A lei dos distratos trouxe mais segurança jurídica?

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Fábio Baldissera, Guilherme Proto e Julia Klarmann
JOTA
30/06/2019

O aumento dos lançamentos de empreendimentos imobiliários tem reaquecido o mercado da construção civil. É nesse contexto que entendemos que a Lei n.º 13.786/18, publicada em 28.12.2018, conhecida como “Lei dos Distratos”, trouxe mais segurança jurídica aos negócios de incorporação imobiliária a empresários e adquirentes, ao abordar questões relativas à resolução dos contratos que objetivam a promessa de venda e compra de “imóveis na planta”.

Além disso, aos nossos olhos, referida Lei reforça o direito à informação e transparência do consumidor, ao elencar este assunto e outros como obrigatórios de inserção num quadro resumo do contrato de aquisição do imóvel.

No que tange às “consequências do desfazimento do negócio”, a Lei n.º 13.786/18 previu diferentes consequências às hipóteses de desfazimento pela responsabilidade quanto à sua ocorrência, seja por culpa do incorporador, seja por culpa do adquirente.

Quando o incorporador não cumpre sua obrigação de entrega do imóvel no prazo acordado em contrato, uma vez ultrapassado o prazo legal de tolerância de 180 dias, é facultado ao adquirente optar entre: (i) resolver o contrato, hipótese na qual o incorporador deverá devolver todos os valores pagos, inclusive aqueles que foram pagos a título de comissão de corretagem, caso a corretagem tenha sido paga pelo adquirente; ou, (ii) receber uma multa mensal indenizatória no valor de 1% sobre os valores pagos.

De outro lado, o adquirente que vier a se tornar inadimplente fica sujeito a uma penalidade que pode ser precificada, para incorporações não submetidas ao patrimônio de afetação, em até 25% sobre os valores pagos, descontados a comissão de corretagem e outras despesas incorridas pelo incorporador. A penalidade alcançará o percentual de até 50%, nas incorporações submetidas ao patrimônio de afetação, instituto que confere segurança à incorporação imobiliária, ao segregar o patrimônio do incorporador e aquele destinado à incorporação, assegurando que os valores pagos pelos adquirentes sejam destinados à consecução o empreendimento.

Tal diferenciação, na nossa opinião, demonstra o claro objetivo do legislador de privilegiar a adoção do patrimônio de afetação, de forma a proteger o adquirente e a execução do empreendimento como um todo.

Saliente-se que nas hipóteses de empreendimentos com regime de patrimônio de afetação, o pagamento dos valores a serem devolvidos ao adquirente inadimplente será realizado após a conclusão das obras, o qual deverá ocorrer no prazo máximo de 30 dias após a emissão do habite-se ou documento análogo expedido pelo município. Isso porque o legislador sabiamente protegeu a massa de adquirentes adimplentes em face do adquirente inadimplente, o qual se desconecta daquele grupo maior de adquirentes que viabilizou a consecução desse negócio. Nas incorporações sem patrimônio de afetação, esse prazo de pagamento diminui para 180 dias contados do desfazimento do negócio.

Além disso, cabe nosso alerta ao empresário incorporador, quanto às consequências das novas regras de devolução dos valores pagos pelos adquirentes inadimplentes. Em especial, sugere-se a revisão de normas operacionais internas, tais como aquelas relacionadas ao fluxo de caixa e à busca de fontes alternativas de recursos, de modo a suprir a necessidade de capital de giro. Ditas medidas decorrem da precificação do valor a ser devolvido ao adquirente em caso de resolução do contrato e do prazo para o seu pagamento, ambos fixados pela Lei nº 13.786/18. Esses parâmetros, objetivamente previstos em lei, já podem implicar na criação de um marco orçamentário para a injeção de capital no projeto, mesmo na expectativa de que o volume de casos de inadimplência dos adquirentes diminua sensivelmente.

Outra inovação trazida pela Lei n. º 13.786/18 diz respeito à isenção da penalidade de retenção de valores pagos pelo adquirente inadimplente, em caso de revenda do imóvel no prazo de 30 dias contados do desfazimento do contrato – o que, a nosso entender, é provável acontecer num cenário econômico mais favorável.

Aliás, se adquirente inadimplente encontrar um novo adquirente para o imóvel, observadas as regras contratuais, pode vir a lucrar com a cessão de direitos e obrigações do contrato e escapar da penalidade imposta em razão de sua inadimplência.

Já se o cenário econômico não for favorável, o adquirente deverá arcar com as penalidades e, de outro lado, o incorporador carregará o imóvel em seu estoque até que as condições econômicas melhorem, arcando com as respectivas despesas e, num pior caso, será obrigado a reduzir o seu preço de venda, acarretando maior prejuízo.

Nossa percepção é que essa configuração buscou tornar a relação de consumo mais equilibrada, ainda que grande parte do ônus tenha recaído no incorporador. Dessa forma, parece-nos que não há espaço ao abrandamento da aplicação da Lei por parte do Judiciário em favor do adquirente, sob pena do negócio da incorporação como um todo ser colocado em risco.

Note-se, ainda, que a Lei em questão apresenta a possibilidade expressa do exercício do direito de arrependimento por parte do adquirente, nos casos em que a venda ocorrer nos estandes de venda e fora da sede do incorporador. O prazo para o exercício do direito de arrependimento é idêntico ao previsto no Código de Defesa do Consumidor, ou seja, de 07 dias, contados da assinatura do contrato.

Essa transposição do direito de arrependimento da legislação consumerista para a legislação imobiliária parece caminhar na contramão da própria jurisprudência e do correto entendimento das relações jurídicas da incorporação imobiliária.

De outro lado, importante ressaltar o nosso entendimento de que a Lei 13.678/2018 perdeu excelente oportunidade para distinguir o adquirente investidor do adquirente consumidor, fato que já tinha sido, inclusive, bem analisado por decisões judiciais proferidas pelos Tribunais de Justiça do Estado de São Paulo e do Rio de Janeiro.

A nova normativa teria caminhado de forma acertada se estabelecesse de forma clara, quais os dispositivos da norma se aplicariam às relações de consumo e quais seriam aplicáveis às relações entre incorporadoras e investidores. Assim, ganharíamos em equidade e segurança jurídica, na medida em que não haveria dúvidas sobre a incidência ou não do direito de arrependimento previsto no Código de Defesa do Consumidor a esse tipo de contratação.

Por fim, no que diz respeito à influência consumerista na nova legislação, veja-se que há menção expressa sobre a necessidade de redação em destaque de cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor. Nesse sentido, é importante que o incorporador tenha em mente que o Superior Tribunal de Justiça já expressou entendimento, em alguns casos, de que a mera inclusão de negrito em tais cláusulas não é suficiente caracterizar o efetivo destaque.

É nessa conjectura que se observa no mercado imobiliário o sensível aumento das buscas por novos terrenos para futura e próxima construção de edificações e venda de “imóveis na planta” – sinal de que os empresários acreditam num cenário econômico mais estável e com maior segurança jurídica para os próximos anos a partir da entrada em vigor da Lei n. º 13.786/18, e sinal de que os adquirentes e investidores compartilham do mesmo sentimento, pois são as vendas que impulsionam o giro de capital do mercado.

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