Transição energética: Eólicas offshore e hidrogênio verde

A transição para uma economia de baixo carbono, em escala global, passa pela transição ou transformação energética. Assim, o aumento da participação das fontes de energia renováveis na matriz energética – como hidrelétrica, eólica, solar e biomassa – é imprescindível para que se atinja os objetivos de redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) no combate às mudanças climáticas.

No mundo – e especialmente no Brasil, em que a matriz energética já é bastante renovável –, o foco da transição energética envolve não apenas a geração de energia, mas também o consumo, especialmente das indústrias de consumo intensivo de energia (“hard to abate industries”), como a indústria do aço, cimento, produtos químicos, além do transporte de longa distância. A busca pela eficiência energética também é grande aliada, buscando otimizar a utilização de bens e serviços e alcançar o melhor resultado e rendimento com o menor uso de recursos possível, por meio, por exemplo, de equipamentos mais eficientes, uso racional do solo e da água, impulsionamento da economia circular etc. Nessa linha, tem se falado nos objetivos de triplicar a capacidade global de geração de energia renovável e duplicar a eficiência energética até 2030 (“triple up, double down”)1 para não ultrapassar o limite ideal de 1,5°C no aumento da temperatura média global estipulado pelo Acordo de Paris.

Além de absolutamente necessária, a transição energética é também uma oportunidade para o desenvolvimento de novos negócios – que podem ser identificados dentro ou fora do core business das empresas – e, intrinsecamente, fomenta a inovação, a exploração de novas possibilidades de atuação, de mudança de processos, de desenvolvimento de novas tecnologias, novos produtos e serviços envolvendo fontes de energia renováveis. Em uma visão mais ampla, a transição energética é capaz de fomentar novas indústrias e trazer crescimento econômico ao País.

No cenário da transição energética no Brasil e no mundo, duas novas tecnologias têm se destacado como potencial de contribuir significativamente para o atingimento das metas net zero e o desenvolvimento de novos e impactantes negócios (ao lado dos biocombustíveis e da eletrificação de frotas, por exemplo): a geração eólica offshore e a produção de hidrogênio verde.

Eólicas offshore

A geração de energia eólica em ambiente marinho (offshore) é, globalmente, uma grande aposta para dar tração ao movimento da transição energética, considerando a disponibilidade das áreas marítimas, a velocidade e a qualidade do vento – fonte de energia renovável, que permite empreendimentos com capacidade instalada significativa, na casa dos gigawatt de potência.No Brasil, o potencial para a geração de energia eólica offshore é enorme, devido à costa brasileira de larga extensão, com geografia em platô e águas de baixa profundidade, com ventos intensos. Estudos realizados pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) concluíram haver potencial técnico de cerca de 700 GW em locais com profundidade de até 50 m. Tal cenário tem atraído o interesse de inúmeros empreendedores, os quais vêm apresentando ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) pedidos de licenciamento ambiental para projetos eólicos offshore no litoral brasileiro. Atualmente, tem-se o impressionante número de 96 projetos com pedido de licenciamento protocolado no IBAMA, totalizando 234,2 GW de potência instalada2, que representa mais do que a capacidade de geração total instalada no Brasil, no momento.

A concretização desse potencial passará pelo desenvolvimento da cadeia de fornecimento, acarretando significativos investimentos, criação de empregos e receitas governamentais, onde certamente a inovação será peça chave.

O progresso da eólica offshore no Brasil aguarda, especialmente, a evolução de definições regulatórias3, que serão o vetor para que os empreendedores deem início aos seus investimentos e ao aprofundamento dos estudos de viabilidade técnica e econômica atinentes aos seus projetos. Além disso, há diversos desafios a serem enfrentados – como a criação de demanda, desafios de conexão, planejamento do espaço marinho e adaptação da infraestrutura portuária – e, portanto, trata-se de um planejamento de longo prazo.

Porém, está-se diante de um enorme potencial de construção de uma nova indústria no País, fomentando desenvolvimento tecnológico e econômico e contribuindo para a transição energética – especialmente das empresas de óleo e gás, que possuem o capital intensivo necessário aos investimentos em eólica offshore (além da expertise na instalação de estruturas, logística e operações no ambiente marinho) e que necessitam diversificar seu portfólio.

Destaca-se que a possibilidade de ampliar a exploração das fontes de energia renovável hoje existentes – como eólicas em terra (onshore) – de forma mais competitiva em comparação à eólica offshore, não afasta a importância e a necessidade de se explorar essa e outras novas fontes de energia.

Hidrogênio Verde (H2V)

Outra tecnologia promissora para contribuir com a transição para uma matriz energética mais limpa é a produção de hidrogênio verde ou hidrogênio de baixa emissão de carbono, cuja produção é realizada a partir de fontes de energia renováveis, como solar e eólica.

O H2V pode ser utilizado, por exemplo, como matéria-prima para indústria de aço, indústria química na produção de amônia e metanol, e refinaria de petróleo, setores esses com alto consumo de H2 intensivo em carbono e que poderiam migrar para H2V, conectando-se a uma nova cadeia produtiva. Há também potencial para novas aplicações de H2V e usos em outros setores, como combustível para transportes diversos – rodoviários, ferroviários, marítimos e aéreo –, uso energético industrial e muitos outros usos potenciais, expandindo-se a demanda atual.

O Brasil possui potencial de protagonismo nesse cenário, devido ao extenso território e à disponibilidade de recursos para a geração de energia renovável (no contexto do chamado Powershoring). Dados da McKinsey4 mostram uma oportunidade total de US$ 15 a 20 bilhões em receitas até 2040, sendo a maior parte desse potencial para servir ao mercado doméstico, em particular o transporte de carga por caminhões, a siderurgia e outras indústrias intensivas em energia. A Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (ABIHV), por sua vez, projeta a atração de US$ 7 trilhões em investimentos no H2V até 2050, no Brasil, além de R$ 693 bilhões em impostos e aponta 52 projetos já anunciados.

Diversos desafios devem ser superados para que o mercado de H2V se torne viável no País, com plantas de geração de energia renovável, eletrólise e infraestruturas de armazenamento e transporte. Os principais desafios dizem respeito à regulação, à demanda e ao financiamento. É preciso ter garantia de demanda a subsidiar investimentos da magnitude dos projetos de H2V e isso será alavancado quando houver segurança a partir da regulação.

Necessário, portanto, avançar no marco regulatório do H2V5, em políticas que auxiliem na indução da demanda, no fortalecimento da cadeia de suprimento, em investimentos em P&D e inovação para redução de custos de geração, armazenamento e transporte de hidrogênio, na preparação da infraestrutura, dentre outros desafios.

Potencial brasileiro

Para evoluir no desenvolvimento de uma indústria verde capaz de atrair investimentos privados e aproveitar as oportunidades oriundas da posição naturalmente favorável e competitiva do País nesse mercado, será preciso avançar no arcabouço regulatório – notadamente os marcos legais em relação à geração de energia offshore, ao H2V e ao Mercado de Carbono. Este fator será capaz de subsidiar tomadas de decisão seguras e planejamento estruturado pelos investidores.

Tal avanço deve ocorrer antes que as vantagens competitivas hoje existentes no País sejam superadas pela rapidez de outras nações em arquitetar uma estrutura de estímulos apta a atrair os investimentos que aguardam o sinal verde para dar tração a esses novos e latentes mercados. Trata-se de riquíssimo potencial de liderança do Brasil na transição energética mundial, impulsionando um ecossistema envolto em inovação, avanço tecnológico, novas cadeias de suprimento, geração de empregos verdes, aplicação de conhecimento científico, ganhos de infraestruturas e tudo o mais que permeia uma nova indústria em propulsão.

Publicado no Jornal do Comércio. Para ler, clique aqui.

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