Nova lei de migração tem caráter modernizante, mas enfrenta burocracia

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Lorena Santos e Flávio Sirangelo
Estadão
31/01/2019

A vinda de visitantes e imigrantes ao Brasil era regulamentada, até pouco tempo, pelo Estatuto do Estrangeiro (Lei n.º 6.815/1980). Em 2017, foi promulgada a Lei de Migração (Lei n.º 13.445/2017), que dispõe sobre os direitos e os deveres do migrante e do visitante, regula a sua entrada e estada no País e estabelece princípios e diretrizes para as políticas públicas para o emigrante.

A “nova” lei, como se vê, não versa apenas sobre direitos e deveres dos estrangeiros que estão em território nacional como visitantes ou imigrantes, como fazia o antigo Estatuto, mas também alcança a situação dos brasileiros que saem de forma temporária ou definitiva do Brasil (emigrantes), dos residentes fronteiriços e dos apátridas.

Vale lembrar que o revogado Estatuto do Estrangeiro foi editado ainda na fase do regime autoritário, numa época em que havia uma preponderância do tema da segurança nacional e os estrangeiros eram vistos como uma potencial ameaça aos interesses do país, inclusive ao mercado de trabalho brasileiro.

Tanto é assim que o objetivo da lei era atender “precipuamente à segurança nacional, à organização institucional, aos interesses políticos, sócio econômicos e culturais do Brasil, bem assim à defesa do trabalhador nacional”.

Uma nova legislação migratória fez-se necessária para se adequar à Constituição de 1988. O foco da Lei de Migração, portanto, está nos direitos e garantias dos migrantes, sem, obviamente, deixar de lado a questão da segurança nacional. Assim, tendo por princípio a universalidade dos direitos humanos, foram estendidas aos estrangeiros as garantias fundamentais do artigo 5.º da Constituição, assegurando-lhes o acesso a serviços públicos, tais como saúde e previdência social, sendo vedada qualquer forma de discriminação com base no critério de nacionalidade.

Vale notar, a propósito, que a Defensoria Pública da União (DPU) chegou a ingressar em Juízo e obteve decisão favorável no final de 2018 para suspender a eficácia de ato normativo do governo que restringia o exercício de direitos relacionados aos benefícios previdenciários, tais como o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social – BPC/LOAS, apenas a detentores da nacionalidade brasileira ou portuguesa. Assim, foi determinado que o INSS se abstenha de indeferir pedidos assistenciais exclusivamente por motivo de nacionalidade do requerente.

Dentre as mudanças simplificadoras da Lei de Migração, foi suprimido o visto permanente que, até a mudança legislativa, era concedido, por exemplo, aos estrangeiros que vinham ao Brasil para trabalho sem vínculo empregatício, como para o exercício de cargos de direção de empresas. Com a atual legislação, os estrangeiros que vierem ao Brasil para trabalho – com ou sem vínculo empregatício – podem requerer o visto temporário, ainda que seja para exercer cargo com poderes de mando em empresa e organizações.

Mesmo assim, subsiste algum excesso de burocracia, sendo exigido, por exemplo, um pedido de autorização de residência que é usualmente o procedimento prévio e necessário para a concessão de alguns tipos de visto, tais como o citado visto temporário. Esse tipo de visto abrange o maior número de hipóteses de vinda ao brasil e é utilizado por profissionais das áreas de educação, pesquisa, tratamentos de saúde, acolhida humanitária, atividades religiosas, serviço voluntário e para a prestação de trabalho em geral.

Segundo dados divulgados pelo até então Ministério do Trabalho, em 2018 foram recebidos 30 mil pedidos de autorização de residência a imigrantes, com arrecadação de 4,8 milhões de reais – o que serve para mostrar que a burocracia não deixa de ostentar um certo viés arrecadatório.

O fato é que, se por um lado a nova legislação migratória representou um grande passo à frente ao estender aos migrantes direitos e garantias previstas constitucionalmente aos brasileiros, por outro, não se pode dizer que os aspectos práticos da requisição e obtenção da autorização de residência e visto foram simplificados ou acelerados.

Tudo isso ocorre porque procedimentos tais como a obtenção de autorização de residência e de visto ficam à mercê de atos regulamentares por parte do Conselho Nacional de Imigração (CNIg), repetindo-se o cenário de excesso de normas que havia no tempo do antigo Estatuto do Estrangeiro. Mesmo após decorrido um ano da vigência da Lei de Migração, seguem sendo editadas Resoluções Normativas do CNIg a fim de cobrir as diversas lacunas da lei e garantir a eficácia de suas previsões. Atualmente há 35 Resoluções Normativas do CNIg editadas.

É de se esperar, portanto, que o caráter simplificador e modernizante da nova Lei de Migrações não venha a ser afetado ou comprometido pelos emaranhados de normas infralegais e pelo excesso de burocracia.

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