ITCMD e patrimônio no exterior
[:pt]A insegurança jurídica e econômica no Brasil, aliada à crescente globalização, impulsionou a busca por investimento em moeda forte e o consequente planejamento patrimonial e sucessórios de núcleos familiares, também, no exterior.
O crescimento em questão é de fácil percepção quando se verifica o aumento no decorrer dos últimos anos do número de trusts e off-shore companies envolvendo residentes fiscais no Brasil, alterações de residência fiscal e outras transações entre o exterior e o País, aí incluídas doações e heranças.
Nesse ponto, vale notar que a Constituição Federal de 1988 previu que o ITCMD (“Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação”) deveria ser instituído por lei complementar especificamente nos casos em que (i.) o doador tem domicílio ou residência no exterior e (ii.) o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve seu inventário processado no exterior. Ocorre que, decorridos mais de 30 anos da promulgação da Magna Carta, a lei complementar em questão não existe.
Apesar da inexistência da lei complementar, diversos Estados preveem em suas legislações a incidência de ITCMD exatamente nos casos descritos acima, como é o caso de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, entre tantos outros.
Diante do cenário de incerteza e de decisões judiciais tanto favoráveis quanto desfavoráveis aos contribuintes em diferentes Tribunais, a questão chegou ao Supremo Tribunal Federal, que iniciou o julgamento do Recurso Extraordinário nº 851.108/SP em meados de 2020 e retomou na última sexta-feira, 19 de fevereiro.
Até o momento, os Ministros Dias Toffoli (Relator), Edson Fachin, Rosa Weber e Luis Roberto Barroso votaram no sentido de que há vedação aos Estados para instituir por meio de legislação estadual o ITCMD, sem lei complementar, em relação aos casos descritos acima.
Os três primeiros julgadores votaram também para que a decisão passe a produzir efeitos apenas quanto aos fatos geradores que venham a ocorrer a partir da publicação da decisão do Supremo Tribunal Federal, de modo que a exigência tributária quanto aos fatos geradores anteriores estaria convalidada. Já o quarto Ministro divergiu quanto à extensão da modulação dos efeitos, propondo que a decisão tenha uma eficácia a contar da publicação do acórdão (ex nunc), ressalvando as ações judiciais pendentes de conclusão.
O Ministro Alexandre de Moraes, por sua vez, divergiu quanto ao mérito, posicionando-se no sentido de que é possível haver incidência do ITCMD nos casos ora tratados enquanto não houver lei complementar, havendo competência legislativa plena dos entes federados.
O tema em questão é altamente delicado e envolve cifras que superam os R$ 5 bilhões apenas no Estado de São Paulo. Em nosso entendimento, enquanto não há lei complementar, não se pode instituir o ITCMD quando o doador tiver domicílio ou residência no exterior e o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve seu inventário processado no exterior, considerando o conflito de competência em tais casos, na toada dos votos dos Ministros Dias Toffoli, Edson Fachin, Rosa Weber e Luis Roberto Barroso. Nessa linha, as jurisdições estrangeiras do doador, do patrimônio e do inventário podem ter, inclusive, mais elementos de conexão para exigir a tributação, de modo que cobrar o ITCMD nas situações ora analisadas — especialmente sem lei complementar — poderia conduzir à bitributação, conforme o Ministério Público alertou no parecer apresentado no Recurso Extraordinário nº 851.108/SP.
Ainda há 6 Ministros para votar e o julgamento tem previsão para encerrar na sexta-feira, dia 26 de fevereiro, devendo-se decidir o tema de mérito e de eventual modulação dos efeitos da decisão, o que impactará diversos planejamentos patrimoniais e sucessórios.[:]