Contrato de arrendamento ou de locação nos projetos de energia renovável?

Fabio Di Lallo, Fábio Machado Baldissera e Felipe Tremarin*

A procura por um mundo mais sustentável, onde o desenvolvimento caminha junto com a preservação dos recursos naturais, tem trazido consigo um exponencial aumento da utilização de fontes renováveis para geração de energia elétrica como, por exemplo, a energia solar e a eólica, movimentando de forma bastante positiva este setor da economia brasileira.

Segundo dados do Boletim Mensal de Energia de março de 2023 do Ministério de Minas e Energia, houve crescimento da capacidade instalada de geração solar distribuída no Brasil de 93,9% em relação a março de 2022. Houve, ainda, para os três primeiros meses deste ano, em comparação com o mesmo período do ano anterior, um aumento na geração solar centralizada (69%) e crescimento da energia eólica (33%).

Nesse contexto, é bastante comum entre as empresas do setor a busca por áreas que contenham as características necessárias à potencialização da geração de energia de forma a garantir o adequado retorno dos projetos a serem desenvolvidos, aumentando a competitividade por esses espaços. Diante deste cenário, ganha-se cada vez mais relevância no segmento a escolha do instrumento jurídico adequado a fim de regrar a utilização e a posse do imóvel, conferindo a segurança jurídica necessária para o desenvolvimento desses projetos.

Devido às características dos imóveis geralmente utilizados para tais projetos – ou seja, imóveis rurais – é bastante comum se deparar com instrumentos particulares de arrendamento rural regulamentando o uso dos imóveis para implantação e desenvolvimento de projetos de energia. No entanto, por algumas razões, a utilização de contratos de arrendamento de imóveis rurais pode não ser adequada.

A primeira delas, sob uma perspectiva legal, é que, de acordo com a Lei nº 4.504, de 30/11/1964, a qual dispõe sobre o Estatuto da Terra, a utilização de contratos de arrendamento de imóveis deve se dar tão somente para regrar a utilização e posse de imóveis para finalidades típicas de exploração extrativista, pecuária e de cultivo. Este, inclusive, tem sido o entendimento dos Tribunais como se exemplifica na Apelação Cível nº 70051709780, julgada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

A segunda razão que nos leva a afastar a utilização de contratos de arrendamento de imóveis em projetos de energia reside no fato de que tais contratos, em regra, não podem ser registrados na matrícula dos imóveis. Sem prejuízo disso, não se desconhece que em alguns Estados, por meio do respectivo Código de Normas Extrajudicial, é permitida a averbação nas respectivas matrículas, como ocorre na Bahia e em Minas Gerais.

Das estruturas jurídicas possíveis de serem utilizadas para tal finalidade, ou seja, para projetos de energia, o instrumento jurídico adequado em comparação ao arrendamento, sem prejuízo de entendimentos diversos, é o contrato de locação de bem imóvel regrado pelo Código Civil. Isso se deve pois a implantação de um projeto de energia renovável em imóvel rural não estaria regulada pela Lei nº 8.245/91, que regula os contratos de locação com “destinação urbana”, nem pelo arrendamento que regula as finalidades estritamente rurais. O que não significa afirmar que, por meio de futura alteração legislativa, a Lei nº 8.245/91 possa, futuramente, abarcar essa modalidade locatícia.    

Sem prejuízo do exposto, na prática, é comum se deparar com diversas minutas de contratos que levam, ao menos no seu título, o nome de contrato de arrendamento rural para implantação de projetos de energia, o que pode conduzir a interpretações equivocadas do que foi acordado entre as partes e de seus efeitos jurídicos.

Entre os diversos benefícios em se optar pela adoção do contrato de locação pode-se destacar o fato de que, uma vez cumpridos os requisitos necessários e, desde que o contrato contenha cláusula de vigência expressa, é a possibilidade de realizar o registro de tal cláusula na matrícula do imóvel em que o projeto será desenvolvido. O registro garante a vigência do contrato até o final do prazo estipulado pelas partes, caso o imóvel seja vendido a terceiros, trazendo segurança ao locatário, uma vez que a vigência da relação locatícia é calculada pelo locatário para que ele possa fazer frente às despesas e investimentos realizados para implantação e operacionalização do projeto de energia.

Em resumo, sem prejuízo da utilização de outros instrumentos como o direito de superfície, com suas características próprias, é possível afirmar que o arrendamento amplamente utilizado para implantação de projetos de energia não se destina a esse fim, devendo os desenvolvedores desses projetos optarem pelo contrato de locação regido pelo Código Civil, que lhes conferirá maior segurança jurídica.    

Fabio Di Lallo, sócio de Souto Correa Advogados na área de Energia

Fábio Machado Baldissera, sócio de Souto Correa na área Imobiliária

Felipe Tremarin, advogado de Souto Correa na área Imobiliária

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