Família e Agronegócio: a importância de planejar a sucessão

Família e Agronegócio: a importância de planejar a sucessão

Daniela Russowsky Raad

Frederico Hilzendeger

* advogados da área de organização patrimonial e sucessória do Souto Correa Advogados

A essência familiar é uma das grandes fortalezas das empresas do agronegócio. Independentemente de ter passado por uma ampliação ou profissionalização da gestão, em que o centro da operação não envolva diretamente a família, o agronegócio possui raízes de trabalho familiar, passado de geração em geração, com a dedicação de muito esforço e a transmissão de valores por meio dessa dinâmica geracional e relação com a terra. O desafio reside na capacidade de perpetuar o negócio, assegurando a continuidade e a prosperidade dos empreendimentos, e, fundamentalmente, resguardar os valores, as tradições e o patrimônio familiar, construídos com suor ao longo do tempo.

Nesse cenário em que as operações são fundamentalmente familiares e frequentemente alicerçadas em relações pessoais, a ausência de um plano sucessório estruturado pode resultar em desafios significativos. Conflitos familiares, impactos tributários desfavoráveis e a falta de uma transição adequada entre as diferentes gerações podem comprometer a sustentabilidade das propriedades rurais e o legado que se pretende deixar. Portanto, compreender e implementar estratégias eficazes de planejamento sucessório torna-se imperativo para garantir a continuidade bem-sucedida das atividades.

O planejamento da sucessão não é apenas uma medida preventiva, mas uma ferramenta estratégica crucial para preservar a estabilidade financeira, a harmonia familiar e a continuidade do desenvolvimento de suas respectivas operações. Em última análise, a implementação de um plano sucessório bem delineado não apenas resguarda o patrimônio imobilizado e financeiro, mas também perpetua os valores, conhecimentos e tradições, encaminhando e acomodando os anseios das novas gerações e dos diferentes núcleos familiares, que possuem suas características próprias.

Da porteira para dentro, a preservação da família e do negócio deve ser o objetivo primordial, devendo-se endereçar a configuração das relações familiares, como os casamentos e o nascimento de novos núcleos. É essencial, também, serem trazidos à tona os interesses e objetivos de cada membro da família, porquanto são informações fundamentais para o desenho de um plano sucessório que satisfaça suas particularidades e a diversidade de opiniões. Cada família é singular, e, portanto, é ilusório acreditar que existe uma solução única e padrão para todos os casos.

Assim como um cardápio de ferramentas jurídicas, o planejamento sucessório demanda uma abordagem multidisciplinar, envolvendo especialistas em direito do agronegócio, societário, tributário, de família, e sucessório, bem como profissionais capacitados em mediação. Além disso, trata-se de um plano articulado e implementado em etapas, que, ainda que sejam flexíveis, adaptando-se ao contexto de cada família e negócio, podem ser divididas em cinco fases principais, que, frequentemente, são desenvolvidas concomitantemente: (i) transição; (ii) definição de interesses; (iii) avaliação; (iv) planejamento; e (v) implementação.

  • A transição é o momento em que se realiza um alinhamento com todos os familiares acerca do estabelecimento de regras gerais, em comum acordo, sobre como se dará a condução dos negócios durante o processo de sucessão, bem como a maneira que o processo em si será conduzido, quais são as prioridades e combinações necessárias para uma transição saudável.
  • A definição de interesses busca a identificação dos objetivos e interesses de cada um dos núcleos familiares, especialmente no que tange à organização da estrutura patrimonial, societária e sucessória do negócio. As relações familiares de cada núcleo também são relevantes para o planejamento sucessório global, e a conclusão dessa etapa compreende a formalização dos interesses dos diferentes núcleos, a fim de convergir o processo de decisão e o avanço das etapas seguintes.
  • A avaliação foca no levantamento de informações acerca do negócio e do patrimônio existente, a fim de fundamentar, tecnicamente, a partição, ainda que futura, dos bens. Indica-se o envolvimento de consultorias especializadas e profissionais experientes, especialmente em razão da complexidade do patrimônio envolvido em cada caso. Nesta fase, os profissionais e avaliadores envolvidos também devem ouvir os membros da família, a fim de captar, na medida do possível, o valor não apenas financeiro dos ativos adquiridos ao logo do tempo.
  • A etapa de planejamento compreende o estudo e a avaliação da melhor alternativa jurídica para a solução da demanda da família, e ocorre depois de definidas as regras de transição, estabelecidos os interesses de cada núcleo familiar e, especialmente, após avaliado o patrimônio em questão. Com a análise de aspectos e impactos geralmente percebidos nas esferas societária, tributária, imobiliária, patrimonial e sucessória, são apresentadas as soluções possíveis, suas vantagens e desvantagens.
  • Por fim, passa-se para a implementação das soluções jurídicas desenvolvidas, com a minuta dos documentos jurídicos necessários e os procedimentos burocráticas para registro e, quando for o caso, transmissão da propriedade.

Uma vez conhecido o contexto familiar e mapeado o patrimônio envolvido, identificadas as melhores formas de preservação e comunicando-se objetivamente o que deve ser feito, pode-se planejar adequadamente sua transferência à próxima geração, no momento que for definido como oportuno. A estrutura ideal para a sucessão dependerá das características dos bens, e da gestão que se pretende exercer no momento atual e futuro. Usualmente, utilizam-se ferramentas combinadas, a exemplo de: testamentos, com a individualização do patrimônio a ser deixado para cada herdeiro; doações, podendo ser estipulada a reserva de usufruto, ou não; reestruturações ou criação de estruturas societárias, criando-se estruturas jurídicas ou adaptando as já existentes, a fim de atender à operação do negócio e ao planejamento definido; além da elaboração de instrumentos familiares e societários, organizando as relações existentes.

O que se deve evitar, especialmente quando estamos diante de expressivo valor econômico, é a falta de planejamento, o que pode acarretar impactos financeiros expressivos, além de risco ao próprio negócio e do desgaste das relações familiares. No enfrentamento de conflitos familiares e na busca pela perenidade, estratégias tributárias também desempenham um papel significativo.

Transmitir bens em vida, muitas vezes, proporciona maior liberdade e controle sobre o planejamento sucessório, permitindo que as rédeas do futuro sejam tomadas com autonomia. Ainda, é necessário avaliar a natureza da operação realizada, pois por integrar o patrimônio do indivíduo, a doação ou a transmissão do patrimônio após o falecimento atrai a incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). O valor expressivo dos bens pode, na falta de planejamento adequado, forçar herdeiros a vender parte do patrimônio, nos casos em que o valor do imposto atinja um montante para o qual não haja liquidez suficiente para pagá-lo. O planejamento da sucessão é uma decisão fundamental para garantia do legado, a fim de que seja um prazer para a geração seguinte, e não um fardo. Não planejar nem expressar adequadamente a vontade por meio de instrumentos jurídicos apropriados são os principais erros em um cenário repleto de variáveis, no qual existem especificidades para cada negócio. A boa notícia é que é possível planejar essa sucessão de forma bastante eficaz. Afinal, a sucessão no agronegócio é mais do que uma transferência de bens; é um ato que define o destino e a continuidade do legado familiar.

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