STF confirma aplicação da Selic como índice para atualização de dívidas civis
A recente decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal marca um importante avanço na consolidação da jurisprudência sobre a atualização de dívidas civis no Brasil. Ao confirmar a aplicação da taxa Selic como índice único para correção e juros moratórios, o STF encerra mais um capítulo dessa longa controvérsia que atravessa décadas e diferentes interpretações judiciais.
1. 2ª Turma do STF decide pela aplicação da taxa Selic em dívidas civis
Na última sexta-feira (12 de setembro), nos autos do Recurso Extraordinário 1.558.191/SP, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (“STF”) decidiu, por unanimidade, que a taxa Selic deve ser aplicada como índice de atualização das dívidas civis. O entendimento partiu do voto do Ministro Relator, André Mendonça, que aplicou o entendimento segundo o qual o artigo 406 do Código Civil remete à taxa vigente para a mora de tributos federais, atualmente representada pela Selic e que já engloba, em um único índice, juros moratórios e correção monetária. A decisão reforça posição apresentada pelo STJ nos autos do Recurso Especial 1.795.982/SP, afastando a aplicação cumulativa de juros de 1% ao mês e correção monetária por índices inflacionários.
2. A gênese da controvérsia: entre tradição e inovação
A controvérsia em torno da aplicação da Selic às dívidas civis tem raízes na transição entre o Código Civil de 1916 e o de 2002. No regime anterior, quando não pactuados, os juros moratórios eram fixados em 6% ao ano, limite reforçado pela Lei da Usura (1933) e pela própria Constituição de 1988, que estabeleceu teto de 12% ao ano — dispositivo depois revogado pela Emenda Constitucional 40/2003. Esse cenário, que impunha estabilidade e previsibilidade, veio a ser alterado com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, cujo artigo 406 passou a remeter à taxa aplicável à mora de tributos federais. Tal referência abriu espaço para a discussão sobre qual seria a taxa aplicável à mora de tributos federais, se a Selic, já consolidada como instrumento central de política monetária, ou a disposição do artigo 161, § 1º, do Código Tributário Nacional (“CTN”).
A disputa ganhou contornos jurídicos logo no início. Na I Jornada de Direito Civil (2002), o enunciado 20 sinalizou que a taxa de referência deveria ser a do artigo 161, §1º, do CTN, ou seja, 1% ao mês, e não a Selic. O argumento central era que a Selic mescla juros e correção monetária, o que poderia gerar distorções, já que os marcos temporais dos juros e da correção monetária são distintos: em dívidas extracontratuais, os juros fluem desde o evento danoso; nos contratos, desde a citação; e a correção monetária, apenas da sentença em diante. A falta de dissociação entre esses elementos foi apontada como obstáculo para o uso da Selic em dívidas civis.
Mesmo assim, em 2008, a Corte Especial do STJ admitiu a aplicação da Selic no julgamento do EREsp 727.842, movimento reforçado no ano seguinte em repetitivo que autorizou sua utilização em execuções de títulos judiciais. Esse posicionamento, contudo, não encerrou as divergências: as turmas de Direito Privado do STJ seguiram decidindo de forma distinta, e alguns Tribunais de Justiça Estaduais consolidaram entendimento afastando a Selic. Para críticos, o precedente de 2008 “não pegou” porque não foi assimilado de forma uniforme pelo Judiciário, o que alimentou a percepção de insegurança jurídica.
Esse histórico mostra por que a recente definição sobre a Selic reacendeu o debate. De um lado, há quem sustente que a aplicação da taxa corresponde à consolidação de precedentes já firmados pelo STJ desde 2008. De outro, persistem interpretações que defendem a manutenção da separação entre juros de mora e correção monetária, sob a lógica tradicional do Direito Civil e com respaldo em súmulas de tribunais estaduais. A ausência de uniformidade até então alimentou a percepção de instabilidade jurisprudencial, evidenciando como a questão esteve marcada, ao longo das últimas duas décadas, por leituras divergentes dentro do próprio Judiciário.
3. O que muda com a aplicação da taxa Selic?

4. Conclusão
A decisão do STF configura mais um capítulo de uma das mais duradouras controvérsias sobre a atualização das dívidas civis, ao confirmar a Selic como índice legal aplicável. Com isso, busca-se maior previsibilidade e a segurança jurídica, embora os impactos práticos da decisão ainda devam ser monitorados por credores, devedores e operadores do Direito. Além disso, é de se ressaltar que não foi discutida a aplicação no tempo da Lei 14.905/2024, bem como que se deve aguardar decisão do STJ no âmbito dos Recursos Especiais 2.070.882 e 2.199.164, quando se discutirá a fixação de tese vinculante sobre a Selic para corrigir dívidas civis antes da Lei 14.905/2024, nos seguintes termos: “Definir se a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic) deve ser considerada para a fixação dos juros moratórios a que se referia o artigo 406 do Código Civil antes da entrada em vigor da Lei nº 14.905/2024”.
Ainda, é importante ressaltar que a utilização da Selic possui caráter supletivo. Nos termos do art. 406 do Código Civil, permanece assegurada às partes a possibilidade de convencionar taxas distintas em obrigações de natureza contratual, de modo que a aplicação da Selic se mostra obrigatória sobretudo nas hipóteses de responsabilidade civil extracontratual.
A equipe de Contencioso do Souto Correa Advogados está à disposição para esclarecer dúvidas sobre os efeitos da decisão do STF e sobre a aplicação da taxa Selic na atualização de dívidas civis.