CADE aplica multa reduzida de Gun Jumping em caso envolvendo aquisição em Bolsa de Valores estrangeira com efeitos no Brasil

CADE aplica multa reduzida de Gun Jumping em caso envolvendo aquisição em Bolsa de Valores estrangeira com efeitos no Brasil

Em outubro de 2023, teve desfecho um Procedimento Administrativo para Apuração de Ato de Concentração (APAC) envolvendo investidor europeu e fornecedora estrangeira de soluções de plataformas offshore (FPSO).

O APAC foi instaurado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) após apresentação voluntária da operação ao CADE, junto de uma proposta de acordo, pelas próprias partes. APAC refere-se à investigação de consumação antecipada de operações que deveriam ter sido notificadas ao CADE, mas que, por alguma razão, não foram (gun jumping).  A prática de gun jumping pode acarretar multas entre R$ 60 mil e R$ 60 milhões, além da possibilidade – até então não efetivamente exercida – de decretação de “nulidade” da operação que não foi notificada.

Segundo as partes, em 27 de fevereiro de 2020, o investidor europeu adquiriu, em bolsa de valores fora do Brasil, certas ações emitidas pela fornecedora estrangeira de FPSOs. Ao efetuar a aquisição, o investidor europeu percebeu que sua participação societária na fornecedora de FPSO ultrapassou 20% do capital social ou votante, um dos patamares aplicáveis para notificação de certas operações ao CADE. Conforme relato das partes ao CADE, o investidor exerceu, pela primeira vez, seus direitos políticos em assembleia-geral de sócios em 8 de abril de 2020, data na qual teria havido a consumação antecipada da operação para fins da legislação antitruste do Brasil.

Nos termos do artigo 109 do Regimento Interno do CADE (RICADE), dada a dinâmica do mercado de capitais, operações realizadas em bolsa de valores ou em mercado de balcão organizado independem de aprovação prévia do CADE. Contudo, nos termos do artigo 108, parágrafo 1º, do RICADE, ainda que inexista óbice para aquisição em bolsa dos valores mobiliários, o exercício de direitos políticos na investida só pode acontecer após aprovação do CADE.

Em suas interações com o CADE, as partes reconheceram a prática de gun jumping e apresentaram descritivo de cálculo de sanções projetadas e descontos aplicáveis ao caso concreto, em linha com a Resolução nº 24/2019 do CADE (R24/2019).

Conforme o artigo 21 da R24/2019, os seguintes fatores balizam a aplicação de multas e concessão de descontos em casos de gun jumping:

Majorantes: (i) decurso de prazo, equivalente a 0,01% do valor da operação por dia de atraso entre a consumação da operação e a efetiva notificação da operação ao CADE; (ii) gravidade de conduta, até 4% do valor da operação, a depender do desfecho da decisão do CADE; e (iii) intencionalidade, até 0,4% do faturamento médio dos grupos econômicos envolvidos no ano anterior ao da consumação da operação.

Mitigadores: (i) desconto de 50% se as partes espontaneamente notificarem a operação e informarem a ocorrência de gun jumping antes do recebimento de denúncia, representação ou instauração de investigação ex officio por órgãos do CADE; (ii) desconto de 30% no caso de notificação da operação após recebimento de denúncia ou representação, mas antes da instauração de APAC; e (iii) desconto de 20% no caso de notificação da operação após instauração de APAC, mas antes da decisão pelo Tribunal do CADE.


No caso concreto, as partes fizeram jus ao desconto de 50% do valor projetado da multa de gun jumping. A principal discussão envolveu nível de intencionalidade para cálculo da multa projetada, em virtude de a operação ter envolvido agentes internacionais vistos pelo CADE como sofisticados por já terem notificado operações de M&A no Brasil em anos anteriores.

Entretanto, o CADE reconheceu algumas especificidades do caso e, em especial, da própria natureza da operação não notificada: (i) a regra de aquisições em bolsa e suspensão de direitos políticos não consta da Lei nº 12.529/2011, mas, sim, de norma infralegal; (ii) ao que consta, a regra brasileira aplicável não encontraria equivalentes em outras jurisdições de grande porte; e (iii) a operação envolveu dois grupos estrangeiros em bolsa estrangeira. Tais fatores serviram para atenuar algumas métricas de cálculo da multa projetada.

O caso aqui discutido demonstra a importância de assessoria concorrencial apropriada no âmbito de operações e reorganizações societárias, ainda que realizadas fora do Brasil. A análise do preenchimento dos testes jurisdicionais de notificação ao CADE pode ser complexa, sobretudo em casos envolvendo estrangeiros, fundos de investimento, famílias e pessoas físicas como investidores e partes de acordos de acionistas.

À luz das particularidades das partes envolvidas e de cada operação, é possível alinhar a estratégia aplicável, particularmente diante da constatação de gun jumping em operações passadas de empresas que são agentes com interações frequentes com o CADE.

Em caso de dúvidas e para conduzir adequadamente processos de diligência concorrencial, consulte assessores legais especializados em direito concorrencial. Nossa equipe está à disposição para discutir esse e outros temas relacionados.

Lucas Griebeler da Motta – lucas.griebeler@soutocorrea.com.br
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Álvaro Rossini – alvaro.rossini@soutocorrea.com.br

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