Novas regras consumeristas locais: precisamos disso?

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Julia Klarmann

Roberta Feiten

5/09/2019 – JOTA

Iniciativas segregadas de legislar o Direito do Consumidor criam mais insegurança jurídica aos fornecedores

Em janeiro deste ano, vimos nascer o primeiro Código de Defesa do Consumidor Estadual do Brasil, sancionado pelo Governo Pernambucano – a Lei nº 16.559. A Lei foi aprovada com o objetivo de regulamentar e especificar, no âmbito do Estado de Pernambuco, as normas consumeristas. Sua entrada em vigor – inicialmente prevista para abril – ocorreu no dia 16 de julho.

A nova legislação – antes mesmo de sua entrada em vigor – já era objeto de duas Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade, em trâmite junto ao Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes. Não por acaso tais impugnações, na medida em que a referida lei traz uma série de obrigações inovadoras em relação ao Código de Defesa do Consumidor Nacional, sem que haja qualquer lacuna na lei federal existente ou qualquer questão local atinente aos consumidores pernambucanos, que justificasse a iniciativa de o estado exercer a sua competência concorrente estabelecida na Constituição Federal.

Os questionamentos a respeito da constitucionalidade da legislação estadual, no entanto, não parecem frear a tendência de legislações consumeristas a nível estadual e municipal – ao menos por enquanto. Prova disso é que em 5 de junho, o Município de São Paulo também passou a contar com uma legislação municipal própria para tratar de questões que envolvam as relações entre consumidores e fornecedores.

Muito embora o Código Municipal possua rol de artigos e obrigações muito menos extensas que aquelas disposto no Código Estadual de Pernambuco, a norma municipal busca dessa forma regular as relações de consumo em que o fornecimento de um produto ou a prestação de um serviço ocorrerem no âmbito da cidade de São Paulo.

Nesse sentido, o Código estabelece condutas consideradas abusivas apenas quando ocorridas na Cidade de São Paulo, apesar de o Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal) estabelecer, em seu artigo 39, quais são as práticas consideradas abusivas em todo o território nacional. Ou seja, o Código Municipal tratou do mesmo tema, incluindo nesse rol, por exemplo, condutas como o não fornecimento de cópia contratual antes da manifestação de anuência do consumidor, a transferência dos custos relativos à cobrança de boletos bancários ao consumidor, o corte de serviço essencial às vésperas de finais de semana e feriados, entre outras – condutas essas, reitere-se, não previstas pela Lei Federal. E aqui, novamente, não há nenhuma questão local atendida visando à proteção específica dos paulistanos, que justificasse a iniciativa de cunho municipal.

Além disso, causou surpresa a inclusão, no Código Municipal, de imposição de recolhimento de emolumentos em casos de reclamações fundamentadas direcionadas ao PROCON Municipal. De acordo com a nova regulamentação, os fornecedores serão obrigados a recolher valores a título de emolumentos de R$300,00 por reclamação atendida e de R$750,00 por reclamação não atendida. Não foi esclarecido, pelo legislador, qual a razão da distinção de valores para reclamações atendidas ou não atendidas, na medida em que o serviço prestado, em ambos os casos, seria o mesmo. Além disto, não se sabe quais critérios foram usados pelo município para chegar ao elevado valor incidente por uma única reclamação, valor este que pode ser próximo ou até maior do que o valor do produto ou do serviço objeto da reclamação. Não se esqueça que a mesma legislação já prevê a aplicação de sanções administrativas, inclusive a multa, para os casos de infração à lei.

Os estabelecimentos de comércio e serviço que atuam na cidade de São Paulo devem se adequar, desde logo, às novas regras e obrigações previstas na legislação municipal, que entrou em vigor na data de sua publicação.

Agora, resta saber se, assim como ocorreu com relação ao Código de Defesa do Consumidor de Pernambuco, serão adotadas medidas para impugnação da constitucionalidade da legislação consumerista municipal de São Paulo, em especial diante de eventuais contrariedades ao disposto na legislação Federal. Além disso, se o judiciário, nos controles difuso e/ou concentrado, vai chancelar tais iniciativas, que, além de, em grande parte, extrapolarem a competência legislativa prevista na Constituição Federal e preverem obrigações irrazoáveis e/ou desproporcionais, geram uma verdadeira confusão na regulação das relações de consumo, em especial para fornecedores com atuação em todo o país. Atuação nacional esta que, a propósito, com o incremento do comércio eletrônico, já não é mais privilégio só dos grandes players do mercado. A partir de iniciativas segregadas de legislar o direito do consumidor, criam-se mais dificuldades operacionais e insegurança jurídica aos fornecedores existentes, sem falar no desestímulo à introdução de novos negócios e operações no mercado. Talvez estejam também esquecendo o sucesso do Código de Defesa do Consumidor federal como instrumento apto a resolver as mais diversas controvérsias a partir da aplicação de seus princípios e normas de proteção.


Julia Klarmann –  Especialistas em Direito do Consumidor.

Roberta Feiten – Especialistas em Direito do Consumidor.

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