os efeitos da sentença proferida por Tribunal Arbitral sediado em Nova Iorque que entendeu pela extensão da cláusula compromissória arbitral à Seguradora.  

 

Mas então agora a discussão acabou e daqui para frente não haverá mais tal dúvida?  

O ideal seria acabarE isso, primeiramente, a partir do que seria uma postura de compreensão das partes de que a dúvida, que perdurou por mais de 10 anos perante o Poder Judiciário, foi resolvida pela Corte Especial do STJ, de modo que futuras ações de regresso sejam propostas desde logo perante o Juízo Arbitral. Mas, ainda assim, às Seguradoras é dado o direito de discordar do leading case, por não ter sido unânime eespecialmente, ao argumento de que, por ser homologação de sentença arbitral estrangeira, não houve o enfrentamento, no Brasil, do mérito da questão (ainda que a análise dos votos mostre o enfrentamento do mérito). Assim, nada impede que continuem buscando os seus direitos perante a Justiça Comum, seja em novos ou em processos já em tramitação, para, quem sabe, no futuro, alterar o entendimento manifestado no leading case. 

 

É em momentos como este que fica clara a importância do STJ enquanto uniformizador da jurisprudência nacional. Uma das grandes, e corretas, inovações do Código de Processo Civil de 2015 (“CPC”) foi a criação de um sistema de precedentes. Enquanto o art. 926 dispõe que “os tribunais devem uniformizar a sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”, o art. 927 determina que os juízes e tribunais observem determinadas decisões das Cortes Superiores, dentre elas, prevê o inciso V, “a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados”.  

 

Na medida em que leading case foi julgado pela Corte Especial do STJ, o entendimento nele manifestado, apesar de respeitáveis opiniões contrárias, deveria ser seguido, em discussões judiciais análogas, em todo o território nacional. E, em prol da celeridade e efetividade do processo, tal questão deve ser apreciada preliminarmente ao exame do mérito (arts. 337, X, e 485, VII, CPC). Com isso, sairia fortalecidnão apenas o instituto da arbitragem, como também o sistema de precedentes previsto no CPC, havendo uma maior previsibilidade e segurança às partes que, a partir daí, poderiam precificar isso nos seus negócios e, em especial, na contratação de seguros em que os contratos originais possuem cláusula arbitral.  

 

Mas se isso vai mesmo acontecer, só o tempo dirá.  [:]

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