Por que saímos tão mal nos rankings internacionais de inovação?

Ari Magalhães
07.01.2016

De acordo com o Global Innovation Index de 2014, o Brasil ocupa a 61ª posição no Ranking Global de Inovação Mundial. A Organização Mundial de Propriedade Industrial (WIPO) informa que, a quantidade de pedidos de patente depositados anualmente no Brasil é inferior à quantidade de pedidos de patente depositados nos EUA em uma única semana. Ainda segundo a WIPO, não obstante essa diminuta quantidade de depósitos realizados no Brasil anualmente, apenas 16% dos pedidos de patente depositados em nosso país pertence a titulares brasileiros (dados da WIPO referentes à última apuração da instituição, realizada em 2013).

Para justificar a falta de depósitos realizados por titulares brasileiros, duas desculpas aparecem com bastante frequência na mídia e nas rodas de empresários locais: a morosidade e a burocracia do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI); e a falta de mão de obra qualificada em âmbito nacional, sobretudo a falta de cientistas, pesquisadores, acadêmicos e demais produtores de conhecimento.

Colocar a culpa no estado, no INPI ou qualquer outro fator burocrático/administrativo local não é muito convincente. Basta lembrar o dado da WIPO que informa que no Brasil apenas 16% dos pedidos de patente depositados no INPI pertence a titulares brasileiros. Se os estrangeiros depositam ano após ano, muito mais pedidos de patente que os próprios brasileiros em nosso país, uma das seguintes hipóteses deve ser verdade: ou as multinacionais estrangeiras estão permeadas com profissionais perdulários, ingênuos e ignorantes; ou falta ao empresariado local o hábito e a cultura de depósito de pedidos de patente. Acreditamos que a segunda hipótese é mais razoável que a primeira.

Alguns empresários afirmam que a lentidão no processo administrativo de pedidos de patente no INPI impede que os titulares das patentes usufruam os direitos advindos com a concessão desse documento dentro de um período de tempo razoável. É fato que o INPI é extremamente moroso na concessão de patentes. O que já era ruim conseguiu ficar muito pior na última década. Em 2003, demorava-se seis anos para uma patente ser concedida no Brasil. Atualmente, levam-se em média 11 anos (dados das revistas de propriedade industrial publicadas pelo INPI nos anos de 2003 e 2015).

Ainda de acordo com essa lógica, enquanto a morosidade do INPI aumenta, os ciclos de vida dos produtos diminuem. O celular que compramos hoje tem de ser trocado dentro um ou dois anos para que não se torne ultrapassado. O aparelho de televisão que compramos em 2010 não está mais adaptado às tecnologias de streaming e HD dos tempos atuais. Nesse contexto, 11 anos é um prazo gigantesco comparado ao ciclo de vida dos produtos que consumimos.

Ninguém pode negar os fatos. Infelizmente o empresário tem razão quando diz que o INPI está sucateado, que o instituto demora muito para conceder uma patente e que o ciclo de vida de seus produtos é bastante inferior à expectativa de concessão de uma carta patente. Ocorre que não é preciso ter uma patente concedida para usufruir dos direitos por ela garantidos. Ainda que um pedido de patente seja apenas uma expectativa de direito, o seu titular pode coibir a infração de terceiros mediante envio de notificações extrajudiciais a qualquer momento a partir da data de depósito desse documento. Quem já teve a curiosidade de ler o artigo 44 da Lei de Propriedade Industrial Brasileira (LPI – lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996) sabe que pouco importa, em matéria de contagem de prazo de indenização, a data de concessão de uma patente. A indenização nestes casos é sempre contada a partir da publicação do documento ou da data de envio de uma notificação extrajudicial ao suposto infrator.

Evidente que, nenhum infrator é obrigado a parar de infringir o conteúdo reivindicado em um pedido de patente só porque recebeu uma notificação extrajudicial. Entretanto, por temerem uma indenização que retroaja até a data de recebimento da dita notificação, a maioria dos transgressores encerra suas atividades infratoras logo após o recebimento da primeira reclamação.

Por estes motivos, não se pode culpar o backlog do INPI ou o descaso do sistema público para o fraco desempenho nacional nos rankings de depósitos de pedidos de patente. Não é razoável usar estes argumentos porque a Lei de Propriedade Industrial – muito sabidamente, diga-se de passagem – se anteviu ao sucateamento da máquina pública e trouxe de antemão seus próprios antídotos à morosidade do INPI. Além do artigo 44, outro antídoto trazido pela mesma lei é o artigo 40, que prediz que qualquer patente concedida 10 anos após a sua data de depósito irá vigorar por, pelo menos, 10 anos após a sua data de concessão.

Do mesmo modo, culpar a falta de PHDs, cientistas e pesquisadores brasileiros também não convence. Senão, vejamos: segundo o Banco Mundial, hoje, o Brasil tem aproximadamente 142 mil pessoas trabalhando diretamente com P&D em território nacional, ao passo que os EUA possuem aproximadamente 1,22 milhões de cientistas e pesquisadores. Portanto, segundo o Banco Mundial, nos EUA existem aproximadamente 9 cientistas para cada cientista trabalhando no Brasil. Se um número maior de PHDs e cientistas fosse o único fator contribuinte para um grande número de depósitos de pedidos de patente, era de se esperar que o número de depósitos de pedidos de patente americanos fosse nove vezes maior que o número de depósitos realizados por brasileiros no INPI. Ocorre que, na última medição feita pela WIPO (em 2013), os titulares brasileiros depositaram aproximadamente 5000 pedidos de patente no Brasil enquanto os residentes americanos depositaram 290.000 pedidos de patente nos EUA, um número 58 vezes maior que o nosso. Como 58 é um número bastante superior a 9, fica claro que a tese da carência em cientistas e PHDs – pelo menos, isoladamente – não justifica a falta de depósito de pedidos de patente pelas empresas brasileiras.

Note-se que essa discrepância entre o número de pesquisadores e número de depósitos pedidos de patente não se dá apenas quando o Brasil é comparado aos EUA. Quando somos comparados à China, Japão ou Alemanha – as três maiores economias mundiais depois dos EUA – o abismo é ainda maior. Com base nos dados da WIPO e do Banco Mundial, é possível constatar que, em média, cada uma das quatro economias mais fortes do globo deposita entre 0,2 e 0,6 pedidos de patente por ano para cada pesquisador/cientista domiciliado nesses países. No Brasil essa razão é dez vezes menor, de 0,03 pedidos de patente por ano para cada pesquisador brasileiro.

Nosso erro é pensar que precisa ser um pesquisador ou um PHD para depositar um pedido de patente. Existe toda uma cadeia de colaboradores na indústria que é responsável pela promoção da inovação. Os usuários do produto, os operários de chão de fábrica, os engenheiros de produção, o departamento de marketing, os fornecedores, os empreendedores, os vendedores, todos esses players devem estar engajados para que uma empresa produza conteúdo patenteável.

Pense nas pequenas melhorias desenvolvidas dia após dia pelos operários de chão de fábrica. Quem melhor que o próprio operário, que convive com uma máquina 40 horas por semana para saber como torná-la mais rápida, mais produtiva ou mais eficaz?

E o que dizer dos consumidores e dos vendedores que lidam diretamente com o usuário final dos produtos fabricados por uma empresa? Quem melhor que o vendedor do ponto de vendas, que conhece de perto o consumidor final do produto produzido por uma indústria, para sugerir objetivos de melhorias nesse objeto?

Isso tudo não é mera conjectura de quem assina este artigo. Nomes renomados de grandes centros acadêmicos reconhecem que a inovação tem diversas raízes além dos centros de pesquisa e desenvolvimento modernos.

Firms can undertake R&D cooperation projects with many partners: firms that belong to the same group, competitors, suppliers and customers (vertical cooperation), universities, and public centres. (Blasco Augustí and Carod Josep – Sources of innovation and industry – university interaction: Evidence from Spanish firms Universitat Rovira i Virgili – 2008)

Broad, complex and multi-faceted, creativity can take many forms and can be found within a variety of contexts. It is embodied by individuals with a broad range of personal characteristics and backgrounds. It appears that the only rule is that there are no hard and fast rules concerning the sources of creativity. (Adams Karlyn – The Sources of Innovation and Creativity – National Center on Education and the Economy – 2005)

Alguém poderia refutar esse ponto, afirmando que as inovações promovidas por cientistas e pesquisadores são mais significativas que as inovações promovidas pelo leigo ou pelos profissionais menos escolarizados da indústria.

Essa informação não é inteiramente verdade. Para ilustrar esse ponto, note-se que, as maiores invenções de breaktrough já vistas pela humanidade são quase sempre criadas por inventores independentes, que não possuem grande experiência acadêmica, nem trabalham em centros de P&D abrigados em indústrias ou universidades. Pense no avião, no motor a combustão interna, na prensa de Gutenberg, na lâmpada, no editor de textos, no computador pessoal, na internet, nos search engines… A maioria avassaladora das invenções de ruptura são criações do inventor independente.

Como os cientistas e pesquisadores trabalham geralmente restritos a determinados microcosmos de conhecimento, que se afunilam na mesma proporção em que se eleva o degrau acadêmico ocupado por esses profissionais, é mais comum que as invenções de cientistas e PHDs consistam em inovações incrementais, isto é, melhorias e adaptações a tecnologias existentes. É mais difícil pensar fora da caixa quando se sabe cada vez mais sobre cada vez menos.

On the one hand, the patents with the greatest impact in the population belonged to independent inventors; on the other hand, independent inventors were more likely than corporate inventors to patent inventions that had little impact. (Kristina Dahlin e outros Today’s Edisons: Technical Merit and Success of Inventions by Independent Inventors, University of Toronto, University of California Berkeley, Carnegie Mellong University – 2002)

Resumindo, cientistas, pesquisadores e PHDs são sempre bem vindos quando se discute inovação e elevação do número depósitos de pedidos de patente. As melhorias tecnológicas trazidas por esses profissionais são essenciais ao desenvolvimento industrial. Contudo, esse contingente de cientistas constitui apenas uma fração de toda a cadeia de inovação da indústria. Não é justo imputar o fraco desempenho nacional em inovação na conta desses profissionais.

Como podemos constatar pelos dados acima, não será um aumento do número de pesquisadores nacionais que irá elevar o número de depósitos de pedidos de patente brasileiros. Lembrando que, o Brasil deposita em média 0,03 pedidos de patente por ano para cada pesquisador domiciliado em nosso país, ao passo que países como a China depositam vinte vezes mais pedidos de patente por número de pesquisador domiciliado nesse país.

Tendo sido esclarecido que a fraca aptidão pela inovação e pelo depósito de pedidos de patente não pode ser inteiramente imputada ao INPI nem à carência em pesquisadores e mão de obra qualificada, em parte por exclusão de possibilidades e em parte por conhecimento empírico, acreditamos que, um dos maiores responsáveis pela péssima colocação brasileira nos rankings de inovação internacionais é a pura falta de conhecimento e familiaridade do empresariado nacional no que concerne à Propriedade Industrial.

Entendemos que, boa parte das empresas brasileiras perde excelentes oportunidades ano após ano, apenas por não revelarem um grau de familiaridade mínimo com esse tema. Patente no Brasil é mito, é figura folclórica, que todos já ouviram falar, mas ninguém conhece de perto. Com raríssimas exceções, o empresário brasileiro não sabe quais são os direitos conferidos por uma patente, não sabe o que pode ser patenteado, nem sabe como é possível ganhar dinheiro com essa ferramenta.

Todo empresário parece ter uma desculpa na ponta da língua para justificar porque não investe em patentes. Poucos, contudo, sabem a fundo o potencial dessa ferramenta.

Diante dessa constatação, cremos que o primeiro passo para revertermos o cenário brasileiro é a conscientização dos tomadores de decisão nas empresas, sobretudo as empresas do segmento industrial. Se os líderes empresariais não tiverem consciência de que podemos inovar e produzir conteúdo patenteável com os recursos que dispomos hoje, se não estiverem convencidos de que podemos lucrar com o investimento em inovação, não será uma melhora no backlog do INPI ou um aumento do número de PHDs brasileiros que irá alterar esse quadro.

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