Primeiras impressões sobre a CBS: aumento da carga tributária, inconstitucionalidades…

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Henry Lummertz

24/07/20 – ESTADÃO

 

Apesar de a exposição de motivos do Projeto de Lei nº 3.887/2020, que institui a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços – CBS, afirmar expressamente que “a nova contribuição não objetiva gerar aumento de arrecadação em relação aos níveis atuais”, a análise do texto proposto pelo Governo Federal conduz a uma conclusão distinta, revelando, ainda, pontos que são duvidosa constitucionalidade.

O primeiro ponto que salta aos olhos é o aumento da carga tributária decorrência da adoção de uma alíquota de 12%, em comparação à alíquota combinada do PIS e da COFINS que, em regra, é de 9,25%.

Uma das justificativas para a elevação da alíquota seria o “creditamento amplo”. Ocorre que, pelo menos em relação a alguns setores, essa justificativa não faz sentido. É o caso, por exemplo, dos prestadores de serviços, em relação aos quais o maior custo é o da folha de salários, que não dará direito a crédito para o cálculo da CBS. Assim, para as empresas que prestam serviços, que, em sua maioria, recolhem o PIS e a COFINS na sistemática cumulativa, a uma alíquota combinada de 3,65%, o “creditamento amplo” nem de perto compensará o aumento da alíquota para 12%.

Outra justificativa para a elevação da alíquota é a exclusão dos tributos sobre consumo da base de cálculo da CBS. Aqui, no entanto, não se está reduzindo a base de cálculo da CBS em relação ao PIS e a COFINS. De fato, pelo menos em relação ao ICMS, o STF já reconheceu que essa inclusão é indevida, de modo que tais valores já não podiam ser incluídos na base de cálculo do PIS e da COFINS. Assim, não se está incluindo na base de cálculo da CBS valores que já não podiam ser incluídos na base de cálculo do PIS e da COFINS.

Além disso, para aquelas pessoas jurídicas que hoje recolhem o PIS e COFINS sobre a sistemática cumulativa, haverá um aumento do custo do cumprimento de obrigações acessórias, já que elas passarão a ter que apurar os créditos de CBS passíveis de compensação com a contribuição por elas devida, ao invés de apenas apurar a base de cálculo das contribuições.

Outro exemplo de aumento de carga tributária é a elevação da alíquota da CBS incidente na importação. A alíquota combinada do PIS-Importação e da COFINS-Importação é de 11,75%, na importação de bens estrangeiros, e de 9,25%, em relação aos serviços provenientes do exterior. A alíquota da CBS incidente na importação será de 12%. Nesse caso, a justificativa de que o aumento de alíquota seria compensado por um pretenso aumento no valor dos créditos tomados novamente não faz sentido, pois, evidentemente, o exportador ou o prestador do serviço no estrangeiro não tomarão qualquer crédito de CBS. Não bastasse isso, o fato gerador da contribuição foi ampliado, passando a incluir a cessão e o licenciamento de direitos, inclusive intangíveis, que não estão sujeitos à incidência do PIS-Importação e da COFINS-Importação. Ou seja, cobra-se uma alíquota maior, sobre uma base de cálculo mais ampla e sem qualquer crédito. E, se a justificativa é manter a mesma alíquota aplicada nas operações internas, é bom lembrar que o mesmo resultado seria obtido reduzindo a alíquota interna, não apenas com a elevando da alíquota da contribuição cobrada nas importações.

Diga-se, aliás, que a inclusão da cessão e do licenciamento de direitos, inclusive intangíveis, no fato gerador da CBS incidente na importação é de constitucionalidade duvidosa. Isso porque o STF, ao examinar a constitucionalidade da base de cálculo do PIS-Importação e da COFINS-Importação, já decidiu que o legislador, ao definir os elementos da contribuição incidente na importação, deve obedecer os limites da hipótese de incidência definida pela Constituição, que prevê a incidência da contribuição apenas sobre “a importação de produtos estrangeiros ou serviços”.

No que tange à não cumulatividade, a CBS adotará uma sistemática de tributo contra tributo, podendo o contribuinte considerar no cálculo da CBS por ele devida créditos correspondentes à CBS paga em operações anteriores e destacadas no documento fiscal. Abandona-se a sistemática de não cumulatividade adotada em relação ao PIS e à COFINS e se adota uma sistemática semelhante àquela do ICMS e do IPI. Embora a atual sistemática de não cumulatividade do PIS e da COFINS seja efetivamente bastante complexa, deve-se recordar que a sistemática de não cumulatividade adotada em relação ao ICMS e ao IPI não está infensa a complexidades e dúvidas e tampouco evita o surgimento de litígios, como demonstram as inúmeras discussões acerca do direito a créditos de ICMS e de IPI que povoam as cortes administrativas e o Poder Judiciário.

Outra questão constitucional que se colocará é o tratamento diferenciado dispensado às instituições financeiras e outras entidades, que recolherão a CBS a uma alíquota menor, sem direito ao crédito. A justificativa apresentada pelo Governo Federal para esse tratamento diferenciado foram as “especificidades que dificultam a tributação do valor adicionado em cada operação”. Ocorre que a CBS está sendo instituída com fundamento na hipótese de incidência relativa à contribuição previdenciária incidente sobre “a receita ou o faturamento” — a instituição de uma contribuição sobre o valor adicionado demandaria a edição de lei complementar, por não se encaixar em qualquer das hipóteses de incidência previstas na Constituição Federal —. Assim, do ponto de vista do princípio da isonomia, o discrímen que permitiria um tratamento diferenciado a tais entidades seria aquele relativo à dificuldade de se apurar sua receita bruta. Mas essa dificuldade não é mencionada pelo Projeto de Lei. E, a rigor, não existe, na medida em que a receita bruta dessas entidades é apurada para fins de cálculo de outros tributos, como o IRPJ e a CSLL. À mingua de uma diferença que efetivamente justifique o tratamento diferenciado, vislumbra-se violação do princípio da isonomia.

Mas nem tudo é negativo na CBS. Um ponto positivo é o reconhecimento expresso de que o valor do ICMS, do ISSQN e da própria CBS não integram a base de cálculo da nova contribuição. A previsão, a rigor, pelo menos em relação ao ICMS, é desnecessária, na medida em que, como se viu, o STF já reconheceu que o ICMS não integra a receita, que corresponde à hipótese de incidência também da CBS e, em consequência, não poderia, de qualquer forma, integrar sua base de cálculo. Mas a previsão expressa serve para refrear as tentativas da Receita Federal de incluir os valores relativos ao ICMS, ao ISSQN e à própria CBS na base de cálculo da nova contribuição. Ainda nesse ponto, há a previsão expressa de que o ICMS e o ISSQN são aqueles destacados nos documentos fiscais, e não aquele recolhido pelo contribuinte no final do período de apuração, como atualmente sustenta a Receita Federal em relação ao PIS e à COFINS.

Enfim, esses são apenas alguns pontos que se destacam em uma primeira análise do texto do Projeto de Lei nº 3.887/2020. Sem dúvida, o Congresso Nacional terá um intenso trabalho na tramitação do Projeto de Lei e a sociedade civil não pode ficar de fora das discussões que com certeza serão travadas durante o processo legislativo.[:]

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