Conflitos de empresas com a Justiça geram desemprego

Flavio Portinho Sirangelo
Jornal do Comércio
16/02/2017

Aposentado em 2015 como desembargador, Flavio Portinho Sirangelo atuou por 27 anos no Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul (TRT-RS), chegando a ser presidente da corte. Em entrevista ao Jornal da Lei, o ex-magistrado re-vela que considera a reforma trabalhista proposta pelo governo federal necessária, porque busca reduzir o excesso de conflitos entre o Judiciá-rio e as empresas, que geram passivos inesperados que nem sempre elas conseguem arcar.

Jornal da Lei – Quais os principais problemas que podem ser solucionados com a reforma trabalhista?
Flavio Portinho Sirangelo – O projeto tem um objetivo claro de tentar reduzir o excesso de conflitos no Judiciário, porque isso causa uma situação de insegurança que, no meio da atividade econômica, tem gerado passivos inesperados para as empresas e se tornado um dos fatores de desemprego ou, se não de desemprego, de procura por formas alternativas de relações de trabalho sem embasamento legal. Isso acaba, por sua vez, ocasionando mais ações trabalhistas e mais custos. Virou uma espécie de círculo vicioso, e acredito que as sociedades funcionam quando têm leis mais claras. O Brasil, infelizmente, tem normas trabalhistas em excesso, muitas vezes extremamente complexas, que não são compreendidas nem pelos em-pregadores, nem pelos empregados. Isso também é um fator de desestabilização da economia.

 

JL – Quais práticas a serem agregadas são positivas?
Sirangelo – O projeto está per-mitindo que os sindicatos estabele-çam condições de trabalho com as empresas de acordo com as neces-sidades reais e verdadeiras do se-tor onde atuam, e que não são as mesmas de outros setores. Hoje em dia, a lei cria muita dificuldade para isso, porque funciona como uma es-pécie de modelo geral para todas as situações. Na negociação localizada, muitas vezes há necessidades só da-quele local, daquela categoria, em que é necessário algum tipo de ne-gociação de cláusula, de norma di-ferente da normal geral.

 

JL – Uma das soluções seria uma especificação maior da lei para cada categoria?
Sirangelo – Não, seria permitir que, na negociação coletiva – realiza-da entre os sindicatos dos trabalha-dores junto com os sindicatos das empresas, ou entre os sindicatos dos trabalhadores e as empresas, no caso de empresas grandes -, as con-dições que eles definem como sen-do as melhores, desde que não cau-sem alguma supressão de direitos fundamentais, precisam ser aceitas, e isso hoje o sistema não permite. É por isso que o Supremo Tribunal Fe-deral (STF) tem tratado de questões trabalhistas como há muito não fa-zia, porque o STF está vendo que há necessidade de haver uma reconfor-mação das coisas, e isso sem que se entenda que vá gerar precarização de condições de trabalho. Haven-do normas adequadas para aquela área de trabalho, elas afastam o ris-co de uma precarização.

 

JL – A abertura para negocia-ções coletivas não desfavoreceria algumas categorias enfraqueci-das que possuem sindicatos me-nos atuantes?
Sirangelo – Pode acontecer, mas acho que as categorias enfraqueci-das não estão protegidas. Ninguém está com a lei atual. Elas estão sendo empurradas para o mercado infor-mal, por exemplo, pela dificuldade de negociar. À medida em que não se aceita a terceirização em alguns aspectos, não existe organização, e é isso que vai resultar na precarização, e não no fato de ter normas jurídicas próprias para isso.

 

JL – A informalidade preocu-pa mais do que as terceirizações?
Sirangelo – Claro, porque é a informalidade que gera a precarização, a diminuição da qualidade de vida das pessoas. Os profissionais com índice mais baixo de qualifica-ção não estão sendo atendidos pela lei atual. Os números mais altos de reclamatórias são de trabalhadores qualificados, os bancários, os em-pregados das companhias de petró-leo… Para esses, o sistema funciona muito bem. As regras são muito rí-gidas, as empresas são obrigadas a cumpri-las. Mas o pequeno em-pregador não tem como, senão vai fechar. Assim, vai partir para a in-formalidade, vai sonegar impostos para não perder o empregado, por exemplo. A precarização vai resultar da negativa do Brasil em atualizar a sua cultura de relação de trabalho.

 

JL – Em quais circunstân-cias a terceirização poderia ser aplicada?
Sirangelo – Uma lei sobre a ter-ceirização é necessária, mas não sou defensor da terceirização absoluta, a quarteirização, cada um cuidando de si. Isso não vai dar certo, mas é preciso reconhecer que há atividades em que a empresa não precisa exer-cer através de empregados com car-teira assinada, como no caso da tec-nologia da informação (TI). Posso ter a assistência na área de TI por meio de uma empresa especializada sem precisar assinar a carteira. Preocupo- -me, especialmente, com áreas como o eleatendimento. Por que exigir que uma empresa tenha um setor gigan-tesco de teleatendimento se ela pode contratar outra que tenha experiên-cia mundial? Desde, é claro, que essa empresa estabeleça um acordo de trabalho com os seus empregados, que garanta direitos, que estabeleça regras sobre a jornada de trabalho, saúde, qualidade de trabalho.

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