REFLEXÕES SOBRE A PERTINÊNCIA DO RERCT

Giácomo Paro – André Gomes
Correio Braziliense

Em um país onde as desigualdades sociais são evidentes, é natural que a primeira reação à instituição de um programa de anistia destinado àqueles contribuintes que mantém recursos não declarados no exterior seja bastante negativa.

Parece ser politicamente correto condenar tal medida e bradar contra esse suposto privilégio dado aos “ricos” que, deliberadamente, e por tantos anos, infringiram a lei. Também é possível compreender aqueles que buscam nomes e se referem a fatos históricos para construir teorias que advoguem contra os objetivos da Lei nº 13.254, de 13 de janeiro de 2016, que instituiu o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT).

É preciso, no entanto, que todos nós realizemos uma reflexão mais cuidadosa e fundamentada sobre esse tema, sob pena de nos atermos unicamente a esses primeiros impulsos emocionais contrários ao RERCT. Primeiro, é preciso dizer que o Brasil não está sozinho na instituição de um programa de anistia desse tipo.

Com base em pesquisa realizada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com 47 países é possível constatar que a grande maioria instituiu programas especiais e temporários, tal como o RERCT, para possibilitar que os contribuintes voluntariamente informassem às autoridades a existência de bens não declarados no exterior, recolhendo o correspondente tributo.

Países como Argentina, França, Dinamarca, Chile, Portugal, para citar apenas alguns dos mencionados na pesquisa da OCDE, adotaram programas especiais com características muito parecidas com aquelas presentes no RERCT.

Uma característica marcante na grande maioria desses programas é a impossibilidade de o contribuinte vir a ser processado e condenado pelos crimes relacionados à conduta informada. É impraticável pensar em um programa de anistia caso não exista condições institucionais que permitam assegurar a manutenção dos benefícios — a anistia dos crimes praticados — que estimularam a sua adesão.

Um segundo e importante elemento é o contexto no qual o RERCT está inserido. O Brasil é signatário da Convenção Multilateral sobre Assistência Administrativa Mútua em Assuntos Fiscais, aprovada pelo Congresso Nacional em abril deste ano, que tem como signatários mais de 90 países.

Em resumo, essa convenção permite a assistência administrativa entre as autoridades fiscais dos países signatários, o que compreende a troca de informações, a fiscalização tributária simultânea e a participação em fiscalização no exterior.

A OCDE reconhece que a adoção de um programa que permita aos contribuintes apresentarem voluntariamente informações quanto aos bens detidos no exterior não declarados, inserido no contexto da implementação de medidas de complicam-se fiscal, tais como a adoção de acordo para troca de informações, traz benefícios a todos os envolvidos.

Isso porque um programa dessa natureza permite que uma grande parcela de contribuintes, impulsionados pela perspectiva de uma fiscalização mais rigorosa, apresentem-se voluntariamente perante as autoridades e regularizem sua situação, o que evita maiores gastos com fiscalização e possibilita um fluxo imediato de receitas para o país. É importante notar que a regularização, efetuada por declaração do contribuinte, é passível de verificação, que deverá ser efetuada pelas autoridades competentes com o efeito de evitar que recursos não elegíveis ao regime (ditos recursos ilícitos) sejam “lavados”.

Os contribuintes que sempre cumpriram com suas obrigações, por sua vez, sentem-se recompensados, na medida em que aqueles que aderem ao programa terão que arcar com um custo tributário importante para regularizar sua situação — por vezes, a depender do caso, com um custo tributário que não seria devido caso determinados procedimentos houvessem sido adotados no passado.

Ao mesmo tempo, isso permite que as autoridades fiscais utilizem seus recursos de maneira mais eficiente para fazer valer as medidas de compliance fiscal instituídas, focando seus esforços naqueles que, por qualquer razão, permaneceram à margem da lei.

Nesse sentido, consolida-se a expectativa de que as autoridades terão condições e realizarão de maneira adequada e eficiente seu trabalho, fazendo valer as leis e punindo aqueles que continuam não declarando os bens detidos no exterior e não recolhendo eventuais tributos devidos.

Em resumo, a instituição do RERCT (i) mostra um alinhamento do Brasil com práticas internacionais de combate à evasão fiscal, sendo é plenamente justificável, dado atual contexto de instituição de medidas para forçar o complicam-se fiscal; e (ii) traz benefícios a todos os envolvidos (Estado e Contribuintes, incluindo àqueles que sempre agiram de acordo com a lei).

Feita essa reflexão, parece-nos que, embora compreensíveis, merecem ser superados os primeiros impulsos contrários à instituição do RERCT, sob pena de permanecermos presos a pensamentos de um Brasil distante das tendências internacionais em matéria fiscal.

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