Apostas esportivas: regulação pela Medida Provisória do Governo Federal

Apostas esportivas: regulação pela Medida Provisória do Governo Federal
  • Governo Federal publica Medida Provisória para regular Apostas Esportivas;
  • Casas de Apostas deverão obter outorga junto ao Ministério da Fazenda;
  • Atletas, árbitros, dirigentes, empresários ficam proibidos de apostar;
  • Multas podem variar entre 0,1% e 20% sobre o produto da arrecadação;
  • Tributação será de 18% sobre a receita bruta dos jogos;
  • Novas regras para publicidade ainda possuem lacunas;
  • Regras para prevenção à lavagem de dinheiro e a fraudes no esporte entram e vigor.

O Governo Federal publicou essa semana, a Medida Provisória nº 1.182/2023, disciplinando a exploração da loteria de aposta de quota fixa pela União – as apostas esportivas (ou bets). Foram alteradas as redações dos Artigos 17, 20, 22, 23, 29, 30, 33, 34 e 35 da Lei nº 13.756/2018, além de terem sido acrescentados os dispositivos 29-A, 33-A, 33-B, 33-C, 33-D, 34-A e 35-A ao 35-F.

A seguir, destacam-se as principais inovações do texto normativo em matéria regulatória, tributária e de compliance:

Habilitação das Casas de Apostas (Art. 29-A, 35-F, Lei nº 13.756/2018)

Os operadores, conhecidos popularmente como casas de apostas, deverão obter a concessão de outorga do Ministério da Fazenda para explorar loteria de apostas de quota fixa em meio físico e virtual. Os operadores podem ser pessoas jurídicas nacionais ou estrangeiras, desde que devidamente estabelecidas no território nacional, e deverão atender às exigências constantes da regulamentação do Ministério da Fazenda, ainda inexistente.

Caberá ao Ministério da Fazenda a fixação do valor da outorga. Frustrando as expectativas do mercado, a publicação da MP não especificou o valor, mas especula-se que a outorga poderá atingir o valor de R$ 30 milhões pelo período de 5 (cinco) anos[1].

Pessoas Proibidas de Apostar (Art. 35-E Lei nº 13.756/2018)

A fim de mitigar conflitos de interesses e riscos de manipulação de resultados e outras fraudes no esporte, a MP veda a participação, na condição de apostador, de pessoas que possam, direta ou indiretamente, influenciar os resultados.

Fica vedada a participação, entre outros, de pessoas vinculadas (i) ao agente operador (proprietários, administradores, gerentes funcionários etc.); (ii) ao mundo do esporte (atletas; dirigentes desportivos; técnicos e comissão técnica; árbitros; empresários etc.); (iii) ao poder concedente (agentes públicos ligados à regulação, controle e fiscalização da atividade). Além desses, a proibição de apostar estende-se aos cônjuges, companheiros e parentes em linha reta e colateral até o segundo grau.

Menores de 18 anos e pessoas inscritas nos cadastros nacionais de proteção ao crédito também estão proibidas de apostar.

Tributação e destinação do produto de arrecadação

A MP estabeleceu nova tributação e destinação do “Gross Gaming Revenue” (“GGR”), representado pelo produto de arrecadação das loterias, após deduzidos os prêmios pagos aos apostadores e o Imposto de Renda sobre ele incidente.

Por meio da nova regra, foram majoradas as alíquotas da contribuição social sobre a GGR, que passaram de 0,05% (apostas em meio virtual) e 0,10% (apostas em meio física) para 10% nos dois cenários. A nova cobrança passa a ter efeitos somente no primeiro dia de novembro de 2023, cumprindo a anterioridade nonagesimal.

Além da nova alíquota, a MP previu outras destinações obrigatórias para o produto da arrecadação, totalizando um impacto de 18% sobre o produto da arrecadação, na forma abaixo:

  • 10% de contribuição para a seguridade social;
  • 0,82% destinado a programas de educação;
  • 2,55% ao Fundo Nacional de Segurança Pública;
  • 1,63% destinados aos atletas e organizações em contrapartida ao uso de seus nomes, marcas e emblemas para a execução de apostas de quota fixa;
  • 3% destinado ao Ministério do Esporte.

Além disso, os prêmios pagos aos apostadores estarão sujeitos ao Imposto de Renda, cobrado à alíquota de 30%, que será retido e recolhido pelas casas de apostas.

Ações de Comunicação, Publicidade e Marketing (Arts. 33, 33-A, 33-B, 33-C, 33-D, Lei nº 13.756/2018)

A Medida Provisória nº 1.182/2023 estabeleceu novas regras referentes às ações de comunicação, publicidade e marketing da modalidade lotérica de aposta de quota fixa. Nesse sentido, pode-se destacar:

  1. a necessidade de o agente operador da loteria de aposta de quota fixa promover ações informativas de conscientização dos apostadores e de prevenção do transtorno do jogo patológico, por meio da elaboração de códigos de conduta e da difusão de boas práticas – nesse ponto, o legislador remete à futura regulamentação do Ministério da Fazenda e do CONAR;
  2. a proibição da realização de publicidade e propaganda comercial, ou qualquer tipo de veiculação de nomes e marcas, quando não houver outorga pública para a atividade – vedação essa que entrará em vigor em prazo a ser estabelecido pelo Ministério da Fazenda –, com obrigação das empresas divulgadoras da publicidade ou propaganda de excluírem das divulgações as campanhas irregulares, após comunicação do Ministério da Fazenda a esse respeito;
  3. a proibição de empresas prestadoras de atividades de loteria de apostas de quota fixa de adquirirem, licenciarem ou financiarem a aquisição de direitos de eventos reais de temática esportiva realizados no Brasil para emissão, difusão, transmissão, retransmissão, reprodução, distribuição, disponibilidade ou qualquer forma de exibição de seus sons e imagens;
  4. a proibição de sócio ou acionista controlador de empresa operadora de loteria de apostas de quota fixa deter participação, direta ou indireta, em Sociedade Anônima do Futebol ou em organização esportiva profissional, bem como de atuar como dirigente de equipe desportiva brasileira.

O tema permanece com lacunas importantes, que serão futuramente regulamentadas pelo Ministério da Fazenda e pelo Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (CONAR).

Quanto à futura regulamentação pelo CONAR, destaca-se ainda que o órgão já firmou, com a Associação Nacional de Jogos e Loterias e o Instituto Brasileiro de Jogo Responsável, convênio para a definição de regras para peças publicitárias do setor de apostas esportivas. Essas diretrizes terão por intuito definir as melhores práticas nas divulgações feitas pelas empresas, abrangendo princípios como transparência, integridade e responsabilidade social.

Prevenção à Lavagem de Dinheiro e à fraude no esporte (Arts. 33-D, §§ 1º, 2º e 4º; 35-C, inciso VIII; 33-D, incisos VIII e IX; 35-F, inciso III e § 4º, Lei nº 13.756/2018)

A Lei nº 13.756/2018 já previa, em seu Artigo 35, que os agentes operadores, na forma das normas editadas pelo Poder Executivo, deveriam remeter ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) as informações sobre os apostadores relacionadas à prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo (PLD/FT). No entanto, a Medida Provisória nº 1.182/2023 ampliou a regulamentação e estabeleceu novas regras referentes à adequação dos operadores quanto às obrigações dessa natureza. Nesse sentido, podemos destacar:

  1. a necessidade de o agente operador adotar mecanismos de segurança e integridade no desenvolvimento das loterias de apostas de quota fixa;
  2. a obrigatoriedade de os eventos esportivos objeto de apostas contarem com ações que mitiguem a manipulação de resultados e a corrupção nos eventos reais de temática esportiva, por parte do agente operador, em consonância com o Art. 177, da Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023), e ato normativo editado pelo Ministério da Fazenda;
  3. a obrigatoriedade de o agente operador reportar ao Ministério da Fazenda eventos suspeitos de manipulação no prazo de 5 (cinco) dias úteis, contado a partir da do conhecimento do evento suspeito por parte do agente operador;
  4. a configuração, como infração administrativa, da execução, do incentivo, da permissão, bem como da contribuição ou participação em “práticas atentatórias à integridade esportiva, à incerteza do resultado esportivo, à transparência das regras aplicáveis ao evento esportivo, à igualdade entre os competidores, e qualquer outra forma de fraude ou interferência indevida apta a afetar a lisura ou a higidez das condutas associadas ao desempenho idôneo da atividade esportiva”.

Adicionalmente, a MP nº 1.182/2023 também estabeleceu que é de competência do Ministério da Fazenda a regulação, fiscalização e aplicação das sanções administrativas em relação aos deveres previstos na Lei de Prevenção à Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/98), bem como que o Ministério do Esporte irá auxiliar o Ministério da Fazenda nas ações de fiscalização destinadas a garantir a integridade no esporte.

Ainda, a oferta de contas transacionais que permitam ao apostador efetuar transações de pagamento de apostas de quota fixa, e o recebimento de seus eventuais prêmios será exclusiva de instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.

Infrações Administrativas

O Ministério da Fazenda poderá exercer atividade fiscalizatória quanto ao fiel cumprimento das disposições da Lei nº 13.756/2018, sendo que possíveis infrações serão apuradas mediante processo administrativo – cuja estrutura ainda será objeto de Projeto de Lei.

Ainda assim, a MP nº 1.182/2023 estabeleceu, a partir da inclusão do artigo 35-C à Lei nº 13.756/2018, a previsão das hipóteses de infrações administrativas passíveis de punição, podendo-se destacar: (i) exploração de loteria de apostas de quota fixa sem prévia outorga; (ii) realização de operações ou atividades vedadas, não autorizadas ou em desacordo com a outorga concedida; (iii) oposição de embaraço à fiscalização do órgão competente; (iv) não fornecimento ao órgão competente de dados, documentos ou informações imposto por normas; (v) divulgação de publicidade e de propaganda comercial de operadores não autorizados.

A configuração de uma das hipóteses de infração administrativa, após o processo administrativo, dará lugar à aplicação de sanção administrativa, destacando-se (i) advertência, (ii) multa (calculada sobre o produto da arrecadação, nunca sendo inferior à vantagem auferida, quando possível a sua estimação, nem superior a R$ 2 bilhões); (iii) suspensão temporária, parcial ou total, do exercício das atividades, ou mesmo proibição de realização de determinadas atividades; (iv) cassação da autorização, extinção da permissão ou da concessão, cancelamento do registro, descredenciamento, ou ato de liberação análogo.

Destaca-se, por fim, a possibilidade de a fiscalização também ocorrer por outros órgãos públicos, dentro de suas competências, a exemplo da SENACON e de Procons (Estaduais ou Municipais), caso seja identificada violação às regras do Código de Defesa do Consumidor, em especial quanto à oferta dos serviços e às regras de publicidade.

A íntegra do texto da Medida Provisória pode ser consultada aqui.


[1]https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/05/11/ministerio-da-fazenda-divulga-proposta-para-regulamentar-apostas-esportivas.ghtml; e https://www.uol.com.br/esporte/colunas/olhar-olimpico/2023/06/27/governo-calcula-que-ate-100-sites-de-apostas-vao-comprar-outorga.htm

Sou assinante
Sou assinante