A Espanha inspira o Brasil?

Denise Fincato
DCI
07-08-2017

A grande lição é que somente reformas trabalhistas não criam empregos

– A reforma trabalhista do governo do presidente Michel Temer (PMDB) citava alguns países como paradigmas, entre eles a Espanha, que tem grandes diferenças com o Brasil em sua evolução legislativo-trabalhista.

A Constituição Espanhola de 1978 é pós-franquista e refere ser a Espanha um estado “social e democrático de direito”, o que inspirou o Estatuto dos Trabalhadores de 1980, reformado já no ano de 1994.

À Constituição da Espanha seguiram-se dezenas de outras reformas na legislação, que observaram necessidades de alinhamento ao mercado internacional, reação às ondas de crises econômicas e atenção às pressões da União Europeia.

Por isso, o conteúdo atual da Constituição Espanhola pouco guarda do original.

Das reformas espanholas contemporâneas, destaca-se a de 2010 (Jose Luis Rodriguez Zapatero – PSOE), com tramitação muito similar à que presenciamos no Brasil dos últimos meses.

À proposta governista foram incorporadas dezenas de acréscimos pelo legislativo, tornando-a mais profunda e abrangente, e a reforma de 2012 (no governo de Mariano Rajoy – Partido Popular), que foi ainda mais transformadora, enfrentando uma onda de questionamentos constitucionais, todos superados pelo Tribunal Constitucional Espanhol.

As reformas mantiveram limitadores constitucionais, mas lhes deram uma leitura solidária (promover o bem de muitos, mesmo diante de sacrifícios individuais).

Uma grande lição que se tira da Espanha é que reformas trabalhistas isoladamente não são causa, tampouco solução, para as crises econômicas e que a retomada do mercado de trabalho não é algo mágico ou imediato, dependendo de uma série de outros alinhamentos (fiscais, previdenciários e até políticos).

Em 2012, a Espanha contabilizava 26% de desempregados e somente a partir de 2015 pôde ver uma gradual retomada da economia, fechando 2016 com o índice de 19% de desempregados, em escala descendente, com projeção de 16% para o ano de 2017.

A Espanha dos dias atuais já inicia diálogos no sentido de retomar algumas bases alteradas nas últimas reformas trabalhistas, dado o novo platô relacional a que conseguiram chegar.

O emprego espanhol mudou, o que não se deve apenas às reformas, mas à própria evolução do trabalho humano, impactado pelas inovações da tecnologia, globalização e pelos movimentos migratórios (inclusive de refugiados).

Na Espanha, a capacitação profissional é alvo de políticas públicas e imprescindível à recolocação laboral em um cenário de trabalho transnacional e automatizado.

Ao mostrar que é salutar fazer com que a legislação acompanhe a evolução de seu povo e de que é necessário persistir em um projeto, mesmo diante da alternância partidária no poder, a Espanha serve-nos de modelo. E deve inspirar-nos.

O Brasil precisa amadurecer, iniciar com seriedade a tarefa complexa de superação de sua crise, criando know how para as próximas ondas de dificuldades financeiras e estabelecendo a era da coesão, o que levará à superação de miopias ideológicas e propiciará efetivas “relações” de trabalho, pois, somente relacionamentos harmônicos e flexíveis sobrevivem às intempéries e mudanças, naturais à vida em sociedade.

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