O sistema de recursos repetitivos do STJ

Valor Econômico
Henry Lummertz
Sócio de Souto Correa Advogados

Onde está o contribuinte?

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) iniciou o julgamento, sob a denominada “sistemática de recursos repetitivos”, da questão relativa à prescrição intercorrente na execução fiscal (quando a Fazenda Pública perde o direito de cobrar o tributo, por não dar andamento à execução fiscal). Ao se consultar as informações do processo, constata-se que, enquanto a Fazenda Nacional está representada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, do outro lado está uma microempresa, sem representação nos autos.

Em outro julgamento sob a sistemática de recursos repetitivos, em que o STJ decidiu que os embargos à execução opostos pelo contribuinte não suspendem automaticamente a execução fiscal, foi aberta a possibilidade para a manifestação das Procuradorias dos Estados, da Associação Brasileira de Secretarias de Finanças, da Confederação Nacional de Municípios e do Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal, todas entidades que representam os interesses das Fazendas Públicas. Nenhuma entidade dos contribuintes foi convidada a se manifestar no julgamento.

Parece não ser esse o melhor procedimento a ser adotado para o julgamento de questões tributárias sob a sistemática de recursos repetitivos.

Nessa sistemática, havendo multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o STJ selecionará um ou mais recursos representativos da controvérsia e os julgará, proferindo decisão que será aplicada nos demais casos que versem sobre essa mesma questão de direito.

A sistemática de recursos repetitivos constitui um importante mecanismo de racionalização das atividades do STJ, na medida em que evita que o Tribunal tenha que examinar individualmente casos idênticos, permitindo-lhe examinar apenas alguns casos representativos da controvérsia. Essa racionalização das atividades do STJ, além de contribuir para diminuir a sobrecarga de trabalho do Tribunal, contribui para assegurar a duração razoável do processo garantida pela Constituição Federal.

Mas não apenas isso. A sistemática de recursos repetitivos responde às exigências da igualdade e da segurança jurídica. Da igualdade, por facilitar a uniformização da jurisprudência, fazendo com que os casos que envolvam a mesma questão sejam decididos da mesma forma. Da segurança jurídica, porque torna previsível o conteúdo das decisões que serão proferidas no futuro acerca da questão que foi submetida à sistemática de recursos repetitivos.

Por todas essas razões, a sistemática de recursos repetitivos constitui um valioso instrumento para que o STJ desempenhe a função que lhe é atribuída pela Constituição Federal de assegurar a unidade do direito federal.

Para que a sistemática de recursos repetitivos atinja sua finalidade, no entanto, é imprescindível que haja uma adequada seleção dos recursos representativos da controvérsia. A própria regulamentação da sistemática de recursos repetitivos no STJ prevê que deverão ser selecionados os processos que contiverem maior diversidade de fundamentos no acórdão e de argumentos no recurso especial. Os processos selecionados deverão permitir que o STJ tenha uma percepção o mais precisa possível da questão de direito que deverá ser examinada e do conflito que a envolve.

Outro elemento importante da sistemática de recursos repetitivos é a possibilidade de se colher a manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia. Trata-se de mecanismo especialmente relevante, quando se tem em conta que o julgamento do STJ será aplicado não apenas ao processo em que for proferido, mas a uma multiplicidade de casos que veiculem idêntica questão de direito. Trata-se, ainda, de mecanismo que atende à demanda do princípio do contraditório e da ampla defesa. Esse mecanismo, contribui, por fim, para a legitimação da decisão, na medida em que ela será formada a partir de um debate mais amplo e efetivo acerca da matéria, com a apresentação de contribuições pelos diversos interessados na solução da questão.

Parece evidente que a seleção de processos em que o contribuinte não possua representação processual ou a oitiva apenas de entidades que representam os interesses da Fazenda Pública não contribuem para um adequado funcionamento da sistemática de recursos repetitivos, podendo colocar em risco a igualdade e a efetividade do contraditório e da ampla defesa. Uma efetiva participação dos contribuintes na formação das decisões tomadas no âmbito da sistemática de recursos repetitivos é essencial para a legitimidade dessa sistemática e das decisões que em seu âmbito são proferidas.

Faz-se necessário, por conseguinte, que se aprimore a aplicação da sistemática de recursos repetitivos, assegurando a participação do contribuinte sempre que o STJ for chamado a decidir questões tributárias.

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