Lei de Informática como nova fonte de financiamento para startups

Henry Lummertz e Gabriel Stanton
JOTA
05/08/2018

O FIP é um dos instrumentos financeiros mais utilizados pelo mercado para a capitalização de startups

A Lei de Informática busca aumentar a capacitação e a competitividade das empresas fabricantes de bens de informática, automação e telecomunicações, por meio da concessão de benefícios fiscais, entre os quais o da redução do IPI incidente na venda dos produtos por elas fabricados1.

Agora, com as inovações trazidas pela Lei nº 13.674/2018, parte desse valor passa a poder ser investido por meio de Fundos de Investimento em Participações – FIPs ou outros instrumentos autorizados pela CVM, que se destinem à capitalização de empresas de base tecnológica. Trata-se de iniciativa alinhada com a Estratégia
Brasileira para a Transformação Digital3.

O FIP é um dos instrumentos financeiros mais utilizados pelo mercado para a capitalização de startups e permite a aquisição de títulos e valores mobiliários de sociedades limitadas ou anônimas e o valor dos investimentos indiretos pode superar os R$ 800 milhões, o que representa o ingresso de um montante bastante significativo no ecossistema empreendedor do País.

De acordo com a regulamentação proposta pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – MCTIC4, são consideradas empresas de base tecnológica as sociedades empresárias que: a) tenham aptidão para desenvolver produtos, processos, modelos de negócio ou serviços inovadores nos quais as tecnologias da informação e comunicação (TIC) representem alto valor agregado; b) apresentem receita bruta anual de até R$ 16 milhões no exercício social encerrado em ano anterior ao primeiro aporte do fundo e não tenham apresentado receita superior a esse limite nos últimos 3 exercícios sociais; c) distribuam no máximo 20%dos lucros durante o período de aporte de recursos nas sociedades investidas pelo fundo (período de investimento do fundo); e d) estejam sediadas em território brasileiro e organizadas de acordo com a legislação nacional.

Ainda de acordo com a regulamentação proposta pelo MCTIC, o FIP deve: a) estar devidamente constituído e registrado na CVM como Fundo de Investimentos em Participações (Instrução CVM nº 578/2016) e ser qualificado como entidade de investimento (Instrução CVM nº 579/2016); b) possuir período de investimento de até 6 anos; d) investir apenas em sociedades que cumpram as normas de proteção à saúde, ao meio ambiente e à segurança do trabalho e que estejam em dia com suas obrigações tributárias e trabalhistas, e não investir em empresas que guardam relação direta com comércio de armas, motéis, saunas e termas e jogos de prognósticos e assemelhados.

A contabilização do investimento para fins da Lei de Informática considerará a cota-parte do beneficiário no FIP e o valor efetivamente integralizado para aporte nas empresas de base tecnológica, não sendo considerado o aporte referente às cotas dos demais cotistas do FIP. Será considerado o momento em que o recurso foi efetivamente integralizado no fundo, na medida em que é na integralização que efetivamente ocorre o aporte dos recursos, sendo a subscrição apenas um compromisso de aporte de recursos. A integralização pode ocorrer a qualquer momento dentro do período de investimento do fundo.

Também de acordo com a regulamentação proposta pelo MCTIC, o valor aportado pelo FIP: a) somente poderá ser destinado à capitalização de empresa de base tecnológica; b) não poderá ser aportado em empresa beneficiária da Lei de Informática ou em sua controlada, direta ou indireta, nem em sociedades controladas, direta ou indiretamente, por sociedade ou grupo de sociedades, de fato ou de direito, que apresente ativo total superior a R$ 80 milhões ou receita bruta anual superior a R$ 100 milhões no encerramento do exercício social imediatamente anterior ao primeiro aporte do FIP; c) deve ser equivalente à cota participação integralizada pela empresa beneficiária da Lei de Informática no FIP; d) deverá ser efetuado por meio de subscrição de novos títulos da sociedade investida (operações primárias); e e) não poderá ser negociado em mercado secundário.

A regulamentação proposta pelo MCTIC contém ainda outras regras como: a) o Fundo deve ter participação minoritária no capital da sociedade investida (excepcionalmente, havendo necessidade de novo aporte em empresas já investidas pelo fundo para viabilizar a continuidade de sua operação, o fundo poderá deter participação majoritária no capital social dessa empresa); b) a empresa beneficiária da Lei de Informática não poderá isoladamente deter, direta ou indiretamente, participação majoritária nas sociedades investidas com os recursos por ela aplicados no fundo e também não poderá possuir mais de 35% das cotas do fundo; c) o FIP deverá participar do processo decisório das sociedades investidas com efetiva influência na definição de suas políticas estratégicas, em sua gestão, e no acompanhamento e aconselhamento em aspectos técnicos, jurídicos ou mercadológicos referentes ao negócio da empresa investida (Instrução CVM nº 578/2016).

A regulamentação proposta pelo MCTIC foi discutida em audiência pública5 e submetida a consulta pública6, havendo recebido diversas sugestões7. Dos debates travados acerca da minuta de Portaria apresentada pelo MCTIC, percebe-se que há alguns pontos sensíveis em relação aos quais ainda é necessário evoluir para se aprimorar o mecanismo de investimento, como, por exemplo: a) limite de R$ 16 milhões para a receita bruta das startups investidas, o que pode reduzir o portfólio de investimentos; b) obrigatoriedade de que o valor aportado seja equivalente à cota de participação integralizada pela empresa beneficiária da Lei de Informática, o que pode prejudicar a saúde financeira e a operacionalização dos FIPs; c) proibição de que a empresa beneficiária da Lei de Informática detenha participação majoritária ou de que possua mais de 35% das cotas do FIP; d) obrigatoriedade de realização de due diligence pelos FIPs antes do aporte de recursos, pois deve caber ao gestor do fundo a decisão acerca dos procedimentos a serem adotados; e) limite de 20% para a distribuição de dividendos, na medida em que na Lei das Sociedades Anônimas esse limite é de 25%; f) possibilidade de se investir em startups com sede no exterior se os ativos no Brasil corresponderem a pelo menos 90% daqueles constantes nas demonstrações contábeis da empresa, tal como previsto na Instrução CVM nº 578/2016.

Espera-se, agora, que a redação definitiva da Portaria a ser editada pelo MCTIC para regulamentar o investimento de recursos da Lei de Informática em startups de base tecnológica beneficie-se desse profícuo debate entre o Poder Público, empresas e investidores, resultando em um mecanismo efetivo de ampliação do ecossistema de startups.

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1.Para as empresas situadas na Zona Franca de Manaus, os benefícios são ainda maiores, abrangendo não apenas a redução, a isenção integral do IPI.

2.http://www.mctic.gov.br/mctic/opencms/salaImprensa/noticias/arquivos/2018/06/Aberta_consulta_sobre_aplicacoes_em_startups_e_fundos_de_venture_capital_via_Lei_de_Informatica.html

3.Decreto nº 9.319/2018.

4.http://www.mctic.gov.br/mctic/export/sites/institucional/sessaoPublica/arquivos/Consulta-Publica-Minuta-de-Portaria-FIP-Lei-de-Informatica-2.pdf

5.http://www.mctic.gov.br/mctic/opencms/salaImprensa/noticias/arquivos/2018/06/MCTIC_promove_audiencia_sobre_aplicacoes_em_startups_via_Lei_de_Informatica.html

6.http://www.mctic.gov.br/mctic/opencms/sessaoPublica/sessao_publica/sessao_publica_investimentos_startups_fundos_venture.html

7.http://www.mctic.gov.br/mctic/opencms/sessaoPublica/sessao_publica/consulta-publica-lei-informatica-contribuicoes.html

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