Conflitos familiares: uma luz no fim do túnel

Em um sistema em que vigora a cultura do litígio, com a máquina judiciária provocada constantemente e nem sempre respondendo à altura do que as partes julgam satisfatório, surge a demanda social por vias alternativas para o encontro de soluções aos impasses sempre existentes. Nesse cenário, as relações familiares ganham ainda maior relevância, merecendo especial cuidado no tocante aos seus rompimentos e a forma como se lida com suas consequências. As rupturas nas relações familiares são essencialmente sensíveis e, sendo assim, a escolha da forma como endereçar um conflito familiar é determinante sobre a dimensão de desgaste emocional e prático que pode ser gerada.

Para uma análise sobre resolução de disputas, há que se perceber o conflito como a dificuldade em lidar com diferenças dentro das relações interpessoais, de modo que surge a impressão de impossibilidade da coexistência dos interesses, necessidades ou pontos de vista aparentemente divergentes. Não é excesso de positivismo constatar a existência de processos e resultados positivos decorrentes da existência de um impasse, tal como autoconhecimento e reconhecimento de interesses dos demais envolvidos, exercício da flexibilidade e tolerância, sendo uma mola propulsora de constante evolução pessoal e social. Não há zona de conforto no conflito.

Em disputas familiares as relações tendem a ser extremamente relevantes, seja por vivências pretéritas, como por vínculos indissociáveis – a exemplo dos filhos. O ponto de convergência entre a gestão do conflito como forma de resolução adequada e as contendas familiares é justamente o impacto positivo sobre os vínculos interpessoais. Este arranjo de premissas norteadoras revela na autocomposição a oportunidade de solucionar impasses de forma efetiva e criativa, trazendo à tona resultados por um processo positivo.

Dentre os elementos predominantes no caminho autocompositivo está o exercício de controle, em diversas facetas, pelas partes. Por si, a possibilidade de manejo do processo resolutivo conforme os interesses e as necessidades dos envolvidos tende a encaminhar não apenas um resultado mutuamente satisfatório, mas um processo de resolução produtivo. O controle das partes, por sua vez, se verifica em quatro perspectivas: sobre os custos, o tempo, o processo e o resultado.

O controle de custos leva em conta o panorama alternativo de acionamento do Poder Judiciário. Os custos do litígio costumam ser elevados. Do outro lado da balança, a via autocompositiva, oportuniza a previsibilidade de custo envolvido e sua adequada destinação através da elaboração de caminhos possíveis para o encontro da solução. O processo de gerenciar a disputa engloba o desenho de estratégias potenciais com a mensuração do investimento financeiro necessário para se percorrer o caminho escolhido. As partes têm, assim, ingerência direta nos valores que serão tratados no procedimento de negociação e no resultado.

O controle do tempo a ser usado para a resolução da disputa é, também, característica positiva de uma gestão adequada do conflito sob o viés autocompositivo. Seguindo a lógica de paralelo com o judiciário, tem-se que o sistema brasileiro possui um elevado nível de morosidade. A dinâmica de vida das partes não caminha nos mesmos passos do trâmite judicial em disputas familiares. Com essa premissa em foco, a gestão do conflito com o objetivo de uma composição se mostra como uma ferramenta eficaz.

Em seguida, o controle sobre o aspecto procedimental ganha relevância em conflitos familiares. Retirada da seara litigiosa e judicializada, a resolução da disputa pode ser encaminhada de forma mais rápida e conveniente às partes envolvidas. Este ponto lhes confere outras quatro prerrogativas: a de determinar a duração e extensão do procedimento, em questão de tempo e matéria objeto do processo; o estabelecimento do nível de confidencialidade que regerá os pontos tratados; a opção de envolvimento de profissionais interdisciplinares para prestar auxílio técnico e qualificado na solução do problema; e a de endereçar os termos definitivos para a resolução final.

A última faceta de exercício de controle é sobre o resultado. É, provavelmente, o ponto mais valioso conferido às partes. Trata não apenas de escolha, mas de apropriação de responsabilidade sobre as consequências dos atos e das opções realizadas. Antagônico ao ocorrido nos caminhos de litígio, a autocomposição pressupõe a resolução da disputa por decisão exclusivamente emanada das partes. O controle sobre o resultado de uma disputa confere aos envolvidos a possibilidade de fundamentar o desfecho em seus interesses, necessidades e adequação aos respectivos planos de vida, fatores benéficos para todas as partes.

Assim, aplicados ao contexto das disputas familiares, em que o envolvimento de questões subjetivas é indissociável, os aspectos de controle proporcionados pela gestão de conflitos maximizam a probabilidade de um processo e uma solução positivos. Como consequência direta, verifica-se a preservação e restauração dos vínculos interpessoais, a redução dos custos de transação, e a potencialização de resultados e de oportunidades de ganhos mútuos. A resolução alcançada por meio de um processo positivo e construtivo tende a ser sólida e duradoura, uma vez que é fundada na autonomia dos indivíduos, com o objetivo de atender seus maiores anseios e interesses. É, por fim, uma via de oportunidades de se desenvolver os enlaces e desenlaces familiares e afetivos, porquanto inevitáveis.

Referências

ESTADÃO
Sou assinante
Sou assinante