A era da disrupção e o direito da empresa em crise

Rodrigo Tellechea
Jota
13/03/2018

 

O mercado jurídico precisa se reinventar, ser menos conservador e mais empreendedor

O século XXI caracteriza-se como a era da disrupção. Conceitos jurídicos estáticos e certezas empresariais absolutas têm sido constantemente postos em xeque pela implacável metamorfose promovida pela inovação, pela tecnologia e pela economia compartilhada. A estrutura tradicional dos negócios está sofrendo substanciais alterações a partir de novas perspectivas e paradigmas com sérias e imprevisíveis consequências para a área jurídica empresarial.

Uma faceta relevante dessas mudanças estende seus efeitos ao direito da empresa em crise. Os regimes jurídicos da recuperação judicial, extrajudicial e da falência – tal qual os conhecemos atualmente – foram concebidos com base na necessidade de preservar a atividade econômica explorada pelo empresário (seu titular), com base na premissa de que empresas dependem de incentivos legais e institucionais para enfrentar situações de crise econômico-financeiras.

Todavia, a atualidade desses pressupostos precisa ser questionada no ecossistema inovador em que estamos inseridos. Segundo dados de mercado, 8 entre as 10 maiores empresas do mundo pertencem ao segmento de tecnologia, sendo que grande parte delas sequer existia na última década. Empreendimentos como Uber, Airbnb, Facebook, Amazon, Waze não contabilizam ativos tradicionais de alto valor agregado, tais como maquinários, imóveis, estoque, entre tantos outros.

Não é isso que lhes outorga valor segundo a voz do mercado. Suas maiores vantagens empresariais estão, direta ou indiretamente, relacionadas à sua capacidade exponencial de desenvolver softwares que se comunicam de maneira natural com o usuário, de escalar soluções práticas para problemas complexos, de criar algoritmos e ferramentas de busca precisos, de conceber sistemas de alta segurança de dados e informações, além da coragem de discutir sua missão e seu propósito e dedicar tempo para captar, treinar e gerenciar talentos.

Em mercados altamente competitivos como o tecnológico, a inércia empresarial, a soberba das conquistas ou o mínimo atraso na atualização e/ou na descoberta de novos segmentos de atuação e nichos de mercado pode representar o fracasso de uma trajetória de sucesso. Os empreendedores modernos não têm o direito de cochilar, de se acomodar em torno dos seus trunfos, sob pena de serem atropelados por um bando de unicórnios selvagens (nome dado às startups com escalabilidade e alto impacto) apátridas por natureza.

Sabe-se que a existência de leis que regulam a crise empresarial justifica-se na medida em que os ativos especializados de um determinado negócio têm maior valor econômico se estiverem organizados sob a liderança de um empresário competente do que se forem individualmente considerados e aleatoriamente distribuídos ao mercado. Contudo, presenciamos o crescimento de uma nova geração de organizações que se expandem e criam valor de maneira exponencial por meio da tecnologia, sem a necessidade de utilizar os ativos tradicionais de uma grande corporação.

Dito de outra forma, o ponto que se quer destacar aqui diz respeito à (in)eficiência dos remédios jurídicos da recuperação judicial ou extrajudicial e da falência para empresas, cujos ativos são essencialmente intangíveis e a velocidade da sua deterioração tecnológica é incomparável à efetividade das soluções legais.

Em segmentos de alto impacto, a preservação da empresa (como atividade ou do seu going concern value) tende a se dar por meio de soluções materializadas pela troca de posições de controle por meio de operações de fusões e aquisições, enquanto que a falência tende a ocorrer por meio do simples encerramento das atividades (muitas vezes por inanição), a partir da perda de competitividade e do obsoletismo dos produtos e serviços ofertados ao mercado (veja-se, por exemplo, os casos da Kodak e da Nokia), com pequena margem para liquidação de ativos e pagamento dos credores.

É ingenuidade acreditar que um sistema parcial de negociação coletiva tal qual previsto na Lei 11.101/05, materializado por meio de um moroso processo judicial e de um plano de recuperação com medidas recuperatórias paliativas (e.g. concessão de prazos estendidos para pagamento da dívida, renegociação de juros/encargos, aplicação de deságios e a transferência de unidades produtivas isoladas para terceiros interessados) seja solução adequada para recuperar empresas em crise em mercados altamente complexos, cujos players buscam revolucionar o modo de vida da civilização moderna.

O mercado jurídico precisa se reinventar, ser menos conservador e mais empreendedor na maneira de se adaptar às mudanças tecnológicas. No contexto das empresas em crise, é imperioso repensar a estrutura dos regimes jurídicos existentes e questionar sua capacidade de lidar com empresas de tecnologia de alto impacto vis a vis seus custos de transação. As lentes da inovação, da destruição criativa e da tecnologia hão de desinfetar o mar de burocracia, de corporativismo e de ineficiência que insistem em imperar nos atuais remédios legais para a superação da crise empresarial, especialmente no Brasil.

Sou assinante
Sou assinante