O Bônus de Eficiência e o Incentivo aos Autos de Infrações Trabalhistas

Patrícia Mota Alves
Valor Econômico
24/04/2017

Mais uma vez o Governo Federal transfere à iniciativa privada o custo de sua ineficiência. Ao invés de promover iniciativas capazes de estimular o empreendedorismo, o desenvolvimento de empresas e o consequente aumento do nível de emprego, se preocupa em criar artifícios que resultem em aumento da arrecadação. É o caso da Medida Provisória nº 765, que, entre outras disposições, institui o “Programa de Produtividade da Auditoria-Fiscal do Trabalho e o Bônus de Eficiência e Produtividade na Atividade Auditoria-Fiscal do Trabalho, com o objetivo de incrementar a produtividade nas áreas de atuação dos ocupantes” do referido cargo. Nos próximos dias, deverá ser publicado ato que estabelecerá a forma de gestão do Programa, bem como a metodologia para mensuração da produtividade dos auditores, devendo ser fixado também o Índice de Eficiência Institucional.

Em fevereiro, um montante de R$ 3.000,00 mensais passou a ser pago a cada auditor-fiscal do trabalho a título de antecipação por cumprimento de metas, que estará sujeito a ajustes no período subsequente. Vale dizer que esse valor corresponde a aproximadamente 15% da remuneração de cada servidor, querendo parecer, na verdade, um disfarçado aumento de salário.

Ainda que não se saiba as metas que serão fixadas, o art. 15, § 4º da referida Medida Provisória é claro ao estabelecer que o “Bônus de Eficiência e Produtividade na Auditoria-Fiscal do Trabalho será composto por cem por cento das receitas decorrentes de multas pelo descumprimento da legislação trabalhista, incluídos os valores recolhidos, administrativa ou judicialmente, após inscrição na Dívida Ativa da União”. Em outras palavras, quanto maior o número de autos de infração lavrados, tanto maior será a base de cálculo do bônus a ser pago aos auditores-fiscais do trabalho, que beneficiará servidores ativos, inativos e pensionistas.

A par da sua discutível constitucionalidade, na medida em que desvia receitas públicas para a remuneração de servidores, a Medida tem sido bastante criticada quanto à sua finalidade, tendo em vista seu inegável estímulo à autuação de empregadores. Sem dúvida, a criação do bônus incentiva o papel repressor da fiscalização desmedida e sem critério. Atualmente, não é incomum que auditores do trabalho lavrem autos de infração com base em posicionamentos questionáveis (ou pessoais), tais como a legalidade ou não da terceirização de determinada atividade, cabendo às empresas tão somente investir tempo e dinheiro em defesas administrativas e judiciais na tentativa de demonstrar a ilegalidade da autuação.

Com a instituição de premiação vinculada à receita de multas administrativas, é certo que os auditores se sentirão mais estimulados a dar início a fiscalizações com mais frequência, afinal, foi esse o objetivo da criação do Programa. Portanto, as empresas já podem antever como resultado imediato da Medida o aumento no número de fiscalizações. A situação tende a se agravar ainda mais a partir de janeiro de 2018, quando além do incentivo, os auditores-fiscais do trabalho terão à sua disposição o eSocial como ferramenta para a identificação de fatos que possam ser interpretados como irregularidades trabalhistas.

Mais do que isso, é possível imaginar que alguns auditores passarão a atuar de forma mais incisiva, dando prioridade à lavratura de autos de infração ao invés de exercer o seu papel de promover a instrução dos empregadores no cumprimento das leis de proteção do trabalho, conforme estabelece o art. 627 da CLT.

A legislação trabalhista brasileira, além de desatualizada em muitos aspectos, é excessivamente extensa. São mais de 900 artigos na CLT e 36 Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho, sem contar a legislação esparsa e quase 1.300 entendimentos jurisprudenciais apenas do Tribunal Superior do Trabalho, além dos posicionamentos individuais de 24 Tribunais Regionais do Trabalho. A grande quantidade de dispositivos regulando a relação de trabalho – muitos dos quais permite mais de uma interpretação -, aliada ao Programa de Produtividade da Auditoria-Fiscal do Trabalho só pode ter como resultado o aumento desmedido na lavratura de autos de infração pelos servidores do Ministério do Trabalho.

Diante desse cenário, como sempre, resta aos empregadores tão somente tentar alcançar o cumprimento integral da já extensa legislação trabalhista, dialogar com os auditores-fiscais do trabalho com o objetivo de explicar as peculiaridades de cada caso ou negociar prazos razoáveis para a implementação de mudanças e, por fim, recorrer ao Poder Judiciário para discutir a legalidade dos autos de infração. Mais uma vez, as empresas pagarão pela ineficiência do Governo em propor alterações substanciais à legislação trabalhista, mas desta vez o pagamento será curiosamente denominado de bônus de eficiência.

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