Caso 123Milhas: a eficiência do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor

Caso 123Milhas: a eficiência do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor

Cooperação de tribunais em ações similares pode trazer mais eficiência e segurança jurídica para consumidores

Roberta Feiten, sócia de Souto Correa na área de Consumidor e Product Liability

Recentemente, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) celebrou termos de cooperação com outros tribunais, dentre eles o do Rio de Janeiro, da Paraíba, do Mato Grosso, de Rondônia e do Paraná, visando a reunião de Ações Civis Públicas (ACP), potenciais ou já propostas, contra o grupo empresarial 123Milhas. O objetivo é que todas as ações tramitem juntas na 15ª Vara Cível de Belo Horizonte, onde também é processada a recuperação judicial.

As referidas ações foram propostas por sedes regionais da Defensoria Pública,  Procon e do Ministério Público, em decorrência do anúncio feito pela empresa de que não seriam emitidas as passagens promocionais já pagas pelos consumidores. Alguns consumidores tinham a expectativa de viajar ainda em 2023. Nas ações, buscam-se desde a condenação da empresa ao cumprimento de obrigações contraídas junto aos consumidores, sob pena de multa, até indenizações por danos morais e materiais individuais e coletivos, havendo também pedidos liminares, de cautelar de arresto e bloqueio de valores envolvidos.

A cooperação vista neste movimento é justificada pelo Tribunal de Minas Gerais com base na celeridade e segurança jurídica propiciadas pela reunião das ações. A medida tem amparo no Código de Processo Civil (CPC), que prevê a conexão e o julgamento pelo juízo prevento entre ações com pedido ou causa de pedir comuns, e a continência quando o pedido de uma ação for mais amplo e, portanto, abranger os demais. Também tem respaldo na cooperação nacional prevista no código processual civil, em capítulo específico inaugurado no CPC de 2015, que incumbe aos órgãos do Poder Judiciário, estadual ou federal, especializado ou comum, em todas as instâncias e graus de jurisdição, inclusive aos tribunais superiores, o dever de recíproca cooperação, sendo a reunião ou o apensamento dos processos um dos meios de sua implementação.

Na prática, a iniciativa efetivamente tende a gerar mais eficiência na prestação jurisdicional e mais segurança jurídica às partes envolvidas. Mais eficiência porque, havendo comunhão de partes e de interesses na causa, uma autoridade judiciária se debruça sobre o tema, em vez de diversos juízos processarem isoladamente ações praticamente idênticas, dispendendo recursos e tempo. Mais segurança jurídica porque uma única decisão é proferida em cada etapa processual, evitando-se decisões que se conflitam ou se contradigam quanto ao conteúdo, prazos e respectivas penalidades coercitivas. Este risco de conflito prático entre diferentes decisões tem se mostrado ainda mais evidente diante da abrangência nacional das decisões proferidas no âmbito das ações civis públicas , definida pelos tribunais superiores com declaração de inconstitucionalidade do artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública.

E quando se fala de segurança jurídica, é importante destacar que ela é fundamental para o mercado de consumo como um todo, tanto para orientar as condutas do fornecedor e viabilizar o cumprimento prático e operacional de ordens judiciais, em âmbito nacional, quanto para gerar segurança ao consumidor. Até porque, entre os princípios da Política Nacional das Relações de Consumo estão a educação e a informação de fornecedores e consumidores quanto aos seus direitos e deveres.

Certo é que o termo de cooperação ora referido não garante que outras ações civis públicas não sejam propostas por entidades diversas e em diferentes estados, mas é um bom exemplo de atuação coordenada do Judiciário, que também merece ser incentivada pelas partes demandadas, que têm as prerrogativas processuais visando a reunião de ações.

Cabe refletir então por que medidas como esta, em busca de celeridade, eficiência e segurança jurídica não ocorrem com mais regularidade? É bem verdade que não são corriqueiros casos emblemáticos e de grande repercussão como o da 123Milhas, mas não se pode ignorar que diversos fornecedores com atuação em âmbito nacional são acionados judicialmente por diferentes entidades e em diferentes jurisdições por uma mesma prática adotada em âmbito nacional. E por mais que existam os institutos processuais para reunir ações idênticas ou semelhantes, isso só ocorre depois que a máquina administrativa de diferentes órgãos e entidades já dispendeu tempo e recursos.

Além disso, vale avaliar como o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) está organizado e como os diferentes entes legitimados, de diferentes localidades como Ministério Público, Procon, Senacon e associações, poderiam se articular em busca da efetiva e eficiente proteção e defesa dos consumidores, sem que isso acarretasse a perda de sua autonomia e legitimação. Se, no âmbito judicial, se lança mão da conexão e da continência, no âmbito administrativo, a integração e a coordenação entre as diferentes entidades ainda engatinha, apesar das atualizações recentes do texto do Decreto 2.181/97, que incrementou previsões sobre a reunião de processos administrativos de diferentes estados no órgão coordenador do SNDC. Consequência deste desafio é que um mesmo fornecedor enfrenta diferentes processos e decisões administrativas, não necessariamente no mesmo sentido, gerando-se disparidade de tratamento para um mesmo fornecedor, ou entre diferentes fornecedores, inclusive concorrentes, e entre os diferentes consumidores.

Portanto, uma maior coordenação e integração entre as autoridades administrativas traria efeitos importantes de eficiência e segurança ao mercado de consumo, sem prejuízo da também integração entre as autoridades judiciais, a exemplo da verificada no caso da 123Milhas.

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