O ingresso do Brasil na OCDE e alguns debates fiscais

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Giácomo Paro e Gabriel Stanton
JOTA
08/05/2019

Em maio de 2017 o Brasil formalizou seu requerimento de adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE. Desde então muito se discute sobre as perspectivas de sucesso desse requerimento e das consequências, em várias áreas, do ingresso do Brasil como país membro da OCDE[1].

A OCDE é atualmente composta por 36 países, incluídas nessa lista as principais economias do mundo e alguns países considerados emergentes como Chile, México e Turquia[2].

O Brasil, desde 2012, figura como uma Key Partner, o que lhe permite atuar de maneira ativa em diversos Comitês da OCDE. Além disso, como membro de G20, o Brasil tem também a oportunidade de atuar em diversas iniciativas da OCDE, como ocorreu no contexto do projeto Base Erosion and Profit Shifting (BEPS)[3].

Mais recentemente, com a visita do presidente Jair Bolsonaro aos Estados Unidos da América, pode-se notar um otimismo sobre o ingresso do Brasil na OCDE e o tema voltou à pauta.

Parece haver uma espécie de consenso acerca dos impactos positivos que essa adesão traria ao Brasil, especialmente no que diz respeito ao impulso para a modernização institucional, realização de reformas e atração de investimento estrangeiro[4].

O requerimento formal de adesão, no entanto, é apenas o primeiro ato de um longo processo de acessão, que somente prossegue com a aceitação do requerimento formal. Um resumo do passo a passo desse processo pode ser encontrado no site do Ministério da Economia[5]. Vejamos:

1. Início de negociações por meio de convite proveniente da OCDE ou pedido de candidatura à OCDE;

2. Documento “Accession Roadmap”. A OCDE estabelece os termos para adesão, específicos para cada país;

3. Documento “Memorando Inicial” do país-candidato com seu posicionamento sobre os 250 instrumentos legais da OCDE;

4. Revisões técnicas pela OCDE e encontros com representantes do país-candidato;

5. Decisão final, por unanimidade, pelo Conselho da OCDE;

6. Assinatura do Acordo de Adesão à Convenção da OCDE;

7. Aprovação pelo Congresso Nacional e Ratificação do Acordo; e

8. Depósito do Acordo de Adesão (efetivação da filiação junto à OCDE).

Como se pode ver pelas etapas acima descritas, uma vez aceito o requerimento de adesão, haverá a oportunidade para que sejam debatidas a legislação brasileira e a interpretação adotada pelas autoridades brasileiras em relação a temas variados, entre eles tributação.

Nesse contexto, pontos como a legislação de preços de transferência, a interpretação adotada em relação à aplicação dos Acordos para Evitar Dupla Tributação (ADT) e a tributação de bens e serviços estarão provavelmente na pauta. Vejamos.

Em relação a preços de transferência, sabe-se que a legislação tributária do Brasil é substancialmente diferente das diretrizes da OCDE[6]. De um lado, o Brasil adotou critérios objetivos para controlar preços praticados entre partes vinculadas, a fim de impedir a transferência artificial de lucros. Em outras palavras, o sistema doméstico estipulou margens fixas de lucro, o que (em tese) tende a simplificar tanto a atividade de fiscalização pela Receita Federal, quanto o compliance por parte dos contribuintes.

De outro lado, as diretrizes da OCDE são baseadas em critérios subjetivos para fixação de margem de lucro e apresentam uma variedade maior de métodos de aplicação, com o objetivo de melhor promover o princípio arm’s length

Em prol da aproximação das regras locais às diretrizes da OCDE, certamente haverá a demanda por uma uniformidade em relação ao tema, a busca por padrão internacional tendente a evitar a bitributação e, consequentemente, maior atratividade para o País receber investimentos estrangeiros. A adoção das diretrizes da OCDE em relação aos preços de transferência (em detrimento do modelo atualmente adotado pelo Brasil), entretanto, não é uma unanimidade entre aqueles que se dedicam ao estudo do tema.

No que diz respeito aos ADTs, o Brasil vem utilizando a Convenção Modelo da OCDE (CM-OCDE) como base para os acordos dos quais é signatário, sem, no entanto, adotá-la integralmente.

A exemplo disso, o Brasil preferiu dar aos royalties tratamento para que também pudessem ser tributados no Estado da Fonte, aproximando-se da redação do art. 12 da CM-ONU e distanciando-se do posicionamento da CM-OCDE, que privilegia a tributação pelo Estado da Residência.

Também vale mencionar como ponto de atenção a tributação de bens e serviços. A OCDE tem dedicado mais atenção ao Imposto sobre valor Agregado (IVA). Nas diretrizes de abril de 2017, afirmou que busca estabelecer um padrão em relação ao tratamento tributário nas operações mais frequentes, com objetivo de minimizar as inconsistências na aplicação do IVA, reduzindo as incertezas em relação a ele e diminuindo os riscos de dupla tributação e dupla não tributação[7].

No Brasil, os inúmeros e peculiares debates sobre se determinada operação está sujeita ao ICMS ou ao ISS (por vezes, a nenhum tributo) reforçam a insegurança jurídica e podem catalisar a pressão para que haja modificações no sistema tributário local, de modo a aproximá-lo das diretrizes da OCDE. Vale notar que propostas de reforma tributária atualmente em debate são no sentido de instituir um tributo único sobre bens e serviços.

Por certo, o Brasil ainda tem um longo caminho para que passe a ser membro da OCDE. Em sendo dado seguimento a esse procedimento, o sistema tributário local certamente será objeto de grande discussão, com a possibilidade de passarmos por alterações em diversos temas, entre eles os mencionados acima.

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[1] Cite-se a título de exemplo: http://jornalri.com.br/artigos/o-ingresso-do-brasil-na-ocde e https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2017/Os-trope%C3%A7os-no-caminho-do-Brasil-rumo-%C3%A0-OCDE e Por que o Brasil está certo ao buscar adesão à OCDE. Matéria de Oliver Stuenkel, publicada no El País Brasil na edição de 09/05/2017.

[2] http://www.oecd.org/about/membersandpartners/

[3] http://www.oecd.org/latin-america/countries/brazil/#d.en.352161

[4] Cite-se a título de exemplo:Proposta traz ganhos, mas adesão parece rápida demais. Matéria de Assis Moreira, publicada no Valor Econômico na edição de 20/03/2019. Para diretor da OMC, Brasil participaria da gestão de acordos na OCDE. Matéria de Marta Watanabe, publicada no Valor Econômico na edição de 21/03/2019.

[5] http://www.fazenda.gov.br/assuntos/atuacao-internacional/cooperacao-internacional/ocde

[6] Nesse sentido, vide documento disponibilizado no endereço eletrônico http://www.oecd.org/tax/transfer-pricing/transfer-pricing-country-profile-brazil.pdf, no qual a OCDE faz um comparativo entre a legislação brasileira e suas diretrizes.

[7] https://read.oecd-ilibrary.org/taxation/international-vat-gst-guidelines_9789264271401-en#page5

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