Diário de Carreira: advogada trabalhista, professora e pesquisadora

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Denise Fincato
JOTA
12/02/2019

Percebi a necessidade de contar a rotina semanal não apenas da advogada-professora, mas também da esposa-mãe

Tenho 46 anos. Trabalho desde os 13 anos e advogo há 23. Leciono em nível superior há 21 anos. Colei grau como Doutora em Direito há 17 anos. Estou casada há 15 anos. Tenho duas filhas, de 14 e 10 anos, e meu desafio é contar a semana de uma mulher com duas profissões.

São duas profissões igualmente densas, intensas e tensas. Por sorte ou estratégia, pratico o que estudo: Direito do Trabalho. Gosto muito da área, sinto prazer idêntico quando termino uma boa audiência ou encerro um artigo padrão A1. Difícil dissociar a Denise advogada da Denise professora. Sou o exemplo de que temos muitas dimensões, que se sobrepõem, conjugam, sucedem e comunicam. É essa dinâmica constante que nos torna únicos.

Uma advogada trabalhista se faz com estudo e tempo. Observação, treino e alguma perspicácia são imprescindíveis. O campo trabalhista, no Brasil e no mundo, está mais técnico e desafiador. A advocacia trabalhista transformou-se nos últimos 20 anos, exigindo-nos atenção e dedicação redobradas.

O fenômeno do trabalho já não é mais o mesmo (tecnologia, globalização, novos arranjos produtivos) e estamos passando por ondas de reformas legislativas em todo o mundo. Tenho estudado muito sobre crise, tecnologia e relações de trabalho. Frequento escritórios trabalhistas no estrangeiro e compartilho a vivência de suas reformas trabalhistas. Deparo-me com outras maneiras de trabalhar e formas diferentes para resolver conflitos e sou convicta de que esta postura curiosa ajuda a advocacia, faz-nos melhores interlocutores e auxilia-nos na assessoria a decisões estratégicas.

A carreira na advocacia empresarial, especialmente quando desenvolvida em escritórios, é estruturada observando matrizes de progressão que levam em conta competências e senioridade.

A carreira docente é igualmente árdua. Exige empenho constante e reelaborações rotineiras. Uma das grandes vantagens é estar sempre rodeado de jovens cheios de sonhos e planos, o que nos dá outro vigor. Outra, é ser obrigado a estudar diariamente para poder conduzir os processos pedagógicos a nós confiados.
Normalmente, começa-se com disciplinas nos cursos de graduação e, com o passar do tempo, aliando algum investimento em qualificação acadêmica, agregam-se os outros níveis. A cada dia se preza mais o professor que, em uma instituição, atua em todos os níveis. É possível trabalhar na rede pública ou na iniciativa privada. É possível, ainda, direcionar-se à gestão universitária. No mestrado, formamos os futuros professores. No Doutorado, forjamos os pesquisadores.

Entretanto, há tempos, inquieta-me o fato de que as mulheres, na advocacia ou no magistério superior, têm suas carreiras abaladas, interrompidas ou impedidas em razão da maternidade.

E foi por isto que, num espaço destinado a explicitar meu dia a dia profissional, resolvi mesclar minha dinâmica familiar, certa de que isto será útil às jovens advogadas e/ou professoras que acessarem este texto (bem como os homens que com elas convivem, profissionalmente ou não). Pois, parece-me que, como nas carreiras, é preciso ter estratégia, programação e transparência. É claro que isto não torna o trajeto isento de dificuldades, mas auxilia muito. A hora certa da maternidade, que varia para cada mulher, deve ser sopesada, pois o efeito surpresa dificilmente ajuda. Ainda mais importante é saber escolher o parceiro, para que o projeto não seja de maternidade, pura e simples, mas sim de filiação. Em assim sendo, o pai-parceiro não será o auxiliar da mulher em momentos pontuais, mas “pai-parceiro”, em todos os momentos.

A transparência deve ser o norte de qualquer relação, especialmente das conjugais e parentais: para o bom funcionamento da equipe, é vital o diálogo transparente, profundo e constante, que permita o repensar dos planos e das dinâmicas, adaptando-os aos novos momentos e fases do grupo.

Assim, perdoem-me os leitores, mas percebi a necessidade de contar a rotina semanal não apenas da advogada-professora, mas também da esposa-mãe, especialmente para fazer refletir de que, sim, é possível cumular todas estas dimensões existenciais numa única existência. Mas que isto, obviamente, exige algum empenho.

Segunda-feira

Acordo 6h30. Organizo as meninas para a escola e tomamos café em família. Despedimo-nos de meu marido, que trabalha de segunda a quinta-feira no interior do Rio Grande do Sul.

Às 8hs estou no escritório. Confiro alguns e-mails e preparo a reunião das 9h30. Às 9h30, entro em call conference com os gestores de uma empresa. Conversamos sobre os destinos de um inquérito civil aberto pelo Ministério Público do Trabalho em razão de acidente de trabalho com morte. Teremos audiência em dois dias.

Retomo as pesquisas sobre a possibilidade de arguição de suspeição de autoridade administrativa. Há evidente desconforto numa situação que acompanho.

Às 12hs vou para casa. Almoço com as meninas, compromisso de que tento não abrir mão. É o momento de conversarmos e, especialmente, de ouvi-las.

Às 14hs estou de volta ao escritório. Converso rapidamente com um dos estagiários sobre uma Execução de TAC que acaba de chegar e reviso os e-mails que entraram durante o almoço.

Estudo a Ação de Execução de TAC, o prazo será na sexta-feira e há muitos detalhes técnicos e fáticos a costurar. O tema é delicado, precisamos traçar uma estratégia.

Delibero ajustes no volume 4 da Revista Eletrônica da Escola Superior de Advocacia da OAB/RS – da qual sou Diretora – e reviso todas as provas que aplicarei durante a semana. Mando publicar a revista e imprimir as provas.

Às 17h30 entro em reunião na PUCRS: juntamente com outro colega, coordenarei um evento sobre os 100 anos da Organização Internacional do Trabalho no próximo ano. Precisaremos de fomento externo.

Às 18hs iniciam-se bancas de trabalhos de final de curso da graduação. São 8 trabalhos. Alguns excelentes, outros nem tanto. Um formando apresenta extremas dificuldades e debatemos muito sobre sua reprovação.

Por whatsapp, vejo se está tudo bem com as meninas. Falo rapidamente com meu marido.

Às 21h15, entro em sala de aula para aplicação de provas na turma de Direito do Trabalho da graduação da PUCRS. O estagiário de docência, que é meu orientando de mestrado, me acompanha.

Meu estagiário de pós-doutorado (formamos pesquisadores seniors também) deixa-me uma lembrancinha de natal. Na sacolinha, anota à mão: “… obrigado pela presença em minha caminhada neste 2018 …” Fico pensando sobre a responsabilidade em fazer parte da caminhada de alguém.

Às 23h15 chego em casa. As meninas dormem, assim como minha fiel secretária.

Terça-feira

Às 6h30 o despertador toca. Preparo as meninas para a escola, tomamos café juntas.

Chego no escritório às 7h50. Às 8h inicia minha aula de italiano, hoje serão duas horas seguidas. Estamos terminando a revisão de um texto. Em 14 de Dezembro embarcarei para a Itália, onde ficarei 45 dias na Università degli Studi di Parma, como visiting researcher. Coordenarei seminários e palestrarei em eventos na Itália e na Espanha. Minha família vai junto e isto implica em logística complexa, na qual meu marido está mergulhado.

Abro meus e-mails. Despacho alguns assuntos. Converso com o colega da área Penal sobre responsabilização de autoridades administrativas.

A assessoria de imprensa do escritório me solicita análise de um caso, para possível conversa com um portal de notícias no turno da tarde.

Fazemos uma reunião interna para alinhamento da defesa na Execução do TAC.

Almoço em casa com minha filha mais velha. A caçula passa o dia inteiro na escola hoje.

Às 14hs, entro em banca para avaliação de um projeto de Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Administração da UFRGS, o tema é Dano Existencial e sou avaliadora externa.

No trânsito, recebo telefonema de repórter de um Portal de Notícias, quer saber minha opinião sobre os efeitos trabalhistas decorrentes de uma gravidez por substituição (estabilidade, licença, etc).

Às 17hs fazemos call conference com a empresa executada. Precisamos de muitos dados e documentos, mas a estratégia está traçada.

Confiro se está tudo bem em casa. A mais velha diz estar com dor de garganta. A mais nova, com saudades.

Às 18h45 começa minha aula em curso de Pós-Graduação da PUCRS (Especialização), que encerra às 22h30.

Quando chego em casa, a caçula está me esperando.

Quarta-feira

Acordo as 5hs da manhã. Tomo café e, após conversar rapidamente com minha secretária, pego a estrada rumo ao interior. Teremos uma audiência difícil no Ministério Público do Trabalho.

Chego cedo e aproveito para estudar o processo. O representante da empresa também chega e fazemos uma breve reunião. A audiência começa e, após um início tenso, avança de maneira produtiva, mas trabalhosa. Ao final, chegamos a um belo acordo.

Já são 12hs e pego a estrada novamente. No caminho, telefono para meu coordenador de área e reporto o resultado da audiência. Ligo também para meu marido e para as meninas. Paro no caminho para fazer um lanche.

Na chegada a Porto Alegre, converso longamente sobre a audiência e seus resultados com o assessor jurídico da empresa.

Então, entro na Plenária de Sócios do escritório. Os colegas de todo o país vêm para Porto Alegre e analisamos contas, resultados e projetos da sociedade. Durante a reunião, saio algumas vezes para liberar relatórios e cartas de auditoria de clientes. A reunião termina com talk show, no qual um dos palestrantes diz que “Sucesso é ter o que se quer. Felicidade é querer o que se tem”. Penso: perfeito.

Às 18h45 dou aula em curso de Pós-Graduação da PUCRS (Especialização), que encerra às 22h30. Dali ainda passo na festa de final de ano do escritório.

Chego em casa à meia-noite e as meninas dormem.

Quinta-feira

Acordo às 6h30 e chamo as meninas. Tomamos café juntas e libero-as para a escola. Saio também, pois às 8hs devo aplicar exames finais nas turmas de graduação da PUCRS (Direito Coletivo do Trabalho). Outro estagiário de docência, também meu orientando de mestrado, me acompanha. Faço uma reunião com ele, para alinhar sua pesquisa. Será um trabalho paradigmático!

Envolvo-me com a burocracia para tramitação de documento profissional no exterior – preciso impulsionar a internacionalização de minha advocacia, pois, além de meta do escritório, trata-se de um objetivo pessoal.

Às 12h30, almoço rapidamente com colegas do escritório. Vejo como estão as meninas em casa, confiro a que horas meu marido chegará.

Às 13hs estou na minha mesa e chega mensagem de bloqueio de valores em conta de cliente, precisamos buscar informações e agir.

Avanço na elaboração da defesa da Execução de TAC.

Recebo convite para palestrar em evento da American Bar Association – International Labor & Employment Law Commitee, em maio de 2019.

Às 18hs, meu marido chega do interior.

Ás 18h45 entro em aula, ao vivo, em pós-graduação de abrangência nacional, em convênio com a PUCRS. O tema é dos meus preferidos: Contrato de Teletrabalho.

Chego às 22h30, meninas acordadas, marido em casa, janta me esperando.

Sexta-feira

Acordo 6h30, tomamos café juntos e às 7h30 já estamos no hospital. Hoje é dia de revisão médica de nossa filha caçula. Em 2013, ela teve diagnóstico de leucemia e atualmente faz check-ups de dois em dois meses. Faltam 2 anos para a alta oncológica.

Saímos do hospital perto das 9hs, meu marido vai dali para o Tribunal e eu deixo nossa filha na escola. Vou para o escritório e, no caminho, contato clientes e lhes solicito documentos.

Chego no escritório às 9h45, reviso e-mails, organizo materiais e retomo a defesa em que estou trabalhando. Precisarei alinhar conteúdos com outro colega no turno da tarde. O prazo é hoje.

Meu almoço é um wrap com guaraná. Ligo para casa, organizo como faremos para a sessão de terapia familiar com a mais velha, no final da tarde.

Às 13h30 reunimo-nos para debate, revisão e vinculação de documentos da defesa na Execução do TAC. Há muitos detalhes fáticos e o tema de fundo não é dos mais fáceis.

Não consigo ir na a sessão de terapia, mas meu marido vai com as meninas.

Às 18h45, novamente, entro em aula ao vivo no curso de Pós-Graduação. O tema de hoje é o Contrato Intermitente.

Saio da PUCRS às 22hs, monitoro a finalização da defesa. Tenho excelentes colegas, parceiros experientes e competentes. Cumprimos o prazo, com uma qualidade absurda!

Às 22h30 chego em casa. Meu marido e as meninas estão à mesa, conversando e me esperando. Temos sushi. Meu marido me serve uma taça de espumante. É hora de relaxar.

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