A MP 685 só pode ir até onde o parágrafo único do art. 116 do CTN permite
Jota
Henry Lummertz
A medida Provisória nº 685/2015 (MP 685), em seu artigo 9º, prevê a possibilidade de a Secretaria da Receita Federal do Brasil não reconhecer, para fins tributários, as operações que envolvam atos ou negócios jurídicos que acarretem supressão, redução ou diferimento de tributo.
Ao prever o não reconhecimento de atos e negócios jurídicos para fins tributários, a MP 685 deve se adequar ao disposto no parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, que constitui norma geral de Direito Tributário, impondo-se, em consequência, a todos os Entes Federados, aí incluída, evidentemente, a União.
A primeira consequência dessa submissão da MP 685 aos limites estabelecidos pelo parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional é a de que o não reconhecimento de atos ou negócios jurídicos pela Receita Federal só poderá se dar nas hipótese previstas nesse dispositivo complementar, ou seja, quando se tratar de “atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária”.
Assim, não poderá a Receita Federal deixar de reconhecer os atos ou negócios jurídicos praticados pelo sujeito passivo apenas porque entenda que eles não possuem “razões extratributárias relevantes”, porque a forma adotada não seja a “usual”, porque se utilize de “negócio jurídico indireto” ou porque contenha “cláusula que desnature, ainda que parcialmente, os efeitos de um contrato típico”, devendo demonstrar também que eles foram “praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária”.
Se se pretende ampliar as hipóteses em que a Receita Federal pode deixar de reconhecer atos ou negócios jurídicos para fins tributários, será necessário alterar o parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, o que só pode ser feito por lei complementar, escapando, em consequência, ao alcance das matérias que podem ser objeto de medida provisória, uma vez que a Constituição Federal, no inciso III do parágrafo 1º de seu artigo 62, determina expressamente que é vedada a edição de medida provisória sobre matéria “reservada a lei complementar”.
A segunda consequência é a de que o não reconhecimento dos atos e negócios jurídicos, nos termos do que expressamente determina a parte final do parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, deve observar “os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”.
Ocorre que esses procedimentos ainda não existem — a tentativa de estabelecê-los na Medida Provisória nº 66/2002 não teve sucesso —. E, evidentemente, esse procedimento não poderá ser criado pela Receita Federal no exercício do poder disciplinar que lhe é atribuído pelo artigo 10 da MP 685, na medida em que o Código Tributário Nacional é expresso ao determinar que os procedimentos devem ser estabelecidos “em lei ordinária”, e a Constituição Federal veda a delegação, para o Poder Executivo, de competência atribuída ao Congresso Nacional (ADCT, art. 25, inc. I).
Desse modo, até que sejam criados — por lei — os procedimentos exigidos pela parte final do parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, não poderá a Receita Federal deixar de reconhecer qualquer ato ou negócio jurídico para fins tributários.
Assim, apesar de a MP 685 criar para o sujeito passivo a obrigação de declarar seus planejamentos tributários, essa declaração não se prestará, pelo menos por ora, para os fins pretendidos pela Receita Federal, na medida em que ela não poderá deixar de reconhecer, para fins tributários, qualquer ato ou negócio jurídico praticado pelo sujeito passivo.
Nesse contexto, pode-se concluir que a MP 685 viola o princípio da proporcionalidade, ao prever meio que — pelo menos enquanto não for estabelecido o procedimento previsto na parte final do parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional — revela-se inadequado para a finalidade pretendida. Resta evidente, também, a ausência de urgência, cuja presença seria condição essencial para que a matéria pudesse ser veiculada por meio de medida provisória, nos termos do artigo 62 da Constituição Federal.
Por qualquer ângulo que se analise a MP 685, surgem violações a normas estruturais do ordenamento jurídico, que conduzem a sua inapelável invalidade.