Lucros desproporcionais ao exterior

Clarissa Yokomizo e Martha Termignoni
Valor Econômico
16/08/2018

A possibilidade de distribuição de dividendos desproporcionalmente à participação dos sócios no capital de uma sociedade é incontroversa no direito societário brasileiro. O Código Civil permite tal medida (caso decidida por unanimidade entre os sócios) e a Lei das Sociedades por Ações faculta a criação de diferentes espécies de ações, com dividendos diferenciados aos seus titulares, e consequentemente desproporcionalmente à sua respectiva participação (dividendos majorados para algumas classes de ações preferenciais, por exemplo). Porém, o tratamento tributário conferido à distribuição desproporcional de dividendos e (em menor medida) sua regulamentação pelas normas expedidas pelo Banco Central do Brasil (Bacen) vêm sendo discutidos no cenário jurídico nacional.

Desde 1996, os dividendos não estão sujeitos à incidência de imposto sobre a renda na fonte, nem integram a base de cálculo de tal tributo, seja o sócio domiciliado no Brasil ou no exterior. Contudo, recentemente, o tratamento tributário da distribuição de dividendos desproporcionais tem gerado grande controvérsia, em razão de manifestações de duas autoridades fiscais sobre o tema.

A primeira destas manifestações foi uma decisão proferida pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em 28 de novembro de 2017, apontando que certa distribuição desproporcional de dividendos significara planejamento tributário abusivo, estruturado com o objetivo de disfarçar o pagamento de remuneração de administradores da sociedade e, assim, evitar a cobrança de contribuições previdenciárias. Naquele caso, o órgão julgador questionou a atribuição de dividendos desproporcionais à participação reduzida detida por um sócio, especialmente porque tal sócio era sociedade da qual participavam os administradores da sociedade que distribuíra os dividendos desproporcionais.

A segunda manifestação relevante ao tema foi uma resposta à consulta 398/2012, em que a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo entendeu que, caso o contrato social não estabeleça métrica para a distribuição desproporcional (sendo a proporção da distribuição deliberada anual e livremente pelos sócios), fica caracterizada a doação, com incidência de Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). Contudo, se houver previsão da distribuição desigual no contrato social, já com estipulação do percentual que cada sócio receberá, então não haveria doação a ser tributada.

Além da polêmica em matéria tributária, a discussão sobre a distribuição desproporcional de dividendos diz respeito também à sua remessa para sócios estrangeiros. Isso porque, nos termos da regulamentação vigente, investimentos ingressantes no país e valores remetidos ao exterior em decorrência de tal investimento (dividendos, alienação de participação), deve ser registrado em sistema eletrônico do Bacen.

A Circular Bacen nº 2.997/2000 previa expressamente que a parcela de dividendos distribuída a investidor não residente no Brasil deveria ocorrer na proporção da sua respectiva participação no capital social integralizado da sociedade, exceto em situações específicas amparadas por lei. Logo, não era possível remeter ao exterior dividendos recebidos desproporcionalmente à participação no capital social durante a vigência de tal norma, a qual foi revogada pela Circular Bacen nº 3.491/2010.

Tal norma revogadora também já não está mais vigente, e atualmente o tema é disciplinado pelas Circulares Bacen nº 3.691/2013 e nº 3.689/2013, ambas silentes em relação à limitação de remessa de dividendos à proporção do capital, subscrito ou integralizado.

Com efeito, em recente consulta ao Departamento de Atendimento ao Cidadão do Bacen, confirmou-se não haver qualquer limitação à distribuição desproporcional na regulamentação específica existente em relação a transferências ao exterior a título de dividendos, ou mesmo à necessidade de integralização da participação societária.

Logo, em que pese a intensa regulação aplicável ao tema e as inúmeras reflexões a respeito de políticas públicas e econômicas relacionadas ao fluxo de capitais para o exterior, existe liberdade ampla para a remessa de dividendos desproporcionais para investidores não residentes. Tal liberdade, consolidada nas circulares atualmente em vigor sobre o tema, foi confirmada pelo Bacen em consulta recente e específica sobre a matéria.

Assim, apesar de toda a discussão sobre eventual isenção ou tributação dos dividendos distribuídos desproporcionalmente à participação no capital social, os investidores não residentes no Brasil podem, ao menos, contar com a segurança de que, uma vez recebidos dividendos desproporcionais, não haverá qualquer óbice à sua remessa ao exterior.

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