Dificuldade de ocultar recursos no Exterior aumentará

Anderson Cardoso

+Economia – Zero Hora

Começa na próxima segunda-feira prazo para aderir à lei que permite regularizar patrimônio mantido no Exterior sem declaração formal

Na próxima segunda-feira, dia 4 de abril, começa o prazo de adesão a Lei de Repatriação (13.254/2016), que estabeleceu regras para regularizar ativos mantidos no Exterior, com origem lícita, sem terem sido declarados oficialmente ou com declaração parcial ou incorreta. O governo federal estima arrecadar, só com tributação e multa, R$ 100 bilhões com a medida. O advogado tributarista Anderson Cardoso, sócio do escritório Souto Correa, considera da adesão vantajosa por ser parte de uma tendência internacional de aperto na fiscalização nessa área, mas aconselha que a avaliação seja feita caso a caso, com assessoria tributária, criminal e financeira.

A repatriação de ativos é encarada como intenção arrecadatória do governo. É só isso ou há demanda para o processo?

A lei de repatriação, em que pese contribua com a arrecadação do governo federal, que é uma necessidade premente para fazer frente ao déficit fiscal, vem ao encontro de uma uniformização internacional na área tributária, especialmente no que tange à troca de informações. O Brasil, em 23 de setembro de 2014, assinou um acordo com os EUA para troca de informações, na linha do que já é previsto na legislação americana para tributação de valores provenientes do Exterior. Nessa linha, as informações de brasileiros que possuam recursos no Exterior serão recebidas pelo governo brasileiro.

Nesse caso, especificamente nos EUA?

Sim, mas lembrando que os EUA também têm acordos com mais de 15 países, também de troca de informações, e a tendência é de que isso se amplie. Esse acordo de setembro de 2014 já foi reconhecido pelo Congresso no Brasil e hoje é um decreto de agosto de 2015. Em outubro de 2014, houve um acordo na Alemanha com a integração de mais de 50 países, com a perspectiva de 30 ou 40 aderirem em breve. Então, teremos cerca de cem países com acordo de troca de informações nos próximos anos. Ou seja, todos os valores que existem hoje no Exterior sem a possibilidade de o governo brasileiro ter informação, ou passando pela necessidade de aprovação de outros países para entrega dessas informações para o Brasil, ficarão mais expostos, em curto espaço de tempo. Então, a lei de repatriação vem antecipando essa mudança. O que teremos no futuro, do ponto de vista fiscal, é que os países que eram considerados paraísos fiscais por baixa tributação, no futuro, serão os países que não trocam informação, independentemente do nível de tributação. Teremos as famosas listas negras relacionando os países que não compartilham informações com outros países. Esse é o novo cenário internacional. Países como Itália e Argentina fizeram esse movimento que o Brasil faz agora, permitindo a remissão desses tributos correspondentes a valores que estão no Exterior. Na Argentina, não foi tão relevante, foram cerca de US$ 4 bilhões, na Itália foram mais de US$ 100 bilhões.

A expectativa de arrecadação de R$ 100 bilhões no Brasil é realista?

São estimativas, a possibilidade disso se concretizar depende da adesão, que começa agora no dia 4 de abril e vai até o final de outubro. É um período longo. Depende da quantidade de recursos que houver no Exterior. A tendência do governo é sempre estimar a mais, é um padrão na projeção de valores fiscais a arrecadar.

Que ativos estão incluídos e quais estão fora?

Recursos em contas, bens, participação em sociedades. Foram vetadas, por exemplo, obras de arte e joias, para tentar afastar a possibilidade de regularizar ativos que não tivessem origem comprovada. Se alguém tinha um bem em dezembro de 2014 e tiver vendido poderá aderir à lei, desde que apresente documentos que comprovem o valor atribuído ao bem. Como é a tributação desses valores? Quem optar pela repatriação vai pagar 15% sobre o valor repatriado, com uma multa correspondente a 100% dessa tributação, aí se chega a 30% do total. Mas é importante lembrar que a legislação considera o patamar da cotação do dólar do final de 2014. Hoje estamos na faixa de R$ 3,60 mas, na época, estava em R$ 2,65. Então, na conversão dos recursos para reais, o valor apurado será menor do que o atualizado. Isso representa um mecanismo atrativo.

Há vantagem na repatriação?

A vantagem é que em um futuro breve, haverá rigor muito maior na fiscalização, especialmente por conta da troca de informações entre os países. Falamos de acordos que, em futuro breve, envolverão cerca de cem países, o que leva à possibilidade de ter dificuldade muito maior de ocultar patrimônio ou valores no Exterior. Além disso, a legislação é extremamente favorável, pela tributação, 15% sobre o ganho de capital. A multa é de apenas mais 15%, afastando multa punitiva, multa moratória, juros. Temos efetivamente um benefício, além do afastamento da punibilidade pelo ilícito praticado. Ainda há uma vinculação de patamar de cotação de dólar bastante razoável. Qualquer moeda do mundo é convertida para dólar no patamar de dezembro de 2014, aí se converte o dólar nessa data, para real. Esse é mais um benefício, o que traz a tributação para menos de 20%. Então, sob todos os aspectos, a adesão é vantajosa, embora tenha de haver uma avaliação caso a caso.

A instabilidade do atual governo pode ser um risco?

Acredito que dispomos, no Brasil, de instituições sólidas. Mesmo com eventual troca dos comandantes, as regras são postas e são cumpridas no país. Temos um Judiciário bastante atuante, quando demandado. Causa uma instabilidade, mas acredito que seja mais pelo viés econômico, como fazer frente aos valores que serão devidos, numa adesão com montantes significativos, do que propriamente um receio com relação a mudanças de regras. Essas regras não vêm atender a este governo, mas a uma questão de Estado. O Estado brasileiro celebrou acordos que vão no sentido de uma nova ordem internacional que estabelece troca de informações fiscais para fins de monitoramento de alocação de valores em todo o mundo. Acredito que a questão política não deva impactar nessa avaliação.

Quem quer manter ativos sem declaração poderá contar com anonimato em países que não aderirem a acordos?

Por conta da alta tributação em países como o Brasil, pessoas e empresas tentam se utilizar de mecanismos para reduzir sua tributação. Há países considerados pelo Brasil como paraísos fiscais, que formam uma lista negra. Mas haverá um cerco cada vez maior, então a dificuldade tende a ser cada vez maior.

E do que precisa cuidar quem quer repatriar?

É um tipo de operação que envolve três aspectos, o tributário, o criminal e o apoio de uma institiuição financeira autorizada a realizar operações de câmbio. Mesmo que a punibilidade seja extinta, é sempre importante fazer uma análise caso a caso.

Marta Sfredo.

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