Comunismo de Conselhos

Jornal do Comércio
Guilherme Amaral
Sócio de Souto Correa Advogados

Há quase 100 anos surgia uma corrente de pensamento influenciada pela Revolução Russa de 1917 e que foi intitulada de “Comunismo de Conselhos”. Para o marxista Anton Pannekoek, um dos seus principais teóricos, tratava-se de uma proposta de democracia real, em oposição ao simulacro de democracia política do capitalismo, a qual seria concebida para disfarçar o domínio de uma minoria dirigente sobre o povo. Com os conselhos “a democracia política desaparece porque desaparece a própria política, cedendo o lugar à economia socializada”. Trata-se de uma transição “durante a qual a classe operária luta pelo poder, destrói o capitalismo e organiza a produção social”.
Esse sistema preconizava o esvaziamento completo do parlamento, incapaz, segundo os marxistas, de atender aos anseios sociais.
Em 23 de maio, quando as atenções começavam a se voltar para a Copa, a Presidente Dilma editou o Decreto n. 8243, que institui a Política Nacional de Participação Social. Sob o pretexto de regulamentar lei que previa genericamente a criação de instrumentos de consulta e participação popular, o Decreto cria uma complexa estrutura de Conselhos, Comitês e Comissões integrados por representantes eleitos ou indicados pela sociedade civil, coordenados pela Secretaria-Geral da Presidência e capazes de pautar a gestão pública, inclusive editando atos normativos.
O movimento quase passou despercebido, mas acabou recebendo atenção da imprensa e sofrendo reação da oposição. A Presidente nega que o Decreto solape o Parlamento, afirmando que a função deste é apenas a de aprovar “o corpo”, e que as “características do corpo” devem ser extraídas de “consulta à sociedade”. O Parlamento seria como que um mero carimbador de leis.
Assim caminhamos: enquanto nós, cidadãos comuns, lidamos com o caos diário das greves, protestos e tantas outras mazelas, um grupo nem um pouco envergonhado de ser, hoje, a minoria dirigente outrora tão criticada, trabalha silenciosa e incessantemente na construção de um projeto que, de novo, não tem nada, e cujos resultados já podem ser antecipados pela experiência histórica.

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