Lei de Igualdade Salarial: os fins só justificam os meios quando os meios guardam relação com os fins
Após meses de incertezas sobre o formato do Relatório de Transparência Salarial previsto na Lei nº 14.611 e regulamentado pelo Decreto nº 11.795/2023, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) transmitiu ontem (07/02) live com esclarecimentos sobre a matéria.
O MTE informou que o relatório será elaborado por CNPJ e trará as seguintes informações:
- total de empregados considerando o sexo e a raça/etnia;
- análise percentual quanto à remuneração média (não apenas do salário base, mas de todas as verbas salariais) de homens e mulheres que exercem a mesma função, o que será feito com base nos Grandes Grupos de Ocupações da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Segundo o MTE, não haverá divulgação de salários;
- informações complementares fornecidas pelas empresas no Portal Emprega Brasil, tais como a existência de plano de cargos e salários ou plano de carreira, políticas de incentivo à contratação de mulheres e políticas para promoção de mulheres a cargos de direção e gerência.
Além disso, foram reforçados os seguintes prazos:
- As empresas que possuem mais de 100 empregados (considerando o cenário de 31/12/2023) devem, até 29/02/2024, responder ao questionário disponível no Portal Emprega Brasil. No mesmo prazo, as empresas com menos de 100 empregados deverão enviar declaração negativa;
- A partir de 15/03/2024, o MTE disponibilizará às empresas o Relatório de Transparência no Portal do PDET (Programa de Disseminação das Estatísticas do Trabalho – http://pdet.mte.gov.br/ ). O Relatório também será publicado na área do empregador do Portal Emprega Brasil, na aba Igualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios;
- Até 31/03/2024, as empresas deverão publicar o Relatório em seus sítios eletrônicos, nas redes sociais ou em instrumentos similares, garantindo a ampla divulgação para seus empregados, colaboradores e público em geral. A multa pelo descumprimento dessa obrigação é de até 3% da folha de salários do empregador, limitado a 100 salários mínimos, sem prejuízo das sanções aplicáveis aos casos de discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens.
Se por um lado o posicionamento do MTE quanto à não divulgação de salários reduziu a preocupação das empresas em relação a eventuais inconformidades do relatório no tocante às obrigações previstas na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e em relação a exposições no âmbito concorrencial, por outro trouxe questionamentos sobre eventuais interpretações equivocadas decorrentes da metodologia proposta pelo órgão.
Ao adotar como critério para comparação o salário médio (incluindo outras verbas de natureza salarial, como horas extras) para grandes grupos da CBO (diretores, gerentes, profissionais de nível superior, etc.), há o risco (para não se dizer certeza) de que serão comparadas funções absolutamente distintas, deixando de se observar os critérios para a equiparação salarial previstos no art. 461, da CLT. Em outras palavras, eventual referência ao pagamento de salários médios inferiores às mulheres sem a contextualização e o racional para a existência de tais diferenças (diferença de funções ou de tempo de serviço, por exemplo) poderá levar a fiscalização, os empregados e a sociedade a chegarem a conclusões absolutamente equivocadas, o que em nada contribuirá com o mais do que legítimo propósito da lei de garantir a igualdade salarial entre homens e mulheres.
Diante das inúmeras fragilidades que identificamos no formato proposto na live, recomendamos que as empresas continuem trabalhando em seus próprios relatórios, observando os critérios previstos na legislação, de forma a ter elementos para demonstrar aos órgãos fiscalizadores, aos seus empregados e à sociedade a inexistência de discriminação de gênero.
A leitura da exposição de motivos da Lei nº 14.611 nos diz que “a proposta tem o objetivo de atingir a igualdade de direitos no mundo do trabalho” e que “Para alcançar esse objetivo estabelece mecanismos de transparência salarial e remuneratória (…), o incremento da fiscalização contra a discriminação, a aplicação de sanções administrativas e a facilitação de meios processuais para a garantia da igualdade salarial e remuneratória entre mulheres e homens”.
Assim, fica o questionamento: as informações disponíveis no eSocial já não seriam suficientes para a fiscalização quanto ao pagamento de salário diferente para pessoas que exercem a mesma função? A disponibilização do Relatório de Transparência tão somente aos órgãos fiscalizadores não seria suficiente aos fins a que se destina a lei? A exposição das empresas em decorrência do formato proposto para o relatório é justificável diante dos objetivos definidos pelo legislador? Como na maioria das vezes, o tempo trará as respostas. A diferença é que, nessa situação, a superficialidade da análise e as inconsistências apresentadas apenas retardará a implementação da tão justa e desejada igualdade salarial entre homens e mulheres.