Um retrocesso na modernização das relações de trabalho

Flavio Sirangelo
JOTA
26/06/2017

Votação ocorrida na CAS do Senado nos trouxe à estaca zero?

Não é exatamente uma surpresa saber que a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado Federal, por escassa maioria, aprovou um voto que combate as ideias, os esforços e as tentativas de promover a reforma de modernização da legislação trabalhista.
Esta deve ser vista como uma etapa natural do processo político inerente ao Poder Legislativo. O que causa perplexidade, no entanto, é perceber que o voto aprovado se arroga a substituir o parecer do relator da matéria sem dignar-se a propor uma alternativa sequer para esse gigantesco problema social e institucional.
O modelo de regulação das relações de trabalho no Brasil chegou a um ponto limite de exaustão. Ninguém pode ignorar, de sã consciência, que o seu envelhecimento e a sua inaptidão para organizar o mundo do trabalho é a causa determinante do pandemônio de litigiosidade que a Justiça do Trabalho se vê compelida a administrar. Trata-se, como visto ao longo dos longos debates e audiências públicas promovidas na Câmara Federal, de um sistema normativo defasado e adverso à realidade na qual deveria operar. Embora abundante na quantidade de normas legais e administrativas, súmulas e outros precedentes judiciais, transformou-se em mola propulsora de insegurança jurídica. Com isso, acabou por contribuir para o desestímulo ao empreendimento e para a mais perversa das suas consequências, que é a diminuição alarmante da oferta dos empregos formais.
Esse modelo funciona como um gatilho quase automático de judicialização, contribui para a exacerbação de custos e, sobretudo, desvia o foco das pessoas das suas atividades produtivas para disputas muitas vezes intermináveis e onerosas.
Por tudo isso, é de pasmar que a Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal tenha aprovado um voto que não tem nada de propositivo e que pouco contém de conteúdo analítico sério, concluindo simploriamente pela rejeição total do projeto de reforma.
Voltamos à estaca zero? Parece ser isso o que pretendem, de costas para o país, os Senadores que deram maioria à votação ocorrida na CAS. Menos mal que a discussão prosseguirá na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), à qual caberá encontrar uma solução para evitar que fracasse o necessário movimento de mudança que o projeto de lei aprovado na Câmara desencadeou, de modo a permitir algum arejamento nas relações de trabalho.
Lamenta-se, de qualquer modo, que nesta última etapa venceram argumentos em defesa de algo que já se demonstrou indefensável. É preciso ler para crer, por exemplo, no voto vencedor da CAE do Senado, a sugestão de que não é possível acabar com a contribuição sindical obrigatória, “sem substituí-la por qualquer outra fonte previsível de financiamento dos sindicatos”. Como se fosse natural exigir dos trabalhadores e demais agentes do mercado de trabalhoa obrigação de prover compulsoriamente o sustento mais de 15 mil entidades sindicais de empregados e empregadores, mesmo sendo certo que a Constituição da República garante a plena liberdade de associação (art. 5º, XVII) e diz que ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato (art. 8º, V).
Pior ainda: sem apresentar alternativas, o relatório afirma que “uma real modernização das relações de trabalho deveria ter como pressuposto a eliminação das formas precárias e arcaicas de trabalho”, ignorando o fato de que foi exatamente no cenário da rigidez excessiva da CLT, da superação escancarada do seu modelo único de emprego e da incerteza causada pelas idas e vindas interpretativas do seu texto que floresceu o chamado trabalho informal. E, além disso, este é o cenário que só faz agravar a chaga do desemprego.
Alheio a essa realidade, o voto vencedor na Comissão do Senado ocupa-se em promover oposição cerrada a qualquer mudança, insistindo inclusive numa visão restritiva da liberdade de negociação coletiva, negando-se ao reconhecimento das convenções e dos acordos coletivos de trabalho, apesar de ser esse um direito assegurado na Constituição aos trabalhadores urbanos e rurais do Brasil (art. 7º, XXVI).
O relatório aparenta, ainda, abraçar o entendimento de que estamos bem servidos pela pletora de textos normativos baixados pela jurisprudência trabalhista. Não é preciso legislar agora, lê-se nas entrelinhas do malsinado parecer. Mas, convenhamos, não é dos juízes que se deve esperar um tipo de atuação voltada sistematicamente à escolha das normas de conduta social, pois esta é uma atividade que pertence estritamente ao campo legislativo. Impedir que uma revisão do sistema normativo trabalhista transite no foro próprio do Legislativo é uma atitude que, na prática, desatende às expectativas sociais de vivermos sob um governo de leis, e não sob um governo de juízes.
Enfim, não há razão plausível para cortar pela raiz uma reforma que traria oxigênio a um corpo esclerosado, impedindo que leis mais consentâneas com o tempo presente sejam experimentadas. O certo seria impulsionar a discussão e buscar uma nova realidade normativa, capaz de nos poupar do constrangimento que os números da litigiosidade judicial trabalhista brasileira costumam provocar.

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