Bens no exterior: tributar ou não tributar? Eis a questão
No último dia 23, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou a discussão da possibilidade de os Estados cobrarem o imposto de transmissão incidente sobre doação e herança (ITCMD) quando diante de doador domiciliado no exterior, abarcando indiretamente ainda situações nas quais o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior (RE nº 851.108/SP). O impasse está no fato de que o texto constitucional, nestas situações, exige expressamente a regulamentação por meio de Lei Complementar, o que ainda não ocorreu no âmbito do Congresso Nacional.
De outro lado, o Estado de São Paulo, que figura como parte no recurso em julgamento, busca o reconhecimento da competência legislativa plena sobre o tributo, também prevista na Constituição Federal, circunstância que legitimaria a cobrança tributária. O processo, que chegou ao STF nos idos de 2014, teve reconhecida a repercussão geral por unanimidade no ano seguinte, inclusive contando com manifestação da Procuradoria-Geral de Justiça em sentido oposto aos interesses do Fisco.
Nessa sessão virtual, o Ministro Dias Toffoli, relator do recurso, votou contra a possibilidade de tributação, “visto que os estados não dispõem de competência tributária para suprir a ausência de lei complementar nacional exigida pelo art. 155, § 1º, inciso III, CF”. Em contrapartida, considerando o impacto da decisão sobre os cofres estaduais, propôs a modulação dos seus efeitos para incidência “apenas quanto aos fatos geradores que venham a ocorrer a partir da publicação do presente acórdão”. O Ministro Luiz Edson Fachin acompanhou o relator e o Ministro Alexandre de Morais pediu vista.
Ainda que a questão jurídica que se coloca ao STF seja decorrente de haver autorização constitucional plena ou não para legislar sobre a matéria, quer nos parecer que o debate sobre a instituição do referido imposto sobre as situações previstas no inciso III do parágrafo 1º do artigo 155 da Constituição Federal – doador domiciliado no exterior, ou nos casos em que o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior – devem levar em conta que as jurisdições estrangeiras envolvidas nesses casos também têm, quiçá até mais, elementos de conexão que lhes autorizem a cobrança de tributos sobre os eventos de doação, quando o doador é lá domiciliado, ou de sucessão, quando os bens herdados estiverem no exterior ou o de cujus ter residência ou processar seu inventário no exterior. Mutatis mutandi, caso a legislação tributária brasileira fosse espelhada nas jurisdições estrangeiras, haveria uma clara bitributação, já que haveria a tributação no domicílio do doador ou do de cujus, e no domicílio do donatário ou sucessor.
Portanto, entendemos que, caso o voto do relator venha a prevalecer e que Lei Complementar venha futuramente a regular a matéria, é imprescindível que se prevejam mecanismos para se evitar a dupla incidência tributária sobre os mesmos fatos jurídicos, ainda que em jurisdições diferentes.